sábado, março 18

Um Estado a abrir falência

Passou-se ontem em Lisboa. Foi um simpósio sobre Segurança Social, realizado na tentativa de buscar novas soluções para este problema.
O Governo deu todos os sinais de que o Estado português está em situação de abrir falência. Falência por não ter outra saída (o que eu não acredito) ou por ter enveredado pela via das afirmações fraudulentas.
Realmente, quando uma das propostas é a de serem as empresas a criarem os seus próprios fundos de reforma, segundo o jornal Correio da Manhã de hoje, «à semelhança dos bancários», isto quer dizer que o Estado não dá garantias de solvência dentro de poucos anos. Mas pior, é a rejeição do modelo de Estado-providência que tinha sido definido depois da Grande Depressão, nos Estados Unidos, no final dos anos 20 do século passado.
Como é possível governantes responsáveis apresentarem uma proposta desta natureza? Uma proposta onde à entidade patronal caberá uma comparticipação da ordem dos vinte por cento e aos empregados uma quota de um pouco mais de dez por cento dos salários de cada trabalhador, tudo isto contra benefícios de ordem fiscal favoráveis à empresa. Só pode ser brincadeira ou pura irresponsabilidade!
Então vai transferir-se para a pseudo idoneidade das empresas (logo, dos empresários) a garantia do futuro na velhice dos trabalhadores, sabendo-se que este é o segundo momento mais frágil da vida do Homem?! Isto só pode partir de cabeças ou eticamente mal formadas ou da mente de alguém que tem andado a dormir todos estes anos!
Num país onde a divida das empresas à Segurança Social nem está ainda completamente apurada, onde os empresários fazem mão baixa dos descontos dos trabalhadores e não contribuem com a sua quota parte para a reforma e outros benefícios de quem para eles labora, propor que sejam essas entidades a criar os seus próprios fundos de reforma, só pode ser entendida como uma piada de mau gosto!
Num país onde é permitida a deslocalização de grandes empresas as quais, de um dia para o outro, encerram as portas e despejam os trabalhadores na rua como se de lixo se tratasse, há um Governo que apresenta publicamente uma proposta como aquela que vem noticiada nos jornais de hoje!
Está tudo louco!
Estamos a cair no mais fundo buraco do liberalismo do século xix, com uma diferença fundamental: agora a solicitação ao consumo, em especial desnecessário, é imensa. Hoje toda a gente se deixou enredar nas malhas do mercado. Há países onde os trabalhadores, as famílias, estão permanentemente endividadas. Isto tornou-se um ciclo vicioso: trabalha-se para pagar os empréstimos que se contraem na compra da casa, do automóvel, do mobiliário, do vestuário, do computador, do telemóvel, das férias e viagens, da água, da luz, do telefone, enfim, de tudo.
Já alguém imaginou como seria se a totalidade dos trabalhadores, de um mês para o outro, deixasse de pagar as dívidas que contraiu e resolvesse comprar exclusivamente o que necessita para a sua sobrevivência diária? Em menos de meio anos instalava-se o caos neste planeta a que chamamos Terra. As empresas, as maiores e as mais pequenas, abriam falências em série, os despedimentos seriam absolutos a paralização aconteceria em curto lapso de tempo. E tudo isto porquê?
Porque estamos a viver acima dos rendimentos que auferimos garantidamente todos os meses; porque estamos em constante super produção; porque se aposta na obsolescência em tempo oportuno dos produtos fabricados para manter a máquina fabril em constante laboração. A economia e as necessidades estão sobredimensionados. Ora, o Governo português não é composto de tolos. Acabei de expor o essencial que qualquer político deve saber. Então, a pergunta que me não canso de fazer resume-se a uma frase: onde está a honestidade dos nossos governantes?
Portugal encontra-se à beira de falir e entrar em «liquidação total». Resta-nos que os credores — afinal todos nós e mais todos os estrangeiros financiadores deste estado de coisas — sejam capazes de se reunir em «assembleia» e tomar decisões sobre o futuro. Mas não passando por soluções fraudulentas como estas que os nossos governantes estão a tentar impingir-nos!

Alguma coisa muda, efectivamente

Tenho de dar a mão à palmatória, como se diz na sabedoria popular, porque há bens poucos dias, neste mesmo local, afirmava, muito convicto, que nada ia mudar em Belém com a saída do Presidente Sampaio e a entrada de Cavaco Silva. Ora, alguma coisa mudou já e para pior.
Mudou, mostrando o lado revanchista da direita a ocupar a mais alta magistratura da Nação. Mudou o sentido de equilíbrio e equidade do Conselho de Estado através dos elementos escolhidos pelo Presidente da República. Com efeito, tendo o CDS/PP sido o partido menos votado nas últimas eleições e, por conseguinte o de menor representação parlamentar entre os quatro tradicionais há cerca de trinta anos — PS, PSD, PCP e CDS — eis que Cavaco Silva, retira da sua lista de conselheiros o representante do PCP e inclui um do CDS/PP. Com esta simples manobra e por força da distribuição feita no âmbito da Assembleia da República, o Partido Comunista deixa de ter assento no órgão consultivo da Presidência da República.
Uma tal atitude não teria significado relevante se o Governo estivesse a adoptar e a prosseguir uma política com forte pendor de esquerda, que não está, ou se o Presidente da República fosse proveniente de uma área política de matiz de esquerda, que não é. Assim sendo, as escolhas de Cavaco Silva mostram uma tendência de viragem à direita para acelerarem o neo-liberalismo de Sócrates.
Vamos ver quais vão ser as próximas movimentações do «homem que veio de Boliqueime» para presidir à República!

segunda-feira, março 6

Nada muda, efectivamente

Faltam poucos dias para que Jorge Sampaio faça entrega das suas funções de Presidente da República a Cavaco Silva.
Alguns Portugueses perguntam-se o que vai mudar em Belém. Pois, na minha opinião, para além da cor de alguns cortinados nas janelas e um ou outro pormenor, tudo, do mais importante, ficará na mesma. Por enquanto, o estilo vai ser semelhante ao anterior. E, passados um ou dois anos, tudo se manterá. Porquê?
Porque o Presidente da República, em Portugal, não governa. Limita-se a tentar influenciar quem o faz. Ora, a influência de uma governação mais à direita, de momento, não é possível nem conveniente e «puxar» para a esquerda não está nos ânimos do futuro Presidente. Por isso, tudo ficará como até aqui.
A «tranquilização» económica que se admitiu, durante a campanha eleitoral, iria ser posta em prática por Cavaco Silva foi «milho aos pombos»! Ou seja, foi um processo de juntar o que andava disperso e conseguir o número desejado de eleitores. A entrada de Portugal na área do Euro fez fugir ao controle da banca nacional, em especial do Banco central, a execução de políticas financeiras que poderiam alterar o rumo dos acontecimentos económicos. Quanto mais o país se precipita na incapacidade de sobrelevar a crise, cavando mais fundo o deficit orçamental (por adopção de políticas fiscais que atrofiam as políticas económicas), mais dependente está da evolução europeia. Entrámos numa espiral invertida cuja travagem não se vislumbra possível no curto nem no médio prazo. As fortunas pessoais não são produtivas nacionalmente e como o que imperou nos dez anos de Governo Cavaco Silva foi o enriquecimento pessoal ao invés do nacional, o tecido produtivo está a esboroar-se continuamente por falta de uma política proteccionista que não pode ser efectivada dadas as regras definidas por Bruxelas. O que ontem não se acautelou, hoje está perdido.
Portugal cada vez mais é menos dos Portugueses e os Portugueses cada vez mais são menos de Portugal. E quanto mais o Estado se dilui e se desfaz do desempenho de um papel activo na economia (como interventor e corrector dos desvios que prejudicam os Portugueses), menos a solução da crise está na sede do Governo nacional. A solução não fica à deriva; vão ser os grandes interesses estrangeiros quem a controlará, mas isso não quer dizer que o façam no sentido de um melhor trem de vida dos e para os Portugueses.
A única solução visível é o aumento do egoísmo (que, por definição, é sempre individual!). Salve-se quem puder, porque os velhos, os inválidos e os desempregados, dependentes do Estado por terem acreditado no sistema de segurança social que norteou as nossas vidas durante os últimos anos do regime fascista e a primeira década após 25 de Abril, porque esses estão perdidos! Cada vez mais o Estado vai tentar descartar-se dos encargos sociais que tinha assumido honestamente com os cidadãos. O Estado tem de ser, na conjuntura actual, uma pessoa desonesta e credora de pouca confiança. Estamos a voltar aos tempos da consolidação do Liberalismo, depois da vitória de D. Pedro iv, em 1834, com a agravante de que a maioria de nós, classe média, já não é agricultora e de que a agricultura já não é salvação para ninguém. Agora somos todos verdadeiros proletários que, de nosso, só possuímos a força de trabalho para vender pelo mais baixo preço.
Ao que nós chegámos!