Era cadete finalista da Academia Militar, no já distante ano lectivo de 1964/65, quando comecei a dar explicações de Matemática e aulas de História e Geografia em «Salas de Estudo» - como então se chamavam a centros onde se completava o conhecimento da frequência dos liceus. Desde então para cá, foram raros os anos lectivos em que não desenvolvi actividade docente.
No começo da década de 70 estreei-me a dar aulas em colégios particulares e, dez anos mais tarde, passei a leccionar no ensino superior militar, primeiro no Instituto de Altos Estudos da Força Aérea (IAEFA) e, depois, na Academia da Força Aérea. No início da década de 90 (1992) fiz a minha estreia como professor do ensino universitário civil. Há catorze anos que por lá me mantenho, fiel à Universidade Autónoma de Lisboa (UAL).
Ao olhar para trás, sinto-me satisfeito pelo trabalho desenvolvido. Acredito que a docência é uma missão e não uma profissão. Sempre achei que mais importante do que levar um aluno a saber uma qualquer matéria é conseguir despertar-lhe dois sentimentos simultâneos: o gosto pelo conhecimento e o prazer de saber. Bom professor é aquele que faz do seu aluno um verdadeiro estudante, um Homem voltado para o exterior, capaz de estar preparado para o acto simples de aprender.
Certamente não consegui que todos os meus alunos assumissem esta postura - talvez por culpa minha - contudo, sinto-me satisfeito comigo, porque algumas das muitas sementes lançadas à terra fortificaram e medraram.
Ao longo de tantas décadas, já ensinei milhares de alunos. De muitos ficou-me a lembrança individual em consequência de, por qualquer motivo, me recordar da pessoa. As razões podem ter sido boas ou muito más! Contudo, de cursos, ou seja de todo um conjunto de alunos, recordo muito poucos: um, do já extinto Externato de Santa Bárbara, outro do primeiro ano que leccionei na Academia da Força Aérea (1985/86) e outro bem recente, na UAL. Reporto-me aos alunos entrados em 2002 para o 1.º ano da licenciatura em Relações Internacionais. Dei-lhes aulas logo mal chegaram à Universidade e, depois, no 3.º ano. Quase todos estão agora a concluir a sua formação. A eles vou dedicar o apontamento de hoje.
É sempre tormentoso dar aulas aos alunos do primeiro ano da Universidade, porque, como regra, apresentam-se ainda com os hábitos e comportamentos próprios do ensino secundário: a irrequietude, as interrupções para dizer coisas a despropósito, as perguntas não pensadas, a incapacidade de aguentar 90 minutos de aula sem se dispersarem, enfim, toda a panóplia de atitudes contrárias à forma de alguém se comportar numa Universidade. Os novos comportamentos têm de lhes ser ensinados através de uma conduta que não deixe dúvidas aos caloiros. Melhor ou pior lá vão aprendendo a comportar-se de modo que, ao chegarem ao 3.º ano, são pessoas diferentes.
Em Outubro de 2002 ingressou na UAL, destinado ao curso de Relações Internacionais, um grupo de alunos bastante heterogéneo: elevado número de Africanos, alguns Brasileiros e bastantes Portugueses caucasianos. Os Africanos vinham, maioritariamente de Angola, embora os houvesse de S. Tomé, de Cabo Verde e da Guiné-Bissau.
Irrequietos e irreverentes, com todas as características inerentes a tantos outros caloiros que já me passaram pelas mãos, havia no grupo algo de diferente: uma irreverência não desrespeitosa acompanhada de uma imensa vontade de serem capazes de gerar uma coesão verdadeira; independentemente das suas diferentes origens queriam ser amigos, queriam esbater o que os separava para manter junto o que os juntava.
Depois de os deixar no primeiro ano, soube que, no segundo, tinha havido desistências. O grupo reduziu-se, mas ficou mais coeso. Começaram a destacar-se três líderes que, ao contrário de disputarem a chefia, complementavam-se: um São-tomense, um Português e um Brasileiro. Eram os mais disponíveis para todos os restantes. Souberam desenvolver um sentimento de anti-concorrência; a cooperação passou a ser a sua palavra de ordem; o grupo era mais importante do que as partes que o constituíam. Assim os «apanhei» no 3.º ano.
Naturalmente, houve alunos fracos e alunos bons, mas todos se mostraram desejosos de ultrapassar as dificuldades que, propositadamente, lhes criava para se superarem. A simpatia fluiu, tornando as lições mais agradáveis.
Julgo ter sido capaz de deixar amizades entre aqueles alunos, agora já finalistas. Parece-me que os marquei.
Pela primeira vez, em tantos anos de ensino, sinto que cumpri integralmente a minha missão.
É com um misto de tristeza e alegria que os vejo partir. Vão para as suas terras, para os seus destinos; seguem rumo ao Futuro, mas ficarão na minha lembrança e no meu coração, todos em conjunto e cada um em particular e por razões diferentes.
Será, de certeza, com muita alegria que receberei notícias deste grupo e peço Àquele que rege o Universo a possibilidade de terem os caminhos da Vida aplanados e fáceis de modo a vencerem sem perderem de vista que a melhor vitória não é a individual, mas a do grupo.
Um pouco ao sabor dos acontecimentos e da disposição, os desabafos de um Português que deseja um Portugal melhor, ficarão neste blog para os amigos lerem e os desconhecidos espreitarem.
terça-feira, maio 30
terça-feira, maio 9
O primeiro rei de Portugal
Há uma pergunta que me assalta quando medito sobre a origem histórica e, consequentemente, política do nosso país:
— Nos recuados anos de 1140 (mais coisa, menos coisa) será que os camponeses do Alto Minho tinham consciência de serem portugueses (ou portucalenses) e desejo de serem independentes do reino de Leão?
Imagino que o meu leitor já esboçou um sorriso e pensa com os seus botões: — Este está louco ou para lá caminha! Então querem lá ver um pobre camponês do século XII preocupado com ser isto ou aquilo! Ele queria era não morrer de fome e ter no final das colheitas o suficiente para pagar ao seu senhor os impostos que lhe lançava em cima dos ombros!
Se o leitor pensou assim, pensou muito bem, porque concordo consigo.
Realmente a minha pergunta é mais retórica do que outra coisa qualquer. Mas tem o seu fundamento.
Abra o leitor um compêndio de História de Portugal e verá que todos, ou quase, os historiadores se referem a D. Afonso Henriques como o «fundador da nacionalidade». Ora, no mais estreito rigor histórico, o nosso primeiro rei o que fundou foi um Estado, porque o conceito de Nação obriga a que os habitantes, o Povo, a população, o grupo social — chamem-lhe o que lhes der na gana — tenham consciência de pertencer a um mesmo agregado humano, enaltecer a sua história, desejar viver o presente em conjunto com os restantes elementos e, também, querer continuar no futuro a herança de vida em comum. Como nada disto ia, pela certa, na cabeça dos camponeses do Norte do território, também, pela certa, é um tremendo erro dizer que D. Afonso Henriques fundou a nacionalidade! O primeiro rei português foi, isso sim, um testa de ferro dos interesses dos grandes barões de entre Douro e Minho.
Anda por aí a circular uma quase tese segundo a qual D. Afonso Henriques não seria, efectivamente, o filho do conde D. Henrique e de D. Teresa. O pai morreu poucos anos após o nascimento do filho e este foi entregue (não se sabe quando) a Egas Moniz — um dos grandes barões do condado — para na qualidade de aio, o educar; a criança teria morrido e o nobre, de combinação com os outros grandes senhores da terra, substituiu-o por um seu filho da mesma idade. Claro que tudo isto não passa de uma hipótese, mais ou menos desconchavada, lançada para o ar e sem fundamento documental. Desta maneira justificar-se-ia o cruel tratamento do suposto D. Afonso para com a D. Teresa (raciocínio demasiado romântico e «bonzinho» para ser verdadeiro naquela altura da Idade Média! Esquecemos que, então, a rudeza de sentimentos caracterizava as relações sociais).
Seja como for, D. Afonso Henriques foi o primeiro rei de Portugal. A ele se deve a reconquista definitiva de todo o território do Estado até ao rio Tejo. Embora tenha andado pelas terras do Sul, foi, no fim da vida, obrigado pelos sarracenos a recolher as suas hostes para trás das águas do rio que divide esta área da Península.
Corro o risco de cometer aquilo que em História se chama um anacronismo, se disser que D. Afonso Henriques desenvolveu uma estratégia muito inteligente para conseguir fazer reconhecer o condado como um reino independente e não vassalo de Leão. O risco vem do facto de, no século XII, não ser conhecido o conceito de estratégia; não se falava de tal, mas já se praticava... Aliás, sempre se praticou, porque a estratégia está intimamente ligada ao conflito e, desde que dois homens coabitem o mesmo espaço, existe conflito, dando origem à definição instintiva de estratégias. Se aceitarmos a sua existência, embora não revelada como tal, estamos em condições de perceber como o primeiro rei de Portugal se movimentou para alcançar o objectivo que tinha em mente ou lhe era sugerido pelos seus mais próximos conselheiros. Vamos, então, esclarecer a questão.
D. Afonso tinha de desenvolver um conflito em três frentes adversas: os Mouros, a Sul do território, os Galegos/Leoneses, a Norte e Este e, por fim, a Santa Sé, autoridade indiscutível a quem o reconhecimento do poder temporal, naquelas épocas, se ficava a dever. O alcance do seu objectivo dependia da boa ou má articulação que fosse capaz de fazer destes factores.
Era necessário enfrentar militarmente Leão e os Mouros, mas havia que saber tirar proveito de ambas as acções. D. Afonso, depois de internamente dominar os adeptos da causa de D. Teresa — que a viam como sucessora do conde D. Henrique — optou por atacar, como se impunha, o primo, Afonso VII, de Leão, tomando a Galiza como eixo do movimento castrense. Nisto se gastou tempo até se chegar à paz de Tui, em Julho de 1137. Este acordo resultou da imperiosa necessidade de desviar forças para o Sul do território, entretanto atacado pelos Sarracenos.
Em 1140, D. Afonso Henriques sai vitorioso, na batalha de Ourique, contra os muçulmanos. Intitula-se, logo de seguida, rei de Portugal e de novo ataca a Galiza. As forças dos dois primos defrontam-se em Valdevez. Outra vez o auto aclamado rei de Portugal aceita fazer a paz com Afonso VII, agora em Zamora, corria o ano de 1143. À conferência esteve presente o cardeal Guido de Vico, representante do papa. O rei de Castela e Leão reconhece Afonso Henriques como rei de Portugal e este presta vassalagem ao papa, prometendo-lhe o pagamento de quatro onças de ouro em cada ano.
Porquê foi tão fácil o entendimento? Razão simples; Afonso VII queria ver-se reconhecido pela Santa Sé com o título de imperador da Hispânia, convindo-lhe deste modo a vassalagem de um rei, já que concedeu ao primo o título de senhor Astorga, alçando-se assim a seu suserano.
Pareciam conseguidos os intentos de D. Afonso I de Portugal, mas faltava o mais importante: o reconhecimento da Santa Sé. Para tanto, de novo, o monarca português usou de inteligência, tirando proveito da oportunidade que lhe surgia: atacou os Mouros, no Sul do território. Assim, lutando contra o infiel, alargava o território da cristandade enquanto engrandecia o seu reino. A tal não podia ficar indiferente o papa.
As conquistas começaram em 1147, por Santarém, e, continuando, caíram Lisboa, Sintra, Almada e Palmela. Em 1158 ou 1160 foi conquistada Alcácer do Sal. Já seguro do avanço, D. Afonso Henriques conquistou, em 1159, Tui, na Galiza. Depois, o território de Límia e, em 1163, Salamanca. É, então, que dois anos mais tarde, pelo Tratado de Pontevedra, o rei de Portugal e de Leão, acertam a paz e as devoluções respectivas. De novo, o monarca português se vira para Sul e já conquistada Évora, em 1179 o papa, pela bula Manifestis Probatum, reconhece D. Afonso I rei de Portugal. No ano anterior, o infante D. Sancho havia feito uma entrada em território sarraceno, chegando até aos arredores de Sevilha. Estavam alcançados os objectivos do primeiro rei de Portugal.
Fiel à estratégia definida, venceu resistências e dificuldades.
Tendo começado por uma pergunta retórica, deixem os meus leitores que finalize com mais duas:
— Como interpretarão os políticos nacionais, hoje, agora, as capacidades do fundador do Estado português? Seriam eles hábeis suficientes para traçar uma estratégia definidora de uma nova fundação?
Permitam-me que duvide...
— Nos recuados anos de 1140 (mais coisa, menos coisa) será que os camponeses do Alto Minho tinham consciência de serem portugueses (ou portucalenses) e desejo de serem independentes do reino de Leão?
Imagino que o meu leitor já esboçou um sorriso e pensa com os seus botões: — Este está louco ou para lá caminha! Então querem lá ver um pobre camponês do século XII preocupado com ser isto ou aquilo! Ele queria era não morrer de fome e ter no final das colheitas o suficiente para pagar ao seu senhor os impostos que lhe lançava em cima dos ombros!
Se o leitor pensou assim, pensou muito bem, porque concordo consigo.
Realmente a minha pergunta é mais retórica do que outra coisa qualquer. Mas tem o seu fundamento.
Abra o leitor um compêndio de História de Portugal e verá que todos, ou quase, os historiadores se referem a D. Afonso Henriques como o «fundador da nacionalidade». Ora, no mais estreito rigor histórico, o nosso primeiro rei o que fundou foi um Estado, porque o conceito de Nação obriga a que os habitantes, o Povo, a população, o grupo social — chamem-lhe o que lhes der na gana — tenham consciência de pertencer a um mesmo agregado humano, enaltecer a sua história, desejar viver o presente em conjunto com os restantes elementos e, também, querer continuar no futuro a herança de vida em comum. Como nada disto ia, pela certa, na cabeça dos camponeses do Norte do território, também, pela certa, é um tremendo erro dizer que D. Afonso Henriques fundou a nacionalidade! O primeiro rei português foi, isso sim, um testa de ferro dos interesses dos grandes barões de entre Douro e Minho.
Anda por aí a circular uma quase tese segundo a qual D. Afonso Henriques não seria, efectivamente, o filho do conde D. Henrique e de D. Teresa. O pai morreu poucos anos após o nascimento do filho e este foi entregue (não se sabe quando) a Egas Moniz — um dos grandes barões do condado — para na qualidade de aio, o educar; a criança teria morrido e o nobre, de combinação com os outros grandes senhores da terra, substituiu-o por um seu filho da mesma idade. Claro que tudo isto não passa de uma hipótese, mais ou menos desconchavada, lançada para o ar e sem fundamento documental. Desta maneira justificar-se-ia o cruel tratamento do suposto D. Afonso para com a D. Teresa (raciocínio demasiado romântico e «bonzinho» para ser verdadeiro naquela altura da Idade Média! Esquecemos que, então, a rudeza de sentimentos caracterizava as relações sociais).
Seja como for, D. Afonso Henriques foi o primeiro rei de Portugal. A ele se deve a reconquista definitiva de todo o território do Estado até ao rio Tejo. Embora tenha andado pelas terras do Sul, foi, no fim da vida, obrigado pelos sarracenos a recolher as suas hostes para trás das águas do rio que divide esta área da Península.
Corro o risco de cometer aquilo que em História se chama um anacronismo, se disser que D. Afonso Henriques desenvolveu uma estratégia muito inteligente para conseguir fazer reconhecer o condado como um reino independente e não vassalo de Leão. O risco vem do facto de, no século XII, não ser conhecido o conceito de estratégia; não se falava de tal, mas já se praticava... Aliás, sempre se praticou, porque a estratégia está intimamente ligada ao conflito e, desde que dois homens coabitem o mesmo espaço, existe conflito, dando origem à definição instintiva de estratégias. Se aceitarmos a sua existência, embora não revelada como tal, estamos em condições de perceber como o primeiro rei de Portugal se movimentou para alcançar o objectivo que tinha em mente ou lhe era sugerido pelos seus mais próximos conselheiros. Vamos, então, esclarecer a questão.
D. Afonso tinha de desenvolver um conflito em três frentes adversas: os Mouros, a Sul do território, os Galegos/Leoneses, a Norte e Este e, por fim, a Santa Sé, autoridade indiscutível a quem o reconhecimento do poder temporal, naquelas épocas, se ficava a dever. O alcance do seu objectivo dependia da boa ou má articulação que fosse capaz de fazer destes factores.
Era necessário enfrentar militarmente Leão e os Mouros, mas havia que saber tirar proveito de ambas as acções. D. Afonso, depois de internamente dominar os adeptos da causa de D. Teresa — que a viam como sucessora do conde D. Henrique — optou por atacar, como se impunha, o primo, Afonso VII, de Leão, tomando a Galiza como eixo do movimento castrense. Nisto se gastou tempo até se chegar à paz de Tui, em Julho de 1137. Este acordo resultou da imperiosa necessidade de desviar forças para o Sul do território, entretanto atacado pelos Sarracenos.
Em 1140, D. Afonso Henriques sai vitorioso, na batalha de Ourique, contra os muçulmanos. Intitula-se, logo de seguida, rei de Portugal e de novo ataca a Galiza. As forças dos dois primos defrontam-se em Valdevez. Outra vez o auto aclamado rei de Portugal aceita fazer a paz com Afonso VII, agora em Zamora, corria o ano de 1143. À conferência esteve presente o cardeal Guido de Vico, representante do papa. O rei de Castela e Leão reconhece Afonso Henriques como rei de Portugal e este presta vassalagem ao papa, prometendo-lhe o pagamento de quatro onças de ouro em cada ano.
Porquê foi tão fácil o entendimento? Razão simples; Afonso VII queria ver-se reconhecido pela Santa Sé com o título de imperador da Hispânia, convindo-lhe deste modo a vassalagem de um rei, já que concedeu ao primo o título de senhor Astorga, alçando-se assim a seu suserano.
Pareciam conseguidos os intentos de D. Afonso I de Portugal, mas faltava o mais importante: o reconhecimento da Santa Sé. Para tanto, de novo, o monarca português usou de inteligência, tirando proveito da oportunidade que lhe surgia: atacou os Mouros, no Sul do território. Assim, lutando contra o infiel, alargava o território da cristandade enquanto engrandecia o seu reino. A tal não podia ficar indiferente o papa.
As conquistas começaram em 1147, por Santarém, e, continuando, caíram Lisboa, Sintra, Almada e Palmela. Em 1158 ou 1160 foi conquistada Alcácer do Sal. Já seguro do avanço, D. Afonso Henriques conquistou, em 1159, Tui, na Galiza. Depois, o território de Límia e, em 1163, Salamanca. É, então, que dois anos mais tarde, pelo Tratado de Pontevedra, o rei de Portugal e de Leão, acertam a paz e as devoluções respectivas. De novo, o monarca português se vira para Sul e já conquistada Évora, em 1179 o papa, pela bula Manifestis Probatum, reconhece D. Afonso I rei de Portugal. No ano anterior, o infante D. Sancho havia feito uma entrada em território sarraceno, chegando até aos arredores de Sevilha. Estavam alcançados os objectivos do primeiro rei de Portugal.
Fiel à estratégia definida, venceu resistências e dificuldades.
Tendo começado por uma pergunta retórica, deixem os meus leitores que finalize com mais duas:
— Como interpretarão os políticos nacionais, hoje, agora, as capacidades do fundador do Estado português? Seriam eles hábeis suficientes para traçar uma estratégia definidora de uma nova fundação?
Permitam-me que duvide...
domingo, abril 30
Os Portugueses que nós somos
Haverá, realmente, uma cultura portuguesa?
Esta tem sido uma das perguntas que, de há vários anos a esta parte, se vem colocando aos intelectuais do nosso país. Hoje, mais do que nunca, num mundo no qual se procura uniformizar comportamentos tem grande fundamento a interrogação que expressei. E tem, porque toda a gente vai para as estâncias de férias da moda, veste-se segundo os padrões definidos pelos costureiros internacionais, usa o carro que é mais badalado, utiliza, até à exaustão, o idioma inglês, admira e copia, nos comportamentos, as individualidades mais na berra, enfim, numa só expressão, deixa-se condicionar pela máquina publicitária.
Sem procurar ser demasiado optimista, julgo que ainda são possíveis descobrir, aqui e além, traços da manifestação cultural, verdadeira e autónoma, dos Portugueses.
Claro que, quando me refiro à «cultura portuguesa», falo daquilo que os antropólogos definem como sendo tudo o que o Homem acrescenta à Natureza. É, afinal, o resultado da luta que vamos travando no local onde vivemos, trabalhamos e acabamos por morrer, contra todo o tipo de adversidades, ou como tal sentidas, que nos chegam de fora. Isso é «cultura». Cultura erudita é outra coisa; são as manifestações mais ou menos artísticas produzidas para deleite intelectual de quem as faz e gozo ou usufruto de quem as adquire ou simplesmente aprecia!
Aclarados conceitos, parece-me, posso concluir que, no fim das contas, a cultura é sempre o resultado de sucessivas misturas que se caldeiam ao longo dos anos, dos séculos e dos milénios, sendo nosso o que também já foi dos outros e adaptámos.
Do mesmo modo que o comum dos Portugueses quando se olha ao espelho poderia, com uns pequenos retoques, ser confundido com um Magrebino ou um Turco, também na nossa cultura (no sentido vulgar e no erudito) existem lampejos desses muçulmanos que durante mais de quinhentos anos estiveram na Península Ibérica e à qual chamavam sua. E cinco centúrias são qualquer coisa como o tempo que vem desde a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil à actualidade!
Brincam os nortenhos, chamando à gente do Sul de Portugal mouros. Eles também não podem eximir-se a essa herança! A diferença está em menos uma ou duas centenas de anos ou qualquer coisa que o valha. O baluarte galego-duriense terá consolidado a sua posição cristã entre o século IX e X, havendo antes estado sujeito à forte influência islâmica desde o século VIII.
Foi por ser centro de fixação de povos cristãos, vindos da Europa mais cedo, que o Norte de Portugal, precocemente, se «misturou» e descaracterizou da matriz mourisca. Mas como o Sul é, geograficamente, maior que o Norte, foi aqui que o Poder político – desde os tempos mais recuados – preferiu viver, dando uma clara prevalência aos valores de aquém-Mondego sobre os da região que lhe fica por cima. O modo de falar a Língua Portuguesa é disso o testemunho mais notável.
Somos iguais, mas diferentes. Uma diversidade, felizmente, ainda visível. É, talvez, nessas distinções que poderemos encontrar o substracto da cultura portuguesa, aquilo que nos distingue como um todo dos restantes povos europeus e do mundo.
Estranha e paradoxalmente, os elementos que nos uniformizam internamente – os meios de comunicação de massas com especial relevo para a televisão – são os mesmos que nos podem destruir a personalidade no conjunto dos povos, porque, levada longe demais a acção uniformizadora tenderá a ultrapassar fronteiras e, qual maremoto, arrasar tudo por onde passa. Levará muitos anos, mas é para aí que a humanidade se encaminha.
O mais recente atentado à individualização dos povos e à da sua cultura arribou de uma maneira erudita, de uma forma aplaudida por muita gente: o acordo de Bolonha!
Sim, o acordo de Bolonha. Aquele que vai reduzir a duração dos cursos de licenciatura de quatro para três anos e possibilitar a circulação dos alunos entre universidades europeias. Em nome de um espaço político e económico, destruir-se-á um espaço de diversidade cultural. São as «catedrais do saber» e os seus «sacerdotes» quem alegremente embalam a massificação.
Defendamos o que ainda pode ser defendido.
Esta tem sido uma das perguntas que, de há vários anos a esta parte, se vem colocando aos intelectuais do nosso país. Hoje, mais do que nunca, num mundo no qual se procura uniformizar comportamentos tem grande fundamento a interrogação que expressei. E tem, porque toda a gente vai para as estâncias de férias da moda, veste-se segundo os padrões definidos pelos costureiros internacionais, usa o carro que é mais badalado, utiliza, até à exaustão, o idioma inglês, admira e copia, nos comportamentos, as individualidades mais na berra, enfim, numa só expressão, deixa-se condicionar pela máquina publicitária.
Sem procurar ser demasiado optimista, julgo que ainda são possíveis descobrir, aqui e além, traços da manifestação cultural, verdadeira e autónoma, dos Portugueses.
Claro que, quando me refiro à «cultura portuguesa», falo daquilo que os antropólogos definem como sendo tudo o que o Homem acrescenta à Natureza. É, afinal, o resultado da luta que vamos travando no local onde vivemos, trabalhamos e acabamos por morrer, contra todo o tipo de adversidades, ou como tal sentidas, que nos chegam de fora. Isso é «cultura». Cultura erudita é outra coisa; são as manifestações mais ou menos artísticas produzidas para deleite intelectual de quem as faz e gozo ou usufruto de quem as adquire ou simplesmente aprecia!
Aclarados conceitos, parece-me, posso concluir que, no fim das contas, a cultura é sempre o resultado de sucessivas misturas que se caldeiam ao longo dos anos, dos séculos e dos milénios, sendo nosso o que também já foi dos outros e adaptámos.
Do mesmo modo que o comum dos Portugueses quando se olha ao espelho poderia, com uns pequenos retoques, ser confundido com um Magrebino ou um Turco, também na nossa cultura (no sentido vulgar e no erudito) existem lampejos desses muçulmanos que durante mais de quinhentos anos estiveram na Península Ibérica e à qual chamavam sua. E cinco centúrias são qualquer coisa como o tempo que vem desde a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil à actualidade!
Brincam os nortenhos, chamando à gente do Sul de Portugal mouros. Eles também não podem eximir-se a essa herança! A diferença está em menos uma ou duas centenas de anos ou qualquer coisa que o valha. O baluarte galego-duriense terá consolidado a sua posição cristã entre o século IX e X, havendo antes estado sujeito à forte influência islâmica desde o século VIII.
Foi por ser centro de fixação de povos cristãos, vindos da Europa mais cedo, que o Norte de Portugal, precocemente, se «misturou» e descaracterizou da matriz mourisca. Mas como o Sul é, geograficamente, maior que o Norte, foi aqui que o Poder político – desde os tempos mais recuados – preferiu viver, dando uma clara prevalência aos valores de aquém-Mondego sobre os da região que lhe fica por cima. O modo de falar a Língua Portuguesa é disso o testemunho mais notável.
Somos iguais, mas diferentes. Uma diversidade, felizmente, ainda visível. É, talvez, nessas distinções que poderemos encontrar o substracto da cultura portuguesa, aquilo que nos distingue como um todo dos restantes povos europeus e do mundo.
Estranha e paradoxalmente, os elementos que nos uniformizam internamente – os meios de comunicação de massas com especial relevo para a televisão – são os mesmos que nos podem destruir a personalidade no conjunto dos povos, porque, levada longe demais a acção uniformizadora tenderá a ultrapassar fronteiras e, qual maremoto, arrasar tudo por onde passa. Levará muitos anos, mas é para aí que a humanidade se encaminha.
O mais recente atentado à individualização dos povos e à da sua cultura arribou de uma maneira erudita, de uma forma aplaudida por muita gente: o acordo de Bolonha!
Sim, o acordo de Bolonha. Aquele que vai reduzir a duração dos cursos de licenciatura de quatro para três anos e possibilitar a circulação dos alunos entre universidades europeias. Em nome de um espaço político e económico, destruir-se-á um espaço de diversidade cultural. São as «catedrais do saber» e os seus «sacerdotes» quem alegremente embalam a massificação.
Defendamos o que ainda pode ser defendido.
sábado, abril 22
Alguns problemas económicos
Hoje serei diversificado. Apontamentos curtos, mas incisivos.
Em 1973, quando houve a primeira grande subida de preço do petróleo, estava eu em Moçambique, mais concretamente colocado no Batalhão de Caçadores Pára-quedistas n.º 31 (BCP-31). Para mim, enquanto cidadão, foi só ligeiramente preocupante, pois, na altura, tinha um (saudoso) Fiat 600, consumindo gasolina normal e, acima de tudo, muitíssimo pouca. Contudo, para os vizinhos da, então, Rodésia, de Ian Smith, a questão assumiu proporções gravíssimas, visto dependerem do oleoduto da Beira por onde lhes chegava o abastecimento e a Armada britânica não haver reduzido, de forma notável, o bloqueio ao abastecimento. A atitude dos brancos e dos negros da Rodésia foi, aceitando o aconselhamento governamental, tudo fazerem para reduzir o consumo petrolífero. Nas rádios e na televisão ouvia-se, furiosamente repetido, o slogan «Don’t try Rhodesia dry». Havia consciência cívica da dependência do petróleo e de como evitar gastá-lo desnecessariamente.
Vem isto a propósito da notícia saída no Le Figaro de hoje, dia 22 de Abril. Com efeito, em França, 50% dos condutores reduziram a utilização das suas viaturas por causa do aumento de preço dos combustíveis. E por lá, os salários são bem mais elevados do que em Portugal! Aqui, basta olhar para a circulação automóvel na cidade de Lisboa e para as saídas em regime de mini-férias na semana da Páscoa, agora nesta do feriado de Abril e, muito provavelmente, para o que vai acontecer no primeiro dia de Maio.
Vivemos como se estivéssemos no mais rico país da Europa.
Qualquer coisa vai mal entre nós. A economia paralela está de muito boa saúde e os hábitos consumistas, adquiridos nos tempos do Governo Cavaco Silva, implantaram-se em absoluto. Curiosamente, o exemplo, mau, vem de onde não devia vir: dos deputados que fazem «ponte» e gazeta ao plenário da Assembleia da República, dos responsáveis municipais que mantém as iluminações nocturnas de todos os monumentos públicos, tal como se nadássemos em energia eléctrica barata e do próprio Governo que autoriza o funcionamento das televisões até altas horas da madrugada.
Nunca ninguém me ouviu ou ouvirá fazer a apologia do Estado Novo e dos seus governantes, contudo, nesse tempo o Poder político era coerente: em situação de crise não havia iluminações públicas no Natal, dos monumentos e a televisão encerrava os seus trabalhos antes da meia-noite.
Democracia não pode ser sinónimo de regabofe, de falta de fiscalização fiscal, de inconsciência e de ausência de civismo. Não se podem exigir sacrifícios a uns quantos e permitir o desbarato a outros.
Quando é que o Governo acorda para a verdadeira justiça social e para a equidade?
Segundo o jornal Le Monde, de 11 de Abril, em Washington, admite-se a hipótese de empregar armas nucleares tácticas no Irão, no caso de se desencadearem operações militares contra aquele país.
Pergunto-me: - para além de, com as acções militares no mundo, o Governo dos Estados Unidos procurar manter o nível de bem-estar económico da sua população, que futuro desejam os Americanos para o Médio Oriente? O caos? A desordem a todo e qualquer preço? A ruína da economia europeia? De certeza que o fim do terrorismo não o buscam, porque ele aumentou exponencialmente depois do ataque ao Iraque.
Atacar o Irão é desencadear, sem controlo, o ímpeto dos islâmicos mais radicais e - quem sabe? – o dos moderados, até porque toda a compreensão tem limites.
Vamos ver onde desemboca este desenrolar de acções e provocações mútuas.
Ontem, dia 21 de Abril, o mesmo jornal francês – Le Monde – fazia eco de notícias vindas de Espanha. Daquela Espanha que nós Portugueses tanto admiramos por ter conseguido um salto no desenvolvimento económico. E o que se dizia?
Pois bem, os economistas espanhóis estão a ficar preocupados porque o boom ou «milagre» económico do seu país, segundo eles, se deve ao crescimento da construção civil e à venda de habitações a preços concorrenciais. Todavia, com o aumento das taxas de juro no mercado financeiro europeu, a compra de casas vai ser fortemente afectada, levando a que a procura decresça e haja uma recessão interna com as consequências respectivas sobre toda a economia espanhola.
Os benefícios da liberalização têm um preço altíssimo: as crises cíclicas. Na busca de novas «aventuras» económicas os interessados na ampliação dos seus rendimentos esquecessem de estudar a História, a História do século XIX e do começo do século XX. Foi a ânsia de levar mais longe os lucros empresariais que se tornou responsável, em última análise, pelas duas guerras do século passado. Que os conselheiros dos decisores políticos das grandes potências tenham presente isso mesmo, é a nossa única esperança.
Em 1973, quando houve a primeira grande subida de preço do petróleo, estava eu em Moçambique, mais concretamente colocado no Batalhão de Caçadores Pára-quedistas n.º 31 (BCP-31). Para mim, enquanto cidadão, foi só ligeiramente preocupante, pois, na altura, tinha um (saudoso) Fiat 600, consumindo gasolina normal e, acima de tudo, muitíssimo pouca. Contudo, para os vizinhos da, então, Rodésia, de Ian Smith, a questão assumiu proporções gravíssimas, visto dependerem do oleoduto da Beira por onde lhes chegava o abastecimento e a Armada britânica não haver reduzido, de forma notável, o bloqueio ao abastecimento. A atitude dos brancos e dos negros da Rodésia foi, aceitando o aconselhamento governamental, tudo fazerem para reduzir o consumo petrolífero. Nas rádios e na televisão ouvia-se, furiosamente repetido, o slogan «Don’t try Rhodesia dry». Havia consciência cívica da dependência do petróleo e de como evitar gastá-lo desnecessariamente.
Vem isto a propósito da notícia saída no Le Figaro de hoje, dia 22 de Abril. Com efeito, em França, 50% dos condutores reduziram a utilização das suas viaturas por causa do aumento de preço dos combustíveis. E por lá, os salários são bem mais elevados do que em Portugal! Aqui, basta olhar para a circulação automóvel na cidade de Lisboa e para as saídas em regime de mini-férias na semana da Páscoa, agora nesta do feriado de Abril e, muito provavelmente, para o que vai acontecer no primeiro dia de Maio.
Vivemos como se estivéssemos no mais rico país da Europa.
Qualquer coisa vai mal entre nós. A economia paralela está de muito boa saúde e os hábitos consumistas, adquiridos nos tempos do Governo Cavaco Silva, implantaram-se em absoluto. Curiosamente, o exemplo, mau, vem de onde não devia vir: dos deputados que fazem «ponte» e gazeta ao plenário da Assembleia da República, dos responsáveis municipais que mantém as iluminações nocturnas de todos os monumentos públicos, tal como se nadássemos em energia eléctrica barata e do próprio Governo que autoriza o funcionamento das televisões até altas horas da madrugada.
Nunca ninguém me ouviu ou ouvirá fazer a apologia do Estado Novo e dos seus governantes, contudo, nesse tempo o Poder político era coerente: em situação de crise não havia iluminações públicas no Natal, dos monumentos e a televisão encerrava os seus trabalhos antes da meia-noite.
Democracia não pode ser sinónimo de regabofe, de falta de fiscalização fiscal, de inconsciência e de ausência de civismo. Não se podem exigir sacrifícios a uns quantos e permitir o desbarato a outros.
Quando é que o Governo acorda para a verdadeira justiça social e para a equidade?
Segundo o jornal Le Monde, de 11 de Abril, em Washington, admite-se a hipótese de empregar armas nucleares tácticas no Irão, no caso de se desencadearem operações militares contra aquele país.
Pergunto-me: - para além de, com as acções militares no mundo, o Governo dos Estados Unidos procurar manter o nível de bem-estar económico da sua população, que futuro desejam os Americanos para o Médio Oriente? O caos? A desordem a todo e qualquer preço? A ruína da economia europeia? De certeza que o fim do terrorismo não o buscam, porque ele aumentou exponencialmente depois do ataque ao Iraque.
Atacar o Irão é desencadear, sem controlo, o ímpeto dos islâmicos mais radicais e - quem sabe? – o dos moderados, até porque toda a compreensão tem limites.
Vamos ver onde desemboca este desenrolar de acções e provocações mútuas.
Ontem, dia 21 de Abril, o mesmo jornal francês – Le Monde – fazia eco de notícias vindas de Espanha. Daquela Espanha que nós Portugueses tanto admiramos por ter conseguido um salto no desenvolvimento económico. E o que se dizia?
Pois bem, os economistas espanhóis estão a ficar preocupados porque o boom ou «milagre» económico do seu país, segundo eles, se deve ao crescimento da construção civil e à venda de habitações a preços concorrenciais. Todavia, com o aumento das taxas de juro no mercado financeiro europeu, a compra de casas vai ser fortemente afectada, levando a que a procura decresça e haja uma recessão interna com as consequências respectivas sobre toda a economia espanhola.
Os benefícios da liberalização têm um preço altíssimo: as crises cíclicas. Na busca de novas «aventuras» económicas os interessados na ampliação dos seus rendimentos esquecessem de estudar a História, a História do século XIX e do começo do século XX. Foi a ânsia de levar mais longe os lucros empresariais que se tornou responsável, em última análise, pelas duas guerras do século passado. Que os conselheiros dos decisores políticos das grandes potências tenham presente isso mesmo, é a nossa única esperança.
domingo, abril 16
Ganharam... Até quando?
Os Franceses ganharam a batalha contra uma lei que deixava já mostrar as garras do neo-capitalismo afirmado e firmado internacionalmente. Foi uma luta dura, um braço de ferro feroz.
Ganharam... E agora? Será que o capitalismo, na sua máscara mais hedionda, vai desarmar? Julgo que não. Os Franceses conseguiram, simplesmente, adiar uma situação. Adiar não é resolver.
Ao analisar as ideologias políticas no mundo de hoje percebemos quanta falta faz aos trabalhadores a existência do bloco comunista. Não que eu partilhe do ideal marxista, mas como politólogo não posso deixar de compreender o desequilíbrio gerado com a falta de bipolarização que, durante cerca de cinquenta anos, gerou a possibilidade de se desenvolver uma esquerda interventora e plural que lutava contra as arremetidas do capitalismo peado pelo receio de ter de enfrentar militarmente o bloco de Leste.
Foi à sombra da existência desse equilíbrio que o chamado Terceiro Mundo se conteve numa espécie de neutralidade bipolar. O facto das grandes potências da época não se enfrentarem, mas, pelo contrário, usarem terceiros para medir possibilidades deu às forças da esquerda democrática não enfeudada a Moscovo a hipótese de desenvolver uma forma de reivindicação que veio a desembocar naquilo que se chamou social-democracia, ou seja, o Estado assumir-se como entidade protectora da sociedade e dos mais carenciados. E de tal forma esta ideologia socio-económica se implantou que, mesmo quando eram Governos de direita a assenhorear-se do Poder, ela subsistiu e manteve-se dentro de padrões considerados aceitáveis como modo de protecção social.
O desaparecimento do bloco comunista levou, por um lado, à desagregação ideológica do Terceiro Mundo, ficando a dar peso a alguns Estados até então com ele identificados o facto de serem grandes produtores de petróleo, e, por outro, enfraqueceu toda a capacidade reivindicativa da esquerda democrática. Esta, lentamente, foi tendo de pactuar com o avanço descarado do capitalismo globalizado e globalista. As mudanças de carácter económico que se operaram no mundo, em menos de quinze anos, consolidadas no poder do capital globalizador, não encontraram ainda uma esquerda capaz de fazer recuar esse mesmo capital imperial. Curiosamente, parece ter havido uma deslocação da luta política para um outro tipo de confronto que nos surge mais tido como religioso: o afrontamento entre os Estados ditos de matriz judaico-cristã e os de origem islâmica. O equivalente aos movimentos terroristas e radicais de esquerda que caracterizaram as décadas de 60 e 70 do século XX espelham-se hoje no fundamentalismo islâmico através da prática de um outro tipo de terrorismo, mais suicida do que aqueles outros. A par das reivindicações laborais, fruto do aumento incontrolado do desemprego, dos baixos salários praticados e da instabilidade laboral, as sociedades euro-asiáticas tendem para o confronto entre etnias, começando a esboçar-se problemas do âmbito xenófobo.
Parece que o empenhamento do capitalismo global só pode ser detido por um de dois processos: ou pela ruptura e confronto étnico-religioso ou pela reafirmação de uma ideologia de esquerda suficientemente credível que abarque em simultâneo as duas fontes de instabilidade (política e social). Curiosamente, tem sido a França o «laboratório» onde se têm ensaiado os diferentes tipos de conflitos.
Para quando uma nova doutrina política capaz de arregimentar as forças de oposição ao capital?
Ganharam... E agora? Será que o capitalismo, na sua máscara mais hedionda, vai desarmar? Julgo que não. Os Franceses conseguiram, simplesmente, adiar uma situação. Adiar não é resolver.
Ao analisar as ideologias políticas no mundo de hoje percebemos quanta falta faz aos trabalhadores a existência do bloco comunista. Não que eu partilhe do ideal marxista, mas como politólogo não posso deixar de compreender o desequilíbrio gerado com a falta de bipolarização que, durante cerca de cinquenta anos, gerou a possibilidade de se desenvolver uma esquerda interventora e plural que lutava contra as arremetidas do capitalismo peado pelo receio de ter de enfrentar militarmente o bloco de Leste.
Foi à sombra da existência desse equilíbrio que o chamado Terceiro Mundo se conteve numa espécie de neutralidade bipolar. O facto das grandes potências da época não se enfrentarem, mas, pelo contrário, usarem terceiros para medir possibilidades deu às forças da esquerda democrática não enfeudada a Moscovo a hipótese de desenvolver uma forma de reivindicação que veio a desembocar naquilo que se chamou social-democracia, ou seja, o Estado assumir-se como entidade protectora da sociedade e dos mais carenciados. E de tal forma esta ideologia socio-económica se implantou que, mesmo quando eram Governos de direita a assenhorear-se do Poder, ela subsistiu e manteve-se dentro de padrões considerados aceitáveis como modo de protecção social.
O desaparecimento do bloco comunista levou, por um lado, à desagregação ideológica do Terceiro Mundo, ficando a dar peso a alguns Estados até então com ele identificados o facto de serem grandes produtores de petróleo, e, por outro, enfraqueceu toda a capacidade reivindicativa da esquerda democrática. Esta, lentamente, foi tendo de pactuar com o avanço descarado do capitalismo globalizado e globalista. As mudanças de carácter económico que se operaram no mundo, em menos de quinze anos, consolidadas no poder do capital globalizador, não encontraram ainda uma esquerda capaz de fazer recuar esse mesmo capital imperial. Curiosamente, parece ter havido uma deslocação da luta política para um outro tipo de confronto que nos surge mais tido como religioso: o afrontamento entre os Estados ditos de matriz judaico-cristã e os de origem islâmica. O equivalente aos movimentos terroristas e radicais de esquerda que caracterizaram as décadas de 60 e 70 do século XX espelham-se hoje no fundamentalismo islâmico através da prática de um outro tipo de terrorismo, mais suicida do que aqueles outros. A par das reivindicações laborais, fruto do aumento incontrolado do desemprego, dos baixos salários praticados e da instabilidade laboral, as sociedades euro-asiáticas tendem para o confronto entre etnias, começando a esboçar-se problemas do âmbito xenófobo.
Parece que o empenhamento do capitalismo global só pode ser detido por um de dois processos: ou pela ruptura e confronto étnico-religioso ou pela reafirmação de uma ideologia de esquerda suficientemente credível que abarque em simultâneo as duas fontes de instabilidade (política e social). Curiosamente, tem sido a França o «laboratório» onde se têm ensaiado os diferentes tipos de conflitos.
Para quando uma nova doutrina política capaz de arregimentar as forças de oposição ao capital?
quarta-feira, abril 5
Eles comem tudo...
Foi em Maio, há trinta e oito anos. A Europa e, talvez uma grande parte do mundo, acompanhou com apreensão os acontecimentos em França. A juventude universitária, à qual se juntou a voz dos operários, reclamava, exigindo reformas profundas. Ficou célebre o slogan «Imaginação ao Poder». Depois da recuperação da 2.ª Guerra Mundial e da ocupação nazi, do desastre militar na Indochina, da guerra e retirada, a descontento de muitos, da Argélia e, depois, acima de tudo, do boom económico dos anos 50 do século XX, os Franceses — os jovens Franceses — queriam novas perspectivas de vida, emprego assegurado após a conclusão dos estudos. E tudo isto porque a França estava a atravessar um período que parecia favorável à implantação prática das ideias de uma esquerda política liberal e liberalizante.
Decorridos trinta e oito anos, caído o muro que envergonhava os Europeus, desfeito o sonho de um Estado socialista, afirmada a superioridade de uns Estados Unidos pacóvios apoiados e «nobilitados» por um entendimento com a Grã-Bretanha quase subserviente, vivendo um modelo novo de capitalismo velho, os jovens Franceses gritam ao mundo e aos seus governantes que não aceitam as regras de uma concorrência cega e, acima de tudo, injusta. A França revolucionária está a dar os primeiros passos para contraditar a viragem acelerada que o capital acéfalo, desnacionalizado e sustentado por uma produção que assenta em meros desejos e quimeras impostos aos consumidores por uma máquina publicitária implacável, lhe quer determinar e, também, a todos os povos do mundo.
Já não se trata de um afrontamento entre a Direita e Esquerda por causa de uma lei declaradamente favorável ao desenvolvimento de um capitalismo cada vez mais atrevido e impositivo. Um capitalismo globalizante capaz de determinar regras que até podem, à primeira vista, e numa perspectiva pontual, parecer quase justas, «normais», «convenientes». Mas o cidadão francês tem consciência política e vislumbra o alcance das propostas governamentais e onde elas vão desembocar, por isso, independentemente da simpatia partidária, quer garantir a justiça social. Só assim se justificam os milhões de manifestantes. A célebre lei, hoje já vulgarizada pela sigla CPE, é a garra do capitalismo brutal que se mostra. Um capitalismo que sacrifica tudo e todos à satisfação dos seus interesses.
Que Esquerda pode surgir deste braço de ferro que se trava no parlamento francês e nas ruas das maiores cidades de França? Eis a pergunta que, julgo, devemos deixar suspensa, porque logo outra se coloca com igual pertinência: haverá lugar a uma nova Esquerda? Uma Esquerda simultaneamente representativa das liberdades individuais e dos interesses colectivos? Capaz de perceber que a globalização contém em si mesma a exaustão dos recursos naturais, provocando a catástrofe ecológica já anunciada.
A França clama, neste momento, contra uma lei que desprotege a juventude, mas que mostra o esboço do hediondo monstro de um capital sem cabeças onde se possa atirar para matar. A França não quer pactuar com um futuro definido por uma globalização escravizante. E não quer, porque tem consciência de ser suficientemente rica para enfrentar o futuro dentro de um quadro de equilíbrio e justiça. Assim todos quantos se reclamam representantes da Esquerda tivessem a coragem de dizer: — Basta. É tempo de acabar com os predadores!
Decorridos trinta e oito anos, caído o muro que envergonhava os Europeus, desfeito o sonho de um Estado socialista, afirmada a superioridade de uns Estados Unidos pacóvios apoiados e «nobilitados» por um entendimento com a Grã-Bretanha quase subserviente, vivendo um modelo novo de capitalismo velho, os jovens Franceses gritam ao mundo e aos seus governantes que não aceitam as regras de uma concorrência cega e, acima de tudo, injusta. A França revolucionária está a dar os primeiros passos para contraditar a viragem acelerada que o capital acéfalo, desnacionalizado e sustentado por uma produção que assenta em meros desejos e quimeras impostos aos consumidores por uma máquina publicitária implacável, lhe quer determinar e, também, a todos os povos do mundo.
Já não se trata de um afrontamento entre a Direita e Esquerda por causa de uma lei declaradamente favorável ao desenvolvimento de um capitalismo cada vez mais atrevido e impositivo. Um capitalismo globalizante capaz de determinar regras que até podem, à primeira vista, e numa perspectiva pontual, parecer quase justas, «normais», «convenientes». Mas o cidadão francês tem consciência política e vislumbra o alcance das propostas governamentais e onde elas vão desembocar, por isso, independentemente da simpatia partidária, quer garantir a justiça social. Só assim se justificam os milhões de manifestantes. A célebre lei, hoje já vulgarizada pela sigla CPE, é a garra do capitalismo brutal que se mostra. Um capitalismo que sacrifica tudo e todos à satisfação dos seus interesses.
Que Esquerda pode surgir deste braço de ferro que se trava no parlamento francês e nas ruas das maiores cidades de França? Eis a pergunta que, julgo, devemos deixar suspensa, porque logo outra se coloca com igual pertinência: haverá lugar a uma nova Esquerda? Uma Esquerda simultaneamente representativa das liberdades individuais e dos interesses colectivos? Capaz de perceber que a globalização contém em si mesma a exaustão dos recursos naturais, provocando a catástrofe ecológica já anunciada.
A França clama, neste momento, contra uma lei que desprotege a juventude, mas que mostra o esboço do hediondo monstro de um capital sem cabeças onde se possa atirar para matar. A França não quer pactuar com um futuro definido por uma globalização escravizante. E não quer, porque tem consciência de ser suficientemente rica para enfrentar o futuro dentro de um quadro de equilíbrio e justiça. Assim todos quantos se reclamam representantes da Esquerda tivessem a coragem de dizer: — Basta. É tempo de acabar com os predadores!
sábado, março 18
Um Estado a abrir falência
Passou-se ontem em Lisboa. Foi um simpósio sobre Segurança Social, realizado na tentativa de buscar novas soluções para este problema.
O Governo deu todos os sinais de que o Estado português está em situação de abrir falência. Falência por não ter outra saída (o que eu não acredito) ou por ter enveredado pela via das afirmações fraudulentas.
Realmente, quando uma das propostas é a de serem as empresas a criarem os seus próprios fundos de reforma, segundo o jornal Correio da Manhã de hoje, «à semelhança dos bancários», isto quer dizer que o Estado não dá garantias de solvência dentro de poucos anos. Mas pior, é a rejeição do modelo de Estado-providência que tinha sido definido depois da Grande Depressão, nos Estados Unidos, no final dos anos 20 do século passado.
Como é possível governantes responsáveis apresentarem uma proposta desta natureza? Uma proposta onde à entidade patronal caberá uma comparticipação da ordem dos vinte por cento e aos empregados uma quota de um pouco mais de dez por cento dos salários de cada trabalhador, tudo isto contra benefícios de ordem fiscal favoráveis à empresa. Só pode ser brincadeira ou pura irresponsabilidade!
Então vai transferir-se para a pseudo idoneidade das empresas (logo, dos empresários) a garantia do futuro na velhice dos trabalhadores, sabendo-se que este é o segundo momento mais frágil da vida do Homem?! Isto só pode partir de cabeças ou eticamente mal formadas ou da mente de alguém que tem andado a dormir todos estes anos!
Num país onde a divida das empresas à Segurança Social nem está ainda completamente apurada, onde os empresários fazem mão baixa dos descontos dos trabalhadores e não contribuem com a sua quota parte para a reforma e outros benefícios de quem para eles labora, propor que sejam essas entidades a criar os seus próprios fundos de reforma, só pode ser entendida como uma piada de mau gosto!
Num país onde é permitida a deslocalização de grandes empresas as quais, de um dia para o outro, encerram as portas e despejam os trabalhadores na rua como se de lixo se tratasse, há um Governo que apresenta publicamente uma proposta como aquela que vem noticiada nos jornais de hoje!
Está tudo louco!
Estamos a cair no mais fundo buraco do liberalismo do século xix, com uma diferença fundamental: agora a solicitação ao consumo, em especial desnecessário, é imensa. Hoje toda a gente se deixou enredar nas malhas do mercado. Há países onde os trabalhadores, as famílias, estão permanentemente endividadas. Isto tornou-se um ciclo vicioso: trabalha-se para pagar os empréstimos que se contraem na compra da casa, do automóvel, do mobiliário, do vestuário, do computador, do telemóvel, das férias e viagens, da água, da luz, do telefone, enfim, de tudo.
Já alguém imaginou como seria se a totalidade dos trabalhadores, de um mês para o outro, deixasse de pagar as dívidas que contraiu e resolvesse comprar exclusivamente o que necessita para a sua sobrevivência diária? Em menos de meio anos instalava-se o caos neste planeta a que chamamos Terra. As empresas, as maiores e as mais pequenas, abriam falências em série, os despedimentos seriam absolutos a paralização aconteceria em curto lapso de tempo. E tudo isto porquê?
Porque estamos a viver acima dos rendimentos que auferimos garantidamente todos os meses; porque estamos em constante super produção; porque se aposta na obsolescência em tempo oportuno dos produtos fabricados para manter a máquina fabril em constante laboração. A economia e as necessidades estão sobredimensionados. Ora, o Governo português não é composto de tolos. Acabei de expor o essencial que qualquer político deve saber. Então, a pergunta que me não canso de fazer resume-se a uma frase: onde está a honestidade dos nossos governantes?
Portugal encontra-se à beira de falir e entrar em «liquidação total». Resta-nos que os credores — afinal todos nós e mais todos os estrangeiros financiadores deste estado de coisas — sejam capazes de se reunir em «assembleia» e tomar decisões sobre o futuro. Mas não passando por soluções fraudulentas como estas que os nossos governantes estão a tentar impingir-nos!
O Governo deu todos os sinais de que o Estado português está em situação de abrir falência. Falência por não ter outra saída (o que eu não acredito) ou por ter enveredado pela via das afirmações fraudulentas.
Realmente, quando uma das propostas é a de serem as empresas a criarem os seus próprios fundos de reforma, segundo o jornal Correio da Manhã de hoje, «à semelhança dos bancários», isto quer dizer que o Estado não dá garantias de solvência dentro de poucos anos. Mas pior, é a rejeição do modelo de Estado-providência que tinha sido definido depois da Grande Depressão, nos Estados Unidos, no final dos anos 20 do século passado.
Como é possível governantes responsáveis apresentarem uma proposta desta natureza? Uma proposta onde à entidade patronal caberá uma comparticipação da ordem dos vinte por cento e aos empregados uma quota de um pouco mais de dez por cento dos salários de cada trabalhador, tudo isto contra benefícios de ordem fiscal favoráveis à empresa. Só pode ser brincadeira ou pura irresponsabilidade!
Então vai transferir-se para a pseudo idoneidade das empresas (logo, dos empresários) a garantia do futuro na velhice dos trabalhadores, sabendo-se que este é o segundo momento mais frágil da vida do Homem?! Isto só pode partir de cabeças ou eticamente mal formadas ou da mente de alguém que tem andado a dormir todos estes anos!
Num país onde a divida das empresas à Segurança Social nem está ainda completamente apurada, onde os empresários fazem mão baixa dos descontos dos trabalhadores e não contribuem com a sua quota parte para a reforma e outros benefícios de quem para eles labora, propor que sejam essas entidades a criar os seus próprios fundos de reforma, só pode ser entendida como uma piada de mau gosto!
Num país onde é permitida a deslocalização de grandes empresas as quais, de um dia para o outro, encerram as portas e despejam os trabalhadores na rua como se de lixo se tratasse, há um Governo que apresenta publicamente uma proposta como aquela que vem noticiada nos jornais de hoje!
Está tudo louco!
Estamos a cair no mais fundo buraco do liberalismo do século xix, com uma diferença fundamental: agora a solicitação ao consumo, em especial desnecessário, é imensa. Hoje toda a gente se deixou enredar nas malhas do mercado. Há países onde os trabalhadores, as famílias, estão permanentemente endividadas. Isto tornou-se um ciclo vicioso: trabalha-se para pagar os empréstimos que se contraem na compra da casa, do automóvel, do mobiliário, do vestuário, do computador, do telemóvel, das férias e viagens, da água, da luz, do telefone, enfim, de tudo.
Já alguém imaginou como seria se a totalidade dos trabalhadores, de um mês para o outro, deixasse de pagar as dívidas que contraiu e resolvesse comprar exclusivamente o que necessita para a sua sobrevivência diária? Em menos de meio anos instalava-se o caos neste planeta a que chamamos Terra. As empresas, as maiores e as mais pequenas, abriam falências em série, os despedimentos seriam absolutos a paralização aconteceria em curto lapso de tempo. E tudo isto porquê?
Porque estamos a viver acima dos rendimentos que auferimos garantidamente todos os meses; porque estamos em constante super produção; porque se aposta na obsolescência em tempo oportuno dos produtos fabricados para manter a máquina fabril em constante laboração. A economia e as necessidades estão sobredimensionados. Ora, o Governo português não é composto de tolos. Acabei de expor o essencial que qualquer político deve saber. Então, a pergunta que me não canso de fazer resume-se a uma frase: onde está a honestidade dos nossos governantes?
Portugal encontra-se à beira de falir e entrar em «liquidação total». Resta-nos que os credores — afinal todos nós e mais todos os estrangeiros financiadores deste estado de coisas — sejam capazes de se reunir em «assembleia» e tomar decisões sobre o futuro. Mas não passando por soluções fraudulentas como estas que os nossos governantes estão a tentar impingir-nos!
Alguma coisa muda, efectivamente
Tenho de dar a mão à palmatória, como se diz na sabedoria popular, porque há bens poucos dias, neste mesmo local, afirmava, muito convicto, que nada ia mudar em Belém com a saída do Presidente Sampaio e a entrada de Cavaco Silva. Ora, alguma coisa mudou já e para pior.
Mudou, mostrando o lado revanchista da direita a ocupar a mais alta magistratura da Nação. Mudou o sentido de equilíbrio e equidade do Conselho de Estado através dos elementos escolhidos pelo Presidente da República. Com efeito, tendo o CDS/PP sido o partido menos votado nas últimas eleições e, por conseguinte o de menor representação parlamentar entre os quatro tradicionais há cerca de trinta anos — PS, PSD, PCP e CDS — eis que Cavaco Silva, retira da sua lista de conselheiros o representante do PCP e inclui um do CDS/PP. Com esta simples manobra e por força da distribuição feita no âmbito da Assembleia da República, o Partido Comunista deixa de ter assento no órgão consultivo da Presidência da República.
Uma tal atitude não teria significado relevante se o Governo estivesse a adoptar e a prosseguir uma política com forte pendor de esquerda, que não está, ou se o Presidente da República fosse proveniente de uma área política de matiz de esquerda, que não é. Assim sendo, as escolhas de Cavaco Silva mostram uma tendência de viragem à direita para acelerarem o neo-liberalismo de Sócrates.
Vamos ver quais vão ser as próximas movimentações do «homem que veio de Boliqueime» para presidir à República!
Mudou, mostrando o lado revanchista da direita a ocupar a mais alta magistratura da Nação. Mudou o sentido de equilíbrio e equidade do Conselho de Estado através dos elementos escolhidos pelo Presidente da República. Com efeito, tendo o CDS/PP sido o partido menos votado nas últimas eleições e, por conseguinte o de menor representação parlamentar entre os quatro tradicionais há cerca de trinta anos — PS, PSD, PCP e CDS — eis que Cavaco Silva, retira da sua lista de conselheiros o representante do PCP e inclui um do CDS/PP. Com esta simples manobra e por força da distribuição feita no âmbito da Assembleia da República, o Partido Comunista deixa de ter assento no órgão consultivo da Presidência da República.
Uma tal atitude não teria significado relevante se o Governo estivesse a adoptar e a prosseguir uma política com forte pendor de esquerda, que não está, ou se o Presidente da República fosse proveniente de uma área política de matiz de esquerda, que não é. Assim sendo, as escolhas de Cavaco Silva mostram uma tendência de viragem à direita para acelerarem o neo-liberalismo de Sócrates.
Vamos ver quais vão ser as próximas movimentações do «homem que veio de Boliqueime» para presidir à República!
segunda-feira, março 6
Nada muda, efectivamente
Faltam poucos dias para que Jorge Sampaio faça entrega das suas funções de Presidente da República a Cavaco Silva.
Alguns Portugueses perguntam-se o que vai mudar em Belém. Pois, na minha opinião, para além da cor de alguns cortinados nas janelas e um ou outro pormenor, tudo, do mais importante, ficará na mesma. Por enquanto, o estilo vai ser semelhante ao anterior. E, passados um ou dois anos, tudo se manterá. Porquê?
Porque o Presidente da República, em Portugal, não governa. Limita-se a tentar influenciar quem o faz. Ora, a influência de uma governação mais à direita, de momento, não é possível nem conveniente e «puxar» para a esquerda não está nos ânimos do futuro Presidente. Por isso, tudo ficará como até aqui.
A «tranquilização» económica que se admitiu, durante a campanha eleitoral, iria ser posta em prática por Cavaco Silva foi «milho aos pombos»! Ou seja, foi um processo de juntar o que andava disperso e conseguir o número desejado de eleitores. A entrada de Portugal na área do Euro fez fugir ao controle da banca nacional, em especial do Banco central, a execução de políticas financeiras que poderiam alterar o rumo dos acontecimentos económicos. Quanto mais o país se precipita na incapacidade de sobrelevar a crise, cavando mais fundo o deficit orçamental (por adopção de políticas fiscais que atrofiam as políticas económicas), mais dependente está da evolução europeia. Entrámos numa espiral invertida cuja travagem não se vislumbra possível no curto nem no médio prazo. As fortunas pessoais não são produtivas nacionalmente e como o que imperou nos dez anos de Governo Cavaco Silva foi o enriquecimento pessoal ao invés do nacional, o tecido produtivo está a esboroar-se continuamente por falta de uma política proteccionista que não pode ser efectivada dadas as regras definidas por Bruxelas. O que ontem não se acautelou, hoje está perdido.
Portugal cada vez mais é menos dos Portugueses e os Portugueses cada vez mais são menos de Portugal. E quanto mais o Estado se dilui e se desfaz do desempenho de um papel activo na economia (como interventor e corrector dos desvios que prejudicam os Portugueses), menos a solução da crise está na sede do Governo nacional. A solução não fica à deriva; vão ser os grandes interesses estrangeiros quem a controlará, mas isso não quer dizer que o façam no sentido de um melhor trem de vida dos e para os Portugueses.
A única solução visível é o aumento do egoísmo (que, por definição, é sempre individual!). Salve-se quem puder, porque os velhos, os inválidos e os desempregados, dependentes do Estado por terem acreditado no sistema de segurança social que norteou as nossas vidas durante os últimos anos do regime fascista e a primeira década após 25 de Abril, porque esses estão perdidos! Cada vez mais o Estado vai tentar descartar-se dos encargos sociais que tinha assumido honestamente com os cidadãos. O Estado tem de ser, na conjuntura actual, uma pessoa desonesta e credora de pouca confiança. Estamos a voltar aos tempos da consolidação do Liberalismo, depois da vitória de D. Pedro iv, em 1834, com a agravante de que a maioria de nós, classe média, já não é agricultora e de que a agricultura já não é salvação para ninguém. Agora somos todos verdadeiros proletários que, de nosso, só possuímos a força de trabalho para vender pelo mais baixo preço.
Ao que nós chegámos!
Alguns Portugueses perguntam-se o que vai mudar em Belém. Pois, na minha opinião, para além da cor de alguns cortinados nas janelas e um ou outro pormenor, tudo, do mais importante, ficará na mesma. Por enquanto, o estilo vai ser semelhante ao anterior. E, passados um ou dois anos, tudo se manterá. Porquê?
Porque o Presidente da República, em Portugal, não governa. Limita-se a tentar influenciar quem o faz. Ora, a influência de uma governação mais à direita, de momento, não é possível nem conveniente e «puxar» para a esquerda não está nos ânimos do futuro Presidente. Por isso, tudo ficará como até aqui.
A «tranquilização» económica que se admitiu, durante a campanha eleitoral, iria ser posta em prática por Cavaco Silva foi «milho aos pombos»! Ou seja, foi um processo de juntar o que andava disperso e conseguir o número desejado de eleitores. A entrada de Portugal na área do Euro fez fugir ao controle da banca nacional, em especial do Banco central, a execução de políticas financeiras que poderiam alterar o rumo dos acontecimentos económicos. Quanto mais o país se precipita na incapacidade de sobrelevar a crise, cavando mais fundo o deficit orçamental (por adopção de políticas fiscais que atrofiam as políticas económicas), mais dependente está da evolução europeia. Entrámos numa espiral invertida cuja travagem não se vislumbra possível no curto nem no médio prazo. As fortunas pessoais não são produtivas nacionalmente e como o que imperou nos dez anos de Governo Cavaco Silva foi o enriquecimento pessoal ao invés do nacional, o tecido produtivo está a esboroar-se continuamente por falta de uma política proteccionista que não pode ser efectivada dadas as regras definidas por Bruxelas. O que ontem não se acautelou, hoje está perdido.
Portugal cada vez mais é menos dos Portugueses e os Portugueses cada vez mais são menos de Portugal. E quanto mais o Estado se dilui e se desfaz do desempenho de um papel activo na economia (como interventor e corrector dos desvios que prejudicam os Portugueses), menos a solução da crise está na sede do Governo nacional. A solução não fica à deriva; vão ser os grandes interesses estrangeiros quem a controlará, mas isso não quer dizer que o façam no sentido de um melhor trem de vida dos e para os Portugueses.
A única solução visível é o aumento do egoísmo (que, por definição, é sempre individual!). Salve-se quem puder, porque os velhos, os inválidos e os desempregados, dependentes do Estado por terem acreditado no sistema de segurança social que norteou as nossas vidas durante os últimos anos do regime fascista e a primeira década após 25 de Abril, porque esses estão perdidos! Cada vez mais o Estado vai tentar descartar-se dos encargos sociais que tinha assumido honestamente com os cidadãos. O Estado tem de ser, na conjuntura actual, uma pessoa desonesta e credora de pouca confiança. Estamos a voltar aos tempos da consolidação do Liberalismo, depois da vitória de D. Pedro iv, em 1834, com a agravante de que a maioria de nós, classe média, já não é agricultora e de que a agricultura já não é salvação para ninguém. Agora somos todos verdadeiros proletários que, de nosso, só possuímos a força de trabalho para vender pelo mais baixo preço.
Ao que nós chegámos!
sábado, fevereiro 18
É a loucura ou o fim?
Este país está, como qualquer velho navio de madeira, a abrir brechas por todo o lado e já não há bomba escoadora que o salve de flutuar com água até à amurada.
Então não é que o ministro da Saúde anunciou que o utente vai passar a pagar, pelo menos, metade dos gastos hospitalares, de internamento e restantes alcavalas? Claro que, por pressão do gabinete do primeiro-ministro, ao fim da tarde, já metia os pés pelas mãos e quase dava o dito por não dito.
Todos os recuos neste domínio são perdas de regalias sociais inadmissíveis e que nos empurram, de novo, para os anos 40 do século passado. Com efeito, as gerações mais novas já não se lembram, mas, na altura, para se conseguir internamento nos hospitais civis, ser tratado (mal) em enfermarias imensas, por pessoal desumanizado pelo exercício de uma profissão que tinha respaldo para atitudes despóticas no próprio Governo, era necessário recorrer a uma declaração da Junta de Freguesia na qual se atestava a pobreza ou indigência do doente. É para isto que caminhamos? É para situações deste tipo que nos leva o progresso tecnológico?
O mal do desgoverno no Ministério da Saúde é a ausência de mão forte sobre os administradores hospitalares, responsabilizando-os pecuniária e criminalmente pelos excessos de verbas, pelos desvios de material, pelo malbaratar dos dinheiros. Seja a mão bem pesada sobre a cabeça do mais responsável e dê-se-lhe a possibilidade de ele usar igual peso sobre as cabeças que da sua autoridade dependem. O sistema endireita-se de imediato. Naturalmente que, «enquanto a culpa morrer solteira» neste país de opereta, todos os desmandos vão ser possíveis, recaindo, no pobre contribuinte e utente, o encargo de continuar a alimentar uma máquina de irresponsabilidades e de irresponsáveis.
Para quem esteja já a imaginar-me a fazer a apologia de um sistema político «musculado», do tipo ditatorial, desiluda-se. Eu preconizo responsabilidade e responsabilização com um sistema judicial célere e expedito dentro do respeito das normas democráticas e do exercício das liberdades respectivas.
Se acuso o Governo de desgovernar é porque, ainda há dias, vi uma notícia assaz curiosa na comparação com as declarações do ministro da Saúde.
Então não é que os presidentes das Juntas de Freguesia se acham mal pagos e querem aumentos de salário?!!
Em primeiro lugar, isto dá bem a noção de como andamos todos ao Deus dará, uns, pedindo aumentos e, outro, anunciando cortes. O que faz o primeiro-ministro e o seu gabinete de apoio? Onde está a coordenação que deve existir? Onde podemos encontrar a linha estratégica que deve orientar todos, desde Sócrates até ao mais insignificante representante do Poder local? Como dizia, com muita graça, um meu Amigo, há muitos anos, «se o país fosse uma orquestra, cada figura tocava a música que sabia». E, realmente, «cada um toca o que sabe» e a desafinação é total.
Mas a verdade é que mil quinhentos e cinquenta presidentes de Junta de Freguesia se preparam para reivindicar o pagamento de 750 euros mensais, mais ajudas de custo para deslocações. Curioso é que estes autarcas já recebem, por trabalho a meio tempo, uma média de 500 euros por mês. Assim se está a formar uma classe política profissional que, em nome da «dignificação da função», se vai sentando à mesa do orçamento. Claro que, para pagar estas pequenas mordomias, a políticos e influentes locais, têm de se fazer restrições nos orçamentos de actividades fundamentais como seja a Saúde e a assistência na doença a quem dela precisa pelo desempenho de funções – esses sim – que carecem de ser dignificadas.
Então não é que o ministro da Saúde anunciou que o utente vai passar a pagar, pelo menos, metade dos gastos hospitalares, de internamento e restantes alcavalas? Claro que, por pressão do gabinete do primeiro-ministro, ao fim da tarde, já metia os pés pelas mãos e quase dava o dito por não dito.
Todos os recuos neste domínio são perdas de regalias sociais inadmissíveis e que nos empurram, de novo, para os anos 40 do século passado. Com efeito, as gerações mais novas já não se lembram, mas, na altura, para se conseguir internamento nos hospitais civis, ser tratado (mal) em enfermarias imensas, por pessoal desumanizado pelo exercício de uma profissão que tinha respaldo para atitudes despóticas no próprio Governo, era necessário recorrer a uma declaração da Junta de Freguesia na qual se atestava a pobreza ou indigência do doente. É para isto que caminhamos? É para situações deste tipo que nos leva o progresso tecnológico?
O mal do desgoverno no Ministério da Saúde é a ausência de mão forte sobre os administradores hospitalares, responsabilizando-os pecuniária e criminalmente pelos excessos de verbas, pelos desvios de material, pelo malbaratar dos dinheiros. Seja a mão bem pesada sobre a cabeça do mais responsável e dê-se-lhe a possibilidade de ele usar igual peso sobre as cabeças que da sua autoridade dependem. O sistema endireita-se de imediato. Naturalmente que, «enquanto a culpa morrer solteira» neste país de opereta, todos os desmandos vão ser possíveis, recaindo, no pobre contribuinte e utente, o encargo de continuar a alimentar uma máquina de irresponsabilidades e de irresponsáveis.
Para quem esteja já a imaginar-me a fazer a apologia de um sistema político «musculado», do tipo ditatorial, desiluda-se. Eu preconizo responsabilidade e responsabilização com um sistema judicial célere e expedito dentro do respeito das normas democráticas e do exercício das liberdades respectivas.
Se acuso o Governo de desgovernar é porque, ainda há dias, vi uma notícia assaz curiosa na comparação com as declarações do ministro da Saúde.
Então não é que os presidentes das Juntas de Freguesia se acham mal pagos e querem aumentos de salário?!!
Em primeiro lugar, isto dá bem a noção de como andamos todos ao Deus dará, uns, pedindo aumentos e, outro, anunciando cortes. O que faz o primeiro-ministro e o seu gabinete de apoio? Onde está a coordenação que deve existir? Onde podemos encontrar a linha estratégica que deve orientar todos, desde Sócrates até ao mais insignificante representante do Poder local? Como dizia, com muita graça, um meu Amigo, há muitos anos, «se o país fosse uma orquestra, cada figura tocava a música que sabia». E, realmente, «cada um toca o que sabe» e a desafinação é total.
Mas a verdade é que mil quinhentos e cinquenta presidentes de Junta de Freguesia se preparam para reivindicar o pagamento de 750 euros mensais, mais ajudas de custo para deslocações. Curioso é que estes autarcas já recebem, por trabalho a meio tempo, uma média de 500 euros por mês. Assim se está a formar uma classe política profissional que, em nome da «dignificação da função», se vai sentando à mesa do orçamento. Claro que, para pagar estas pequenas mordomias, a políticos e influentes locais, têm de se fazer restrições nos orçamentos de actividades fundamentais como seja a Saúde e a assistência na doença a quem dela precisa pelo desempenho de funções – esses sim – que carecem de ser dignificadas.
segunda-feira, fevereiro 13
Não tarda, ela está aí...
A gripe das aves cada vez está, geograficamente, mais próxima de Portugal. Faltará pouco para que chegue até nós!
Nos jornais estrangeiros (espanhóis, franceses, italianos e britânicos), aos quais todos os dias dou uma vista de olhos, as notícias sobre a gripe das aves vêm na primeira página. Nos nossos, quase reina o silêncio.
Ter-se-ão tomado todas as previdências neste país de improvisadores? Ou só estamos a viver de «fachada», tal como com os incêndios das florestas?
Com o Sistema Nacional de Saúde degradado e com as privatizações dos estabelecimentos hospitalares, será que a resposta a uma epidemia vai ser a mais apropriada?
Desculpem-me os poderes públicos e sanitários deste país, mas não acredito! Não acredito nas afirmações que proferem, porque em situações de crises virais graves, os hospitais não sabem como proceder ou, sabendo, não procedem por falta de meios ou de pessoal. Aliás, entre nós, raramente se fazem simulações de catástrofes para se testarem os meios envolvidos. É o resultado da tão badalada capacidade de improviso. Da qual até fazemos gala!
Alguém já ouviu falar da simulação de queda de um avião na zona da cidade universitária? Da simulação de falência da ponte «25 de Abril»? Do treino sobre o descarrilamento de um comboio algures entre Lisboa e o Porto? Da evacuação de feridos, em caso de terramoto numa das nossas grandes cidades? Será que estão identificados os bairros onde se poderão verificar mais derrocadas? Tudo isto é protecção civil. Protecção civil que, no nosso país, conta muito com os favores da providência divina. Queira Deus que nesse dia, se o houver, ela não esteja distraída!
É tempo de preparar o futuro, para que depois não se chore por falta de previsão. Pessoalmente gostava de poder acreditar nos responsáveis...
Nos jornais estrangeiros (espanhóis, franceses, italianos e britânicos), aos quais todos os dias dou uma vista de olhos, as notícias sobre a gripe das aves vêm na primeira página. Nos nossos, quase reina o silêncio.
Ter-se-ão tomado todas as previdências neste país de improvisadores? Ou só estamos a viver de «fachada», tal como com os incêndios das florestas?
Com o Sistema Nacional de Saúde degradado e com as privatizações dos estabelecimentos hospitalares, será que a resposta a uma epidemia vai ser a mais apropriada?
Desculpem-me os poderes públicos e sanitários deste país, mas não acredito! Não acredito nas afirmações que proferem, porque em situações de crises virais graves, os hospitais não sabem como proceder ou, sabendo, não procedem por falta de meios ou de pessoal. Aliás, entre nós, raramente se fazem simulações de catástrofes para se testarem os meios envolvidos. É o resultado da tão badalada capacidade de improviso. Da qual até fazemos gala!
Alguém já ouviu falar da simulação de queda de um avião na zona da cidade universitária? Da simulação de falência da ponte «25 de Abril»? Do treino sobre o descarrilamento de um comboio algures entre Lisboa e o Porto? Da evacuação de feridos, em caso de terramoto numa das nossas grandes cidades? Será que estão identificados os bairros onde se poderão verificar mais derrocadas? Tudo isto é protecção civil. Protecção civil que, no nosso país, conta muito com os favores da providência divina. Queira Deus que nesse dia, se o houver, ela não esteja distraída!
É tempo de preparar o futuro, para que depois não se chore por falta de previsão. Pessoalmente gostava de poder acreditar nos responsáveis...
sexta-feira, fevereiro 10
As caricaturas da discórdia
Não vou adiantar muito ao muito que se tem dito sobre este tema. Contudo, não lhe posso ficar indiferente.
Não julguem os meus leitores que desejo repetir argumentos já estafados. Não. Tentarei ser original.
Assim, tanta culpa têm os países e órgãos de imprensa que publicaram e publicitaram as caricaturas como os povos islâmicos que semearam a desordem em nome de uma ofensa à sua fé. Todos são culpados! E são-no pelo simples facto de todos querem impor a «sua» razão aos outros. Na Europa e no mundo não islâmico, mas democrático, reclama-se o direito que resulta da liberdade de expressão; no mundo muçulmano, reclama-se, porque a mais elementar sensibilidade deveria respeitar a religião e os povos crentes em Alá. No fundo, são duas vontades que se opõem em nome de valores diferentes e, por isso, irreconciliáveis. Irreconciliáveis por falta de tolerância, por excesso de fanatismo nos valores em que dizem acreditar.
O fanatismo de ambas as partes quase resulta em obscurantismo. É que, mesmo em democracia e vivendo no mais amplo dos sistemas de liberdade, pode cair-se no obscurantismo quando se leva a liberdade ao ponto de não aceitar as diferenças no outro. Julga-se, então, ter a liberdade de agredir a liberdade de quem pensa ou age de modo diverso do nosso.
O que, afinal, está em causa e resulta em pomo de discórdia são duas culturas, duas atitudes perante a Vida que se batem pela suas crenças. Só compreendendo isto é que se pode entender e resolver o diferendo. Cabe ao lado mais inteligente, mais apto para a abertura, tomar iniciativas. E o lado que em melhor posição está de o fazer é a Europa democrática.
Evidentemente, não se coloca como modo de solucionar o problema instituir uma auto-censura na nossa cultura. Não se trata disso. Deve-se procurar agir com inteligência, porque a História está cheia de guerras cuja única explicação passa pela incapacidade de transigir perante diferenças meramente culturais. Foi o caso de tantos conflitos religiosos!
A primeira coisa a fazer é perguntar:
- O que é que se adiantou, publicando as caricaturas que tanto impacto causaram no mundo muçulmano? Em rigor, absolutamente nada! Fez-se uma afirmação de uma coisa que já se sabia: na Europa há liberdade de expressão e, mesmo assim, isto ainda é discutível (mas demos de barato esse facto).
- Valia a pena fazer essa afirmação, tendo consciência de que se ia provocar uma reacção adversa numa cultura que não entende os valores da nossa? É evidente que não. Não se ia ganhar mais nada e só se acirravam ódios que já estavam ao rubro.
Assim sendo, e assumindo que a ponderação e a sensatez falam mais alto do que os seus contrários, o acto praticado foi estúpido, por falho de inteligência. O nosso Povo diz, e tem razão, «Não é com vinagre que se apanham moscas».
Importante, neste momento é esquecer o triste acontecimento e evitar que situações desta natureza se repitam, porque se a cultura ocidental é mais esclarecida que a islâmica – eu diria, simplesmente é diferente - vale a pena demonstrá-lo na prática. Tudo o mais é desenvolver violência gratuita e sem finalidade.
Não julguem os meus leitores que desejo repetir argumentos já estafados. Não. Tentarei ser original.
Assim, tanta culpa têm os países e órgãos de imprensa que publicaram e publicitaram as caricaturas como os povos islâmicos que semearam a desordem em nome de uma ofensa à sua fé. Todos são culpados! E são-no pelo simples facto de todos querem impor a «sua» razão aos outros. Na Europa e no mundo não islâmico, mas democrático, reclama-se o direito que resulta da liberdade de expressão; no mundo muçulmano, reclama-se, porque a mais elementar sensibilidade deveria respeitar a religião e os povos crentes em Alá. No fundo, são duas vontades que se opõem em nome de valores diferentes e, por isso, irreconciliáveis. Irreconciliáveis por falta de tolerância, por excesso de fanatismo nos valores em que dizem acreditar.
O fanatismo de ambas as partes quase resulta em obscurantismo. É que, mesmo em democracia e vivendo no mais amplo dos sistemas de liberdade, pode cair-se no obscurantismo quando se leva a liberdade ao ponto de não aceitar as diferenças no outro. Julga-se, então, ter a liberdade de agredir a liberdade de quem pensa ou age de modo diverso do nosso.
O que, afinal, está em causa e resulta em pomo de discórdia são duas culturas, duas atitudes perante a Vida que se batem pela suas crenças. Só compreendendo isto é que se pode entender e resolver o diferendo. Cabe ao lado mais inteligente, mais apto para a abertura, tomar iniciativas. E o lado que em melhor posição está de o fazer é a Europa democrática.
Evidentemente, não se coloca como modo de solucionar o problema instituir uma auto-censura na nossa cultura. Não se trata disso. Deve-se procurar agir com inteligência, porque a História está cheia de guerras cuja única explicação passa pela incapacidade de transigir perante diferenças meramente culturais. Foi o caso de tantos conflitos religiosos!
A primeira coisa a fazer é perguntar:
- O que é que se adiantou, publicando as caricaturas que tanto impacto causaram no mundo muçulmano? Em rigor, absolutamente nada! Fez-se uma afirmação de uma coisa que já se sabia: na Europa há liberdade de expressão e, mesmo assim, isto ainda é discutível (mas demos de barato esse facto).
- Valia a pena fazer essa afirmação, tendo consciência de que se ia provocar uma reacção adversa numa cultura que não entende os valores da nossa? É evidente que não. Não se ia ganhar mais nada e só se acirravam ódios que já estavam ao rubro.
Assim sendo, e assumindo que a ponderação e a sensatez falam mais alto do que os seus contrários, o acto praticado foi estúpido, por falho de inteligência. O nosso Povo diz, e tem razão, «Não é com vinagre que se apanham moscas».
Importante, neste momento é esquecer o triste acontecimento e evitar que situações desta natureza se repitam, porque se a cultura ocidental é mais esclarecida que a islâmica – eu diria, simplesmente é diferente - vale a pena demonstrá-lo na prática. Tudo o mais é desenvolver violência gratuita e sem finalidade.
segunda-feira, janeiro 23
E agora?
Por 50,59% Cavaco Silva ganhou as eleições para a Presidência da República contra uma abstenção de 37,39% dos inscritos nos cadernos eleitorais. Ou seja, Cavaco Silva teve, nas urnas, 2,7 milhões de portugueses a votarem nele e 3,3 milhões a absterem-se de participar no acto de ontem.
Indubitavelmente, o grande derrotado do dia foi Mário Soares. Se para Cavaco a vitória não se traduziu num «passeio na Avenida da Liberdade» - porque não o foi, comparado com os 71% que Soares já tinha conseguido noutros tempos – os pouco mais de 14% do antigo presidente acabaram sendo uma rotunda derrota que lhe quebrou o encanto que possuía junto dos Portugueses. Mas cada votação interpreta-se de maneira diferente!
Os 50,59% de Cavaco Silva não são, como se pretende dar a entender, a direita em Belém, porque foi junto da massa que vota, habitualmente no PS, em momentos de indecisão, que o novo presidente eleito encontrou a diferença para a alcançar a maioria; se o Partido Socialista não fosse Governo, os resultados (mesmo com a cisão Alegre) teriam sido outros. A penalização de Sócrates beneficiou Cavaco. Daí terem havido comentadores, e até candidatos, que chamaram a atenção para o facto de o Governo ter tomado medidas legislativas anti-populares que pareciam ir ao encontro do voto no adversário de Mário Soares. Terá sido uma jogada maquiavelicamente pensada? A convivência institucional de Sócrates com Cavaco poderá ser bem mais agradável do que seria com Manuel Alegre, caso este tivesse vencido uma segunda volta que não houve.
Os 20,7% de Manuel Alegre são o grito de revolta contra os partidos e, em especial, contra o PS de José Sócrates. Mais do que o voto num candidato, são a ideia de que pode haver política para além e para cima dos partidos políticos; pelo menos, para além destes partidos que conduziram o país ao caos em que se encontra, à situação de último Estado da União Europeia. Trata-se de um número que vai engrossar com o tempo. Com o tempo e como fruto da política neo-liberal apostada em seguir-se, sem apelo nem agravo. Trata-se do primeiro indicador de uma situação evolutiva – tanto em Portugal, como no mundo – que se traduzirá pela necessidade de se encontrarem novas formas de representação reivindicativas perante o Poder. No fundo, é a busca de outras ideologias que substituam as já gastas e estafadas por mais de dois séculos de uso.
Já os 14% de Mário Soares não passam da nostalgia de um Portugal que foi e não torna a ser nunca mais. O esforço hercúleo que o antigo presidente fez, tanto físico como psíquico, para mostrar a força de uma juventude depois dos 80 anos – esforço que lhe estava estampado no rosto aquando do discurso de despedida – foi o equivalente a uma passagem de modelos desactualizados e invendáveis. Soares não trouxe nada de recente, de moderno, de actual à sua campanha. Usou dos mesmos «passes de magia» que o celebrizaram noutros combates, nada mais. A grande derrota era previsível. Tristemente previsível, porque nos entristece sempre ver um grande Senhor ter de «sair em braços» de um recinto para onde não devia ter entrado.
Os restantes candidatos, para além de Jerónimo de Sousa, que conseguiu dar um «rosto humano» à parte visível do Partido Comunista, representaram um papel que faz parte do que ainda se entende por democracia participativa. Nada mais.
E agora?
Agora, depois de 9 de Março, vamos assistir a um presidente da República com vocação de primeiro ministro a exercer uma magistratura de influência cujos limites serão definidos pela concordância comum ou pelo conflito latente. Não acredito que Cavaco Silva vá mais longe do que isso mesmo!
Indubitavelmente, o grande derrotado do dia foi Mário Soares. Se para Cavaco a vitória não se traduziu num «passeio na Avenida da Liberdade» - porque não o foi, comparado com os 71% que Soares já tinha conseguido noutros tempos – os pouco mais de 14% do antigo presidente acabaram sendo uma rotunda derrota que lhe quebrou o encanto que possuía junto dos Portugueses. Mas cada votação interpreta-se de maneira diferente!
Os 50,59% de Cavaco Silva não são, como se pretende dar a entender, a direita em Belém, porque foi junto da massa que vota, habitualmente no PS, em momentos de indecisão, que o novo presidente eleito encontrou a diferença para a alcançar a maioria; se o Partido Socialista não fosse Governo, os resultados (mesmo com a cisão Alegre) teriam sido outros. A penalização de Sócrates beneficiou Cavaco. Daí terem havido comentadores, e até candidatos, que chamaram a atenção para o facto de o Governo ter tomado medidas legislativas anti-populares que pareciam ir ao encontro do voto no adversário de Mário Soares. Terá sido uma jogada maquiavelicamente pensada? A convivência institucional de Sócrates com Cavaco poderá ser bem mais agradável do que seria com Manuel Alegre, caso este tivesse vencido uma segunda volta que não houve.
Os 20,7% de Manuel Alegre são o grito de revolta contra os partidos e, em especial, contra o PS de José Sócrates. Mais do que o voto num candidato, são a ideia de que pode haver política para além e para cima dos partidos políticos; pelo menos, para além destes partidos que conduziram o país ao caos em que se encontra, à situação de último Estado da União Europeia. Trata-se de um número que vai engrossar com o tempo. Com o tempo e como fruto da política neo-liberal apostada em seguir-se, sem apelo nem agravo. Trata-se do primeiro indicador de uma situação evolutiva – tanto em Portugal, como no mundo – que se traduzirá pela necessidade de se encontrarem novas formas de representação reivindicativas perante o Poder. No fundo, é a busca de outras ideologias que substituam as já gastas e estafadas por mais de dois séculos de uso.
Já os 14% de Mário Soares não passam da nostalgia de um Portugal que foi e não torna a ser nunca mais. O esforço hercúleo que o antigo presidente fez, tanto físico como psíquico, para mostrar a força de uma juventude depois dos 80 anos – esforço que lhe estava estampado no rosto aquando do discurso de despedida – foi o equivalente a uma passagem de modelos desactualizados e invendáveis. Soares não trouxe nada de recente, de moderno, de actual à sua campanha. Usou dos mesmos «passes de magia» que o celebrizaram noutros combates, nada mais. A grande derrota era previsível. Tristemente previsível, porque nos entristece sempre ver um grande Senhor ter de «sair em braços» de um recinto para onde não devia ter entrado.
Os restantes candidatos, para além de Jerónimo de Sousa, que conseguiu dar um «rosto humano» à parte visível do Partido Comunista, representaram um papel que faz parte do que ainda se entende por democracia participativa. Nada mais.
E agora?
Agora, depois de 9 de Março, vamos assistir a um presidente da República com vocação de primeiro ministro a exercer uma magistratura de influência cujos limites serão definidos pela concordância comum ou pelo conflito latente. Não acredito que Cavaco Silva vá mais longe do que isso mesmo!
sábado, dezembro 31
Prognóstico presidencial ou uma análise social?
No início do mês tentei classificar os candidatos presidenciais como se fossem lutadores de um qualquer jogo de boxe. Na altura olhei para Cavaco Silva sem saber onde situá-lo e, por isso, medi somente a hipótese de como seria olhado por Mário Soares. Passaram trinta dias. Houve debates televisivos. Não me enganei na táctica de Soares, mas não previ a de Cavaco.
O candidato oriundo do Algarve não fez jus à sua origem... Falou pouco. Deixou-se condicionar pela bateria de assessores que, tê-lo-ão aconselhado a compor um sorriso lisaíaco (neologismo da minha autoria com origem no célebre retrato de Da Vinci) de modo a, enigmaticamente, conseguir a maioria na primeira volta, única forma de sair vencedor na corrida presidencial.
Cavaco Silva tem vindo a aparecer, assim, como um possível «salvador da Pátria», tentando colar a si próprio uma imagem que se balanceia entre a de um Salazar do século XXI, casado, com filhos e netos, democrático – até ao limite do conveniente -, mas acima de tudo, um técnico naquilo que faz falta em Portugal - gestão financeira e económica - e a de um general Eanes, sério, parco de palavras, parecendo de pensamento profundo e movimentos estudados para evitar o desconchavo momentâneo.
Está claro que, para o grande público, esta imagem vende bem e passa uma mensagem de segurança. Todavia, acontecerá o mesmo entre os grupos mais atentos da e na política nacional? Tenho sérias dúvidas.
Cavaco tem de combater com a inesperada e quase inexplicável simpatia de um Jerónimo de Sousa que, na sua máxima simplicidade, mostra um comunismo de rosto humano, equilibrado, compreensivo, tolerante, ausente de arrogância. Jerónimo não vai fazer sombra a Cavaco. Lá isso não vai. Mas capta muitos indecisos que não darão o seu voto a Soares ou a Alegre.
Cavaco tem de combater com a lógica e a rapidez de raciocínio de Louçã; com a modernidade do seu discurso, com a actualidade dos seus conhecimentos, com a simpatia de um irmão – mais novo ou mais velho, conforme a faixa etária de eleitores e simpatizantes do candidato do Bloco de Esquerda. É um homem que apetece convidar para jantar e com ele discutir amenamente os problemas do país e do mundo. Com Cavaco nem uma bica se tomava, tal a aspereza que dele emana; fica-se com a certeza de nos ir dar uma chata lição de economia e pouco mais. Mas, tal como acontece com Jerónimo de Sousa, não é Louçã quem vai roubar a Presidência a Cavaco Silva.
Restam Alegre e Soares. O primeiro tem feito um discurso de coerência, de respeitabilidade, de ponderação e cautela se alcançar a Presidência. No entanto, não apresenta mais do que a imagem de um Presidente constitucionalmente correcto. Falta-lhe transmitir a de domínio do alto cargo a que se propõe. Acredita-se no Homem, nas suas ideias e em pouco mais. É como um acto de fé. Alegre está para os grupos sociais politicamente esclarecidos como Cavaco para os não esclarecidos. Contudo, Mário Soares é diferente.
Mário Soares denota já o peso dos anos, o desgaste de muitas lutas, mas, talvez, porque está a travar o seu último combate não se importa de usar toda a artilharia que a experiência lhe colocou no arsenal. Não se importa de ferir as regras do jogo definido pelos entrevistadores; de fazer mais uma inimizade entre um grande e velho amigo de combates políticos de outros tempos; de não cumprir a promessa que fez na véspera; de pôr a nu toda a inexperiência dos outros dois candidatos que o preocupam – Alegre e Cavaco; de insinuar o pouco apreço com que na União Europeia se olha para o candidato apoiado pela direita – táctica que fez estalar o verniz de Vasco Graça Moura.
Não se está a travar um duelo de gigantes, porque, efectivamente, o gigante político é só um: Mário Soares. Trava-se um duelo em que o gigante tem de lutar contra a ignorância política de uma grande massa social do país e contra o último projecto quase quixotesco de uma esquerda plural, socialista e saudosa dos cravos de um Abril que se esfumou na última esquina do tempo. Vamos ver quem vence.
O candidato oriundo do Algarve não fez jus à sua origem... Falou pouco. Deixou-se condicionar pela bateria de assessores que, tê-lo-ão aconselhado a compor um sorriso lisaíaco (neologismo da minha autoria com origem no célebre retrato de Da Vinci) de modo a, enigmaticamente, conseguir a maioria na primeira volta, única forma de sair vencedor na corrida presidencial.
Cavaco Silva tem vindo a aparecer, assim, como um possível «salvador da Pátria», tentando colar a si próprio uma imagem que se balanceia entre a de um Salazar do século XXI, casado, com filhos e netos, democrático – até ao limite do conveniente -, mas acima de tudo, um técnico naquilo que faz falta em Portugal - gestão financeira e económica - e a de um general Eanes, sério, parco de palavras, parecendo de pensamento profundo e movimentos estudados para evitar o desconchavo momentâneo.
Está claro que, para o grande público, esta imagem vende bem e passa uma mensagem de segurança. Todavia, acontecerá o mesmo entre os grupos mais atentos da e na política nacional? Tenho sérias dúvidas.
Cavaco tem de combater com a inesperada e quase inexplicável simpatia de um Jerónimo de Sousa que, na sua máxima simplicidade, mostra um comunismo de rosto humano, equilibrado, compreensivo, tolerante, ausente de arrogância. Jerónimo não vai fazer sombra a Cavaco. Lá isso não vai. Mas capta muitos indecisos que não darão o seu voto a Soares ou a Alegre.
Cavaco tem de combater com a lógica e a rapidez de raciocínio de Louçã; com a modernidade do seu discurso, com a actualidade dos seus conhecimentos, com a simpatia de um irmão – mais novo ou mais velho, conforme a faixa etária de eleitores e simpatizantes do candidato do Bloco de Esquerda. É um homem que apetece convidar para jantar e com ele discutir amenamente os problemas do país e do mundo. Com Cavaco nem uma bica se tomava, tal a aspereza que dele emana; fica-se com a certeza de nos ir dar uma chata lição de economia e pouco mais. Mas, tal como acontece com Jerónimo de Sousa, não é Louçã quem vai roubar a Presidência a Cavaco Silva.
Restam Alegre e Soares. O primeiro tem feito um discurso de coerência, de respeitabilidade, de ponderação e cautela se alcançar a Presidência. No entanto, não apresenta mais do que a imagem de um Presidente constitucionalmente correcto. Falta-lhe transmitir a de domínio do alto cargo a que se propõe. Acredita-se no Homem, nas suas ideias e em pouco mais. É como um acto de fé. Alegre está para os grupos sociais politicamente esclarecidos como Cavaco para os não esclarecidos. Contudo, Mário Soares é diferente.
Mário Soares denota já o peso dos anos, o desgaste de muitas lutas, mas, talvez, porque está a travar o seu último combate não se importa de usar toda a artilharia que a experiência lhe colocou no arsenal. Não se importa de ferir as regras do jogo definido pelos entrevistadores; de fazer mais uma inimizade entre um grande e velho amigo de combates políticos de outros tempos; de não cumprir a promessa que fez na véspera; de pôr a nu toda a inexperiência dos outros dois candidatos que o preocupam – Alegre e Cavaco; de insinuar o pouco apreço com que na União Europeia se olha para o candidato apoiado pela direita – táctica que fez estalar o verniz de Vasco Graça Moura.
Não se está a travar um duelo de gigantes, porque, efectivamente, o gigante político é só um: Mário Soares. Trava-se um duelo em que o gigante tem de lutar contra a ignorância política de uma grande massa social do país e contra o último projecto quase quixotesco de uma esquerda plural, socialista e saudosa dos cravos de um Abril que se esfumou na última esquina do tempo. Vamos ver quem vence.
quinta-feira, dezembro 1
As eleições presidenciais
Cavaco Silva vai iniciar oficialmente a campanha para a candidatura à Presidência da República na Madeira. Estranha forma de o fazer! Exactamente a Madeira onde é voz corrente e facto concretizado haver um deficit democrático. Quererá, subliminarmente, Cavaco Silva transmitir alguma mensagem ao eleitorado?
Na corrida à Presidência está um peso pesado – Mário Soares – peso médio – Manuel Alegre – e vários pesos leves – de Louçã a Jerónimo de Sousa. Para mim, a questão coloca-se em como devo classificar Cavaco Silva.
Para muita gente ele é, sem sombra de dúvida, um peso pesado, tão pesado que pode derrubar Mário Soares logo à primeira volta. Ora, a verdade não é esta e Mário Soares sabe-o bem. Sabe, porque o conheceu como primeiro-ministro e com ele terá tido os seus desaguisados institucionais. É com esses trunfos que o antigo Presidente da República conta para disparar na devida altura. O seu tão famoso instinto político ditará o momento. Eis, então, o motivo da minha dúvida, porque Cavaco Silva não é o que parece e, não sendo, nas mãos de Mário Soares transformar-se-á num mero peso médio, leve ou, até, pluma.
É vulgar – e eu próprio penso assim – apontar-se a Mário Soares o desgaste de dez anos de Presidência, mas dez anos nos quais também contabilizou a admiração e o respeito dos Portugueses pela isenção de comportamento, deixando governar quem as eleições tinham imposto ao país e a ele próprio. Esta última é uma imagem que Soares poderá destruir sujeitando-se a um confronto evitável. Este é o raciocínio lógico e coerente, prudente até. Todavia, em política – e a eleição para a Presidência da República é sem sobra de dúvida o acto mais político do conjunto para o qual se convida os cidadãos a participar – nem sempre se procede com lógica, nem coerência e, menos ainda, com prudência. O instinto faz os grandes políticos. Assim, para os dez anos de Presidência de Mário Soares devemos levar em conta os dez de grande desgaste de Cavaco Silva. Desgaste que ele quis fazer esquecer noutros dez de silêncio. Desgaste por desgaste, o de Cavaco é bem maior que o de Soares. E este sabe-o muito bem.
No Governo de Cavaco Silva a Comunidade Europeia despejou apoios financeiros traduzidos por milhões e milhões de contos mensalmente que, sem qualquer tipo de estratégia pensada para a efectivação de uma mudança estrutural no país, se desbarataram ou, pior, nem foram gastos por falta de projectos. Dez anos de despesismo incontrolado do qual ficaram, visíveis, bem visíveis, as autoestradas, o Centro Cultural de Belém, as grandes fortunas pessoais nascidas do nada e pouco mais. A aposta estratégica de Cavaco assentou, tal como a de Fontes Pereira de Melo, cerca de cem anos antes, na abertura de vias de comunicação (agora, automóveis; ontem, ferroviárias) que, julgavam ambos, iriam provocar o desenvolvimento industrial. Erraram. A Fontes ainda se pode perdoar por ter sido o primeiro; a Cavaco nem isso. A rede de autoestradas deveria ter sido construída no tempo de Salazar; se não foi, já não era prioritária, porque prioritário teria sido fazer a aposta nos caminhos-de-ferro, cuja circulação, para efeitos de desenvolvimento económico nacional, era essencial. As autoestradas serviram pequenos interesses nacionais e grandes interesses internacionais (a Comunidade queria, também, despejar os seus produtos no mercado português); uma boa rede ferroviária de via dupla, electrificada, corresponderia à circulação de quantos autocarros, automóveis ligeiros e camiões TIR? Quantas barragens teriam de ter sido construídas para ampliar a produção de electricidade nacional? Que descentralização industrial imporia? Como se inverteria o processo de desertificação humana do interior?
Depois de concluído um plano deste tipo, então poder-se-ia pensar nas autoestradas principais e na ampla melhoria das estradas secundárias. Mas, como está evidente, a conservação das autoestradas é mais cara e mais constante do que a de uma boa rede ferroviária e favorece a ampliação do parque automóvel garantindo receitas fiscais de várias maneiras.
Julgo que deixei debuxada a linha de ataque que Soares poderá usar contra Cavaco Silva, mostrando aos Portugueses que ele governou ao sabor de interesses económicos contrário aos interesses de todos os Portugueses, gerando a rampa para o buraco onde os sucessivos Governos resvalaram por falta de visão estratégica inicial. Soares isenta-se de culpa, porque invocará sempre a impossibilidade de exercer mais do que uma política de influência junto do Governo.
Mas ainda agora se estão a preparar os andores chegaram ao adro da igreja; a procissão começará dentro de dias. Por isso, mais tarde voltarei ao assunto.
Na corrida à Presidência está um peso pesado – Mário Soares – peso médio – Manuel Alegre – e vários pesos leves – de Louçã a Jerónimo de Sousa. Para mim, a questão coloca-se em como devo classificar Cavaco Silva.
Para muita gente ele é, sem sombra de dúvida, um peso pesado, tão pesado que pode derrubar Mário Soares logo à primeira volta. Ora, a verdade não é esta e Mário Soares sabe-o bem. Sabe, porque o conheceu como primeiro-ministro e com ele terá tido os seus desaguisados institucionais. É com esses trunfos que o antigo Presidente da República conta para disparar na devida altura. O seu tão famoso instinto político ditará o momento. Eis, então, o motivo da minha dúvida, porque Cavaco Silva não é o que parece e, não sendo, nas mãos de Mário Soares transformar-se-á num mero peso médio, leve ou, até, pluma.
É vulgar – e eu próprio penso assim – apontar-se a Mário Soares o desgaste de dez anos de Presidência, mas dez anos nos quais também contabilizou a admiração e o respeito dos Portugueses pela isenção de comportamento, deixando governar quem as eleições tinham imposto ao país e a ele próprio. Esta última é uma imagem que Soares poderá destruir sujeitando-se a um confronto evitável. Este é o raciocínio lógico e coerente, prudente até. Todavia, em política – e a eleição para a Presidência da República é sem sobra de dúvida o acto mais político do conjunto para o qual se convida os cidadãos a participar – nem sempre se procede com lógica, nem coerência e, menos ainda, com prudência. O instinto faz os grandes políticos. Assim, para os dez anos de Presidência de Mário Soares devemos levar em conta os dez de grande desgaste de Cavaco Silva. Desgaste que ele quis fazer esquecer noutros dez de silêncio. Desgaste por desgaste, o de Cavaco é bem maior que o de Soares. E este sabe-o muito bem.
No Governo de Cavaco Silva a Comunidade Europeia despejou apoios financeiros traduzidos por milhões e milhões de contos mensalmente que, sem qualquer tipo de estratégia pensada para a efectivação de uma mudança estrutural no país, se desbarataram ou, pior, nem foram gastos por falta de projectos. Dez anos de despesismo incontrolado do qual ficaram, visíveis, bem visíveis, as autoestradas, o Centro Cultural de Belém, as grandes fortunas pessoais nascidas do nada e pouco mais. A aposta estratégica de Cavaco assentou, tal como a de Fontes Pereira de Melo, cerca de cem anos antes, na abertura de vias de comunicação (agora, automóveis; ontem, ferroviárias) que, julgavam ambos, iriam provocar o desenvolvimento industrial. Erraram. A Fontes ainda se pode perdoar por ter sido o primeiro; a Cavaco nem isso. A rede de autoestradas deveria ter sido construída no tempo de Salazar; se não foi, já não era prioritária, porque prioritário teria sido fazer a aposta nos caminhos-de-ferro, cuja circulação, para efeitos de desenvolvimento económico nacional, era essencial. As autoestradas serviram pequenos interesses nacionais e grandes interesses internacionais (a Comunidade queria, também, despejar os seus produtos no mercado português); uma boa rede ferroviária de via dupla, electrificada, corresponderia à circulação de quantos autocarros, automóveis ligeiros e camiões TIR? Quantas barragens teriam de ter sido construídas para ampliar a produção de electricidade nacional? Que descentralização industrial imporia? Como se inverteria o processo de desertificação humana do interior?
Depois de concluído um plano deste tipo, então poder-se-ia pensar nas autoestradas principais e na ampla melhoria das estradas secundárias. Mas, como está evidente, a conservação das autoestradas é mais cara e mais constante do que a de uma boa rede ferroviária e favorece a ampliação do parque automóvel garantindo receitas fiscais de várias maneiras.
Julgo que deixei debuxada a linha de ataque que Soares poderá usar contra Cavaco Silva, mostrando aos Portugueses que ele governou ao sabor de interesses económicos contrário aos interesses de todos os Portugueses, gerando a rampa para o buraco onde os sucessivos Governos resvalaram por falta de visão estratégica inicial. Soares isenta-se de culpa, porque invocará sempre a impossibilidade de exercer mais do que uma política de influência junto do Governo.
Mas ainda agora se estão a preparar os andores chegaram ao adro da igreja; a procissão começará dentro de dias. Por isso, mais tarde voltarei ao assunto.
sexta-feira, novembro 11
Olhando a Europa... Só para pensar
Nós, os europeus, quisemos fazer da Europa uma unidade política com jurisdição própria, órgãos de soberania assumidos. Quisemos uma moeda única, um mercado único. Desejamos políticas únicas. Mas continuamos a olharmo-nos como Estados separados, como nações, povos e culturas distintos.
Realmente, o que tem um Sueco de comum com um Português? Somente o facto de ser europeu. No resto, andámos sempre muito distantes. Mas queremos uma União Europeia, isso queremos.
Pois é, como é que os Africanos, os Islâmicos e os restantes povos do mundo hão-de olhar para nós? Como nações distintas e com idiossincrasias diferenciadas ou como um bloco único? É que, como na «santa» ignorância popular portuguesa se diz, não se pode querer sol na eira e chuva no nabal.
As atitudes dos Franceses, dos Alemães, Belgas e Holandeses sobre as suas comunidades étnicas oriundas de outros continentes têm de reflectir-se nos restantes Estados da União de forma semelhante. Por isso somos olhados como uma União.
Ora, acontece que, mesmo dentro da dita União, os trabalhadores originários de Estados europeus são vistos e tratados de modo diferente... Um Português na Irlanda é um trabalhador «estrangeiro»!
Dá para perguntar: — Que União é esta? Não existirá só União na cabeça de uns quantos iluminados, nos bolsos de outros tantos gananciosos e no imaginário dos povos não europeus?
Temos tema para pensar!
Realmente, o que tem um Sueco de comum com um Português? Somente o facto de ser europeu. No resto, andámos sempre muito distantes. Mas queremos uma União Europeia, isso queremos.
Pois é, como é que os Africanos, os Islâmicos e os restantes povos do mundo hão-de olhar para nós? Como nações distintas e com idiossincrasias diferenciadas ou como um bloco único? É que, como na «santa» ignorância popular portuguesa se diz, não se pode querer sol na eira e chuva no nabal.
As atitudes dos Franceses, dos Alemães, Belgas e Holandeses sobre as suas comunidades étnicas oriundas de outros continentes têm de reflectir-se nos restantes Estados da União de forma semelhante. Por isso somos olhados como uma União.
Ora, acontece que, mesmo dentro da dita União, os trabalhadores originários de Estados europeus são vistos e tratados de modo diferente... Um Português na Irlanda é um trabalhador «estrangeiro»!
Dá para perguntar: — Que União é esta? Não existirá só União na cabeça de uns quantos iluminados, nos bolsos de outros tantos gananciosos e no imaginário dos povos não europeus?
Temos tema para pensar!
terça-feira, novembro 8
Declaração de calamidade
Há tempos, falando com um amigo meu, proprietário agrícola no Alentejo, tomei conhecimento de uma particularidade assaz curiosa que não resisto a compartilhar com os meus leitores.
As companhias de seguros têm produtos, como lhe chamam na gíria comercial, destinados a cobrir uma série de catástrofes possíveis de ocorrer no desenvolvimento da actividade agrícola: a geada, o granizo, os nevões, as inundações por excesso de pluviosidade, a seca, o fogo, as pragas, etc. Cada um escolhe a linha de produtos que mais lhe convém e da qual julga poder vir a ser vítima no ano ou no ciclo produtivo. Naturalmente, os prémios de seguros deste tipo não são económicos, como, aliás, nenhum seguro é acessível em Portugal.
Aparentemente o pagamento da indemnização ao segurado deve acontecer como nas nossas casas: faz-se prova perante a companhia da ocorrência do motivo que desencadeia o processo e esta liquida a importância devida. Só que no sector agrícola as coisas não se passam do mesmo modo. Quem declara a existência de calamidade no domínio da agricultura é o Governo e só em face dessa condição é que os lesados recebem a indemnização correspondente ao prémio pago. Quer dizer, o segurado não controla o mecanismo que lhe pode garantir o reembolso parcelar das perdas que teve.
Ora, no ano agrícola que findou no Alentejo, em Junho/Julho do corrente ano, foi notícia e é do domínio público a tremenda seca que assolou o Sul de Portugal (podemos mesmo dizer, quase todo o país). Pois bem, o Governo recusou-se a declarar o estado de calamidade por falta de água. Assim, saíram beneficiadas as companhias seguradoras (que, em geral andam associadas a grupos financeiros que dominam a banca) e altamente prejudicados os agricultores.
Não vou entrar em mais pormenores. São desnecessários. Ficam as perguntas: o Governo é pessoa de bem? Quem está a beneficiar quem? O Governo, eleito como consequência dos votos dos Portugueses, da maioria dos Portugueses, está a defender os interesses de quem? Qual a legitimidade que assiste ao Governo para pedir sacrifícios aos Portugueses em geral e, em particular, aos que servem o Estado?
Se o meu amigo não me mentiu, o assalto à mão armada deixou de ser só um acto criminoso e exclusivo de marginais, porque com eles alinham aqueles que nos governam, governando-se.
As companhias de seguros têm produtos, como lhe chamam na gíria comercial, destinados a cobrir uma série de catástrofes possíveis de ocorrer no desenvolvimento da actividade agrícola: a geada, o granizo, os nevões, as inundações por excesso de pluviosidade, a seca, o fogo, as pragas, etc. Cada um escolhe a linha de produtos que mais lhe convém e da qual julga poder vir a ser vítima no ano ou no ciclo produtivo. Naturalmente, os prémios de seguros deste tipo não são económicos, como, aliás, nenhum seguro é acessível em Portugal.
Aparentemente o pagamento da indemnização ao segurado deve acontecer como nas nossas casas: faz-se prova perante a companhia da ocorrência do motivo que desencadeia o processo e esta liquida a importância devida. Só que no sector agrícola as coisas não se passam do mesmo modo. Quem declara a existência de calamidade no domínio da agricultura é o Governo e só em face dessa condição é que os lesados recebem a indemnização correspondente ao prémio pago. Quer dizer, o segurado não controla o mecanismo que lhe pode garantir o reembolso parcelar das perdas que teve.
Ora, no ano agrícola que findou no Alentejo, em Junho/Julho do corrente ano, foi notícia e é do domínio público a tremenda seca que assolou o Sul de Portugal (podemos mesmo dizer, quase todo o país). Pois bem, o Governo recusou-se a declarar o estado de calamidade por falta de água. Assim, saíram beneficiadas as companhias seguradoras (que, em geral andam associadas a grupos financeiros que dominam a banca) e altamente prejudicados os agricultores.
Não vou entrar em mais pormenores. São desnecessários. Ficam as perguntas: o Governo é pessoa de bem? Quem está a beneficiar quem? O Governo, eleito como consequência dos votos dos Portugueses, da maioria dos Portugueses, está a defender os interesses de quem? Qual a legitimidade que assiste ao Governo para pedir sacrifícios aos Portugueses em geral e, em particular, aos que servem o Estado?
Se o meu amigo não me mentiu, o assalto à mão armada deixou de ser só um acto criminoso e exclusivo de marginais, porque com eles alinham aqueles que nos governam, governando-se.
terça-feira, novembro 1
De novo a despesa pública
Já há muitos anos que estou afastado dos mecanismos financeiros do Estado e da respectiva Administração, mas a notícia vinda a público no dia 1 de Novembro, informando os Portugueses de mais uma incapacidade do Governo controlar a despesa pública, quando fez subir as receitas entradas nos cofres nacionais no mesmo período em análise, somando-a a uma outra, mais antiga, onde se dava conta da intenção de criar, junto de cada Ministério, um organismo controlador da execução orçamental, proporciona a matéria para o apontamento que se segue.
Se se tivesse de fazer uma fila de cidadãos para condenar na praça pública o Estado Novo eu queria disputar o primeiro lugar, sabendo, contudo, que não me seria atribuído; não interessa. Importante é que, ditaduras nunca mais! Todavia, esta minha preocupação não invalida, nem me incapacita de perceber as raras virtudes do anterior regime político português. E uma que possuía e da qual fazia bandeira era a de saber controlar o saldo do Orçamento Geral do Estado. A mão de ferro de Salazar começou a fazer sentir-se por aí, e aí se manteve pelo menos até 1968. Na verdade, junto dos Ministérios havia uma delegação da Direcção-Geral da Contabilidade Pública que mensalmente controlava a execução do Orçamento Geral do Estado, controlando os saques de verbas através das chamadas «requisições de fundos» que permitiam levantar a massa financeira necessária à gestão dos diferentes organismos. Os gastos seriam, mais tarde, justificados perante o Tribunal de Contas assacando-se a responsabilidade dos excessos a quem tinha determinado o descontrolo. Mas uma coisa era certa: dinheiro para pagar despesas não comportadas na receita não havia! Não havendo, a entidade onde ocorrera o excesso tornava-se devedora e única responsável junto dos fornecedores que teriam de esperar pela resolução administrativa da dívida. Isto dava origem à elaboração de um processo de anos económicos findos que tinha de ser convenientemente justificado. Concluído este, e aceite a justificação, era atribuída à entidade devedora a verba excedida. Se injustificada a despesa (caso raro e só admissível por gestão danosa) a responsabilidade recaía imediatamente sobre o agente que a havia determinado, passando a ser pecuniariamente obrigado a ressarcir o Estado do valor excedido.
Salazar, através da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, havia «estendido» o seu braço até ao mais distante e insignificante serviço do Estado, porque, em última análise, competia aos gestores financeiros a derradeira palavra sobre a legalidade e possibilidade de execução de uma despesa. Assim se evitava o descontrolo. Sobre este «edifício» simples havia, depois, toda uma teia de processos burocráticos que limitavam os desmandos. Claro que, para conseguir «montar» o sistema passou-se por um processo também ele muito simples: o da elaboração das propostas orçamentais.
Todas as rubricas do orçamento de cada organismo estatal tinham de ser justificadas, muito especialmente, as que surgiam aumentadas em relação ao ano anterior. Mas isto não era suficiente, porque o Ministério das Finanças, na fase de elaboração final do orçamento, usualmente, mandava cortar percentagens nas rubricas onde a despesa se previa exagerada, vindo a reflectir-se esta acção até aos mais baixos escalões.
Era ditatorial este sistema de administração e gestão dos dinheiros públicos? Em si mesmo, não era. Pelo contrário, deixava transparecer um extraordinário respeito pelos impostos arrecadados pelo Estado e, em última instância, pelos contribuintes. Acima de tudo, era um modelo responsável. A ditadura existia noutros sectores que tinham reflexos no financeiro, nomeadamente, na falta de liberdade de expressão para denunciar os casos de injustiça social a que o modelo dava origem. Aí residia a perversidade de um sistema de gestão virtuoso em si mesmo.
Estou a antever a pergunta no meu leitor. E nos casos em que é imprevisível a despesa, tal como, por exemplo, no domínio da saúde pública? Aí funcionou, em especial durante o consolado de Marcello Caetano, a conjugação de dois vectores: a estatística, tomando como base a despesa efectiva dos anos anteriores e a sobre-orçamentação com possibilidade de criação de «reservas estratégicas» que se iam buscar a rubricas onde se sabia poder gastar-se menos, dando lugar a transferências de verbas que, no final do ano se acertavam.
O que falhou nestes transcorridos 30 anos?
Antes do mais, a autoridade para limitar os aumentos de despesa incontrolada, permitindo-se que cada Ministério entrasse em quase auto-gestão; depois, a irresponsabilização dos agentes autores dos descontroles e dos gastos não justificados; por fim, a abundância de meios financeiros geradora de ilusões despesistas sempre tendencialmente apontando para a ampliação de injustiças sociais as quais «empurram», como forma compensatória, para novas injustiças através de mais despesas.
Os compadrios políticos, que, entre nós, têm sido o lado perverso da democracia, impedem a adopção de medidas rigorosas de contenção orçamental, visto que, «tapando» de um lado, «destapam» do outro e, então, aqui d’el-rei, que estamos a ser injustiçados... e estamos, pois ou se corta para todos ou não se corta!
Alguém já identificou que a vantagem inicial de Salazar foi ter vindo de Coimbra, da universidade, ser um provinciano e, por acumulação de tudo isto, não estar dependente de compadrios nem arranjos políticos. Pode «cortar a direito», fazendo, a partir de 1928, aquilo que se julgava, em 28 de Maio de 1926, as Forças Armadas seriam capazes de fazer.
Não quero nem um «novo» Salazar, nem um «28 de Maio», mas Portugal e os Portugueses precisam de quem «rebente» com a «política de compadrio» - cuja expressão mais acabada e visível está nos «boys», na banca e nos empreiteiros -, através da prática de uma «política de seriedade» sem demagogias, nem mentiras. A «ditadura» de uma maioria partidária – tal como no passado, com Cavaco Silva, foi negativamente «boa» para implementar o descontrolo e o compadrio – pode ser óptima para resolver situações orçamentais e sociais que se apresentam distorcidas. Importante é que se queira.
Se se tivesse de fazer uma fila de cidadãos para condenar na praça pública o Estado Novo eu queria disputar o primeiro lugar, sabendo, contudo, que não me seria atribuído; não interessa. Importante é que, ditaduras nunca mais! Todavia, esta minha preocupação não invalida, nem me incapacita de perceber as raras virtudes do anterior regime político português. E uma que possuía e da qual fazia bandeira era a de saber controlar o saldo do Orçamento Geral do Estado. A mão de ferro de Salazar começou a fazer sentir-se por aí, e aí se manteve pelo menos até 1968. Na verdade, junto dos Ministérios havia uma delegação da Direcção-Geral da Contabilidade Pública que mensalmente controlava a execução do Orçamento Geral do Estado, controlando os saques de verbas através das chamadas «requisições de fundos» que permitiam levantar a massa financeira necessária à gestão dos diferentes organismos. Os gastos seriam, mais tarde, justificados perante o Tribunal de Contas assacando-se a responsabilidade dos excessos a quem tinha determinado o descontrolo. Mas uma coisa era certa: dinheiro para pagar despesas não comportadas na receita não havia! Não havendo, a entidade onde ocorrera o excesso tornava-se devedora e única responsável junto dos fornecedores que teriam de esperar pela resolução administrativa da dívida. Isto dava origem à elaboração de um processo de anos económicos findos que tinha de ser convenientemente justificado. Concluído este, e aceite a justificação, era atribuída à entidade devedora a verba excedida. Se injustificada a despesa (caso raro e só admissível por gestão danosa) a responsabilidade recaía imediatamente sobre o agente que a havia determinado, passando a ser pecuniariamente obrigado a ressarcir o Estado do valor excedido.
Salazar, através da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, havia «estendido» o seu braço até ao mais distante e insignificante serviço do Estado, porque, em última análise, competia aos gestores financeiros a derradeira palavra sobre a legalidade e possibilidade de execução de uma despesa. Assim se evitava o descontrolo. Sobre este «edifício» simples havia, depois, toda uma teia de processos burocráticos que limitavam os desmandos. Claro que, para conseguir «montar» o sistema passou-se por um processo também ele muito simples: o da elaboração das propostas orçamentais.
Todas as rubricas do orçamento de cada organismo estatal tinham de ser justificadas, muito especialmente, as que surgiam aumentadas em relação ao ano anterior. Mas isto não era suficiente, porque o Ministério das Finanças, na fase de elaboração final do orçamento, usualmente, mandava cortar percentagens nas rubricas onde a despesa se previa exagerada, vindo a reflectir-se esta acção até aos mais baixos escalões.
Era ditatorial este sistema de administração e gestão dos dinheiros públicos? Em si mesmo, não era. Pelo contrário, deixava transparecer um extraordinário respeito pelos impostos arrecadados pelo Estado e, em última instância, pelos contribuintes. Acima de tudo, era um modelo responsável. A ditadura existia noutros sectores que tinham reflexos no financeiro, nomeadamente, na falta de liberdade de expressão para denunciar os casos de injustiça social a que o modelo dava origem. Aí residia a perversidade de um sistema de gestão virtuoso em si mesmo.
Estou a antever a pergunta no meu leitor. E nos casos em que é imprevisível a despesa, tal como, por exemplo, no domínio da saúde pública? Aí funcionou, em especial durante o consolado de Marcello Caetano, a conjugação de dois vectores: a estatística, tomando como base a despesa efectiva dos anos anteriores e a sobre-orçamentação com possibilidade de criação de «reservas estratégicas» que se iam buscar a rubricas onde se sabia poder gastar-se menos, dando lugar a transferências de verbas que, no final do ano se acertavam.
O que falhou nestes transcorridos 30 anos?
Antes do mais, a autoridade para limitar os aumentos de despesa incontrolada, permitindo-se que cada Ministério entrasse em quase auto-gestão; depois, a irresponsabilização dos agentes autores dos descontroles e dos gastos não justificados; por fim, a abundância de meios financeiros geradora de ilusões despesistas sempre tendencialmente apontando para a ampliação de injustiças sociais as quais «empurram», como forma compensatória, para novas injustiças através de mais despesas.
Os compadrios políticos, que, entre nós, têm sido o lado perverso da democracia, impedem a adopção de medidas rigorosas de contenção orçamental, visto que, «tapando» de um lado, «destapam» do outro e, então, aqui d’el-rei, que estamos a ser injustiçados... e estamos, pois ou se corta para todos ou não se corta!
Alguém já identificou que a vantagem inicial de Salazar foi ter vindo de Coimbra, da universidade, ser um provinciano e, por acumulação de tudo isto, não estar dependente de compadrios nem arranjos políticos. Pode «cortar a direito», fazendo, a partir de 1928, aquilo que se julgava, em 28 de Maio de 1926, as Forças Armadas seriam capazes de fazer.
Não quero nem um «novo» Salazar, nem um «28 de Maio», mas Portugal e os Portugueses precisam de quem «rebente» com a «política de compadrio» - cuja expressão mais acabada e visível está nos «boys», na banca e nos empreiteiros -, através da prática de uma «política de seriedade» sem demagogias, nem mentiras. A «ditadura» de uma maioria partidária – tal como no passado, com Cavaco Silva, foi negativamente «boa» para implementar o descontrolo e o compadrio – pode ser óptima para resolver situações orçamentais e sociais que se apresentam distorcidas. Importante é que se queira.
domingo, outubro 30
Um orçamento a sério para uma reforma séria
Há dias foi dado a conhecer aos parlamentares o Orçamento do Estado para o ano de 2006.
Quando olhado de repente, parece tratar-se de um documento que aponta para a consecução de uma certa justiça social. Não me cabe duvidar da intenção do ministro nem do Governo ao procurar reduzir o fosso entre os muito ricos e os muito pobres deste país. Não tenho instrumentos de análise que me permitam fazer o julgamento com isenção. Há, todavia, indicadores que apontam para, mais uma vez, se estar a penalizar a classe média nacional sem que se «castigue» com mão pesada os sectores onde os rendimentos são, realmente maiores e merecedores de pagarem substancialmente mais que os da referida classe.
Para demonstrar o que digo basta pensar nos salários de um agregado familiar em que o marido seja professor catedrático de uma universidade estatal e a mulher, sendo professora do ensino secundário, tenha atingido o escalão máximo de vencimentos. O conjunto dos rendimentos brutos coloca-os na faixa dos indivíduos mais bem pagos do país e, contudo, poderemos, somente, considerá-los dentro da classe média superior. E casos destes são reais e normais.
Na verdade, a elaboração de um orçamento e da respectiva carga fiscal, dependem dos critérios de quem o manda elaborar. Tudo se assemelha à clássica pergunta: - Quanto deve um homem ter depositado no banco, para, se considerar rico?
Responde o drogadito, «arrumador» de carros: - Dois mil euros! Já o empregado que serve à mesa no «café» do bairro, diz: - Vinte mil euros! Perguntado ao professor do ensino secundário, afirma: - Mais de duzentos mil euros! Diz o médico em meio de carreira e bem sucedido profissionalmente: - Dois milhões de euros! Por fim, o grande accionista do banco: - Mais, muito mais, de vinte milhões de euros!
Afinal, ser rico não é um conceito absoluto. Pelo contrário, é absolutamente relativo, porque condicionado pelos padrões de rendimento de quem avalia. Ora, se isto é verdade para o indivíduo isolado, mais certo é para os governantes, pois tenderão a olhar os níveis de riqueza individual pelos parâmetros de capacidade que o país possui de gerar riqueza no seu conjunto. Deste modo, numa terra de fracas possibilidades económicas os responsáveis pela despesa pública ficam incapazes de «atacar» os mais altos rendimentos, talvez por julgar que deles depende a sustentabilidade da economia por via dos seus investimentos, «atacando», por isso, a classe média, esquecendo que é ela quem faz «viver» o mercado, porque alimenta o consumo e este impulsiona a produção no fim da qual estão os grandes investidores desejosos de ampliar os seus rendimentos. Assim, uma mesquinhez de visão pode conduzir os possuidores de grandes capitais a procurarem aplicá-los em mercados onde haja procura efectiva, desviando-os do seu país incapaz de assumir decisões ousadas!
Quando se chegou à situação financeira e económica de Portugal, onde os abismos entre ricos e pobres são profundos e onde a classe média se vê cerceada na capacidade aquisitiva, só existe uma solução que o Governo actual não se mostrou, ainda, capaz de adoptar. Foi aplicada há mais de vinte e cinco anos nos Estados Unidos da América e dá pelo nome de «Orçamento Base Zero» (OBZ). Como tudo o que é eficaz, resulta de uma acção simples. Expliquemo-nos.
O aparelho estatal, em qualquer Estado, sofre de entropia constante, isto é, caminha para situações de descontrole quer pela via do aumento de pessoal em funções, a maior parte das vezes, desnecessárias, quer pelo aparente aumento de trabalho que, quase sempre, não serve a ninguém.
Repare-se neste paradoxo à vista de todos nós. Há quarenta anos a limpeza das instalações estatais eram encargo de funcionários públicos com a categoria genérica de serventes – e o número de funcionários públicos era francamente menor do que actualmente -, agora, são empresas de limpeza que procedem aos trabalhos antes entregues a esses funcionários e o número de empregados do Estado aumentou! Há quarenta anos usavam-se máquinas de calcular manuais, máquinas de escrever, lançamentos contabilísticos e escrituras feitos a tinta e caneta; no presente usam-se baterias de computadores e cresceu o número de funcionários públicos! Isto quer dizer que se perdeu o controlo na máquina estatal, tendo sido ela a apoderar-se dos comandos.
A utilização do sistema OBZ obrigava, antes de se dotar os organismos do Estado com quaisquer valores orçamentais, a fazer uma análise exaustiva de quem faz o quê e para quem, justificando desde a base até ao topo todas as actividades e funções, bem como respectivos funcionários. Este processo, naturalmente complicado na execução, pela carga de radicalismo utilizada, permite identificar as excrescências anómalas dentro dos serviços, rectificando-as por transferência de pessoas, transferência de funções para os organismos certos ou, pura e simplesmente, por afastamento do pessoal e respectivos encargos. A aplicação de um sistema orçamental deste tipo no nosso país ia pôr a descoberto muitas surpresas, donde, enquanto não for convenientemente executado – tal como no passado se faziam purgas ao organismo para o «limpar» de toxinas – não existirão orçamentos sérios nem reformas sérias. Ao contrário de fazer restrições cegas e, quase sempre injustas – por incompletas e assimétricas – um Governo com a confortável estabilidade de uma maioria absoluta tinha todas as possibilidades de «arrumar», em quatro anos, a administração nacional, sem ter de se socorrer de impostos e cortes prejudiciais à economia.
O remédio é fácil, a execução é difícil, mas o resultado era, de certeza, compensador.
Quando olhado de repente, parece tratar-se de um documento que aponta para a consecução de uma certa justiça social. Não me cabe duvidar da intenção do ministro nem do Governo ao procurar reduzir o fosso entre os muito ricos e os muito pobres deste país. Não tenho instrumentos de análise que me permitam fazer o julgamento com isenção. Há, todavia, indicadores que apontam para, mais uma vez, se estar a penalizar a classe média nacional sem que se «castigue» com mão pesada os sectores onde os rendimentos são, realmente maiores e merecedores de pagarem substancialmente mais que os da referida classe.
Para demonstrar o que digo basta pensar nos salários de um agregado familiar em que o marido seja professor catedrático de uma universidade estatal e a mulher, sendo professora do ensino secundário, tenha atingido o escalão máximo de vencimentos. O conjunto dos rendimentos brutos coloca-os na faixa dos indivíduos mais bem pagos do país e, contudo, poderemos, somente, considerá-los dentro da classe média superior. E casos destes são reais e normais.
Na verdade, a elaboração de um orçamento e da respectiva carga fiscal, dependem dos critérios de quem o manda elaborar. Tudo se assemelha à clássica pergunta: - Quanto deve um homem ter depositado no banco, para, se considerar rico?
Responde o drogadito, «arrumador» de carros: - Dois mil euros! Já o empregado que serve à mesa no «café» do bairro, diz: - Vinte mil euros! Perguntado ao professor do ensino secundário, afirma: - Mais de duzentos mil euros! Diz o médico em meio de carreira e bem sucedido profissionalmente: - Dois milhões de euros! Por fim, o grande accionista do banco: - Mais, muito mais, de vinte milhões de euros!
Afinal, ser rico não é um conceito absoluto. Pelo contrário, é absolutamente relativo, porque condicionado pelos padrões de rendimento de quem avalia. Ora, se isto é verdade para o indivíduo isolado, mais certo é para os governantes, pois tenderão a olhar os níveis de riqueza individual pelos parâmetros de capacidade que o país possui de gerar riqueza no seu conjunto. Deste modo, numa terra de fracas possibilidades económicas os responsáveis pela despesa pública ficam incapazes de «atacar» os mais altos rendimentos, talvez por julgar que deles depende a sustentabilidade da economia por via dos seus investimentos, «atacando», por isso, a classe média, esquecendo que é ela quem faz «viver» o mercado, porque alimenta o consumo e este impulsiona a produção no fim da qual estão os grandes investidores desejosos de ampliar os seus rendimentos. Assim, uma mesquinhez de visão pode conduzir os possuidores de grandes capitais a procurarem aplicá-los em mercados onde haja procura efectiva, desviando-os do seu país incapaz de assumir decisões ousadas!
Quando se chegou à situação financeira e económica de Portugal, onde os abismos entre ricos e pobres são profundos e onde a classe média se vê cerceada na capacidade aquisitiva, só existe uma solução que o Governo actual não se mostrou, ainda, capaz de adoptar. Foi aplicada há mais de vinte e cinco anos nos Estados Unidos da América e dá pelo nome de «Orçamento Base Zero» (OBZ). Como tudo o que é eficaz, resulta de uma acção simples. Expliquemo-nos.
O aparelho estatal, em qualquer Estado, sofre de entropia constante, isto é, caminha para situações de descontrole quer pela via do aumento de pessoal em funções, a maior parte das vezes, desnecessárias, quer pelo aparente aumento de trabalho que, quase sempre, não serve a ninguém.
Repare-se neste paradoxo à vista de todos nós. Há quarenta anos a limpeza das instalações estatais eram encargo de funcionários públicos com a categoria genérica de serventes – e o número de funcionários públicos era francamente menor do que actualmente -, agora, são empresas de limpeza que procedem aos trabalhos antes entregues a esses funcionários e o número de empregados do Estado aumentou! Há quarenta anos usavam-se máquinas de calcular manuais, máquinas de escrever, lançamentos contabilísticos e escrituras feitos a tinta e caneta; no presente usam-se baterias de computadores e cresceu o número de funcionários públicos! Isto quer dizer que se perdeu o controlo na máquina estatal, tendo sido ela a apoderar-se dos comandos.
A utilização do sistema OBZ obrigava, antes de se dotar os organismos do Estado com quaisquer valores orçamentais, a fazer uma análise exaustiva de quem faz o quê e para quem, justificando desde a base até ao topo todas as actividades e funções, bem como respectivos funcionários. Este processo, naturalmente complicado na execução, pela carga de radicalismo utilizada, permite identificar as excrescências anómalas dentro dos serviços, rectificando-as por transferência de pessoas, transferência de funções para os organismos certos ou, pura e simplesmente, por afastamento do pessoal e respectivos encargos. A aplicação de um sistema orçamental deste tipo no nosso país ia pôr a descoberto muitas surpresas, donde, enquanto não for convenientemente executado – tal como no passado se faziam purgas ao organismo para o «limpar» de toxinas – não existirão orçamentos sérios nem reformas sérias. Ao contrário de fazer restrições cegas e, quase sempre injustas – por incompletas e assimétricas – um Governo com a confortável estabilidade de uma maioria absoluta tinha todas as possibilidades de «arrumar», em quatro anos, a administração nacional, sem ter de se socorrer de impostos e cortes prejudiciais à economia.
O remédio é fácil, a execução é difícil, mas o resultado era, de certeza, compensador.
domingo, outubro 23
Lições da História
Não me julguem um defensor de desgraças, nem uma daquelas personagens que se comprazem na previsão de catástrofes. Não! Sei que a História não se repete - olhem se voltássemos ao tempo dos dinossauros! -, mas reconheço, como todos quantos procuram andar informados, que parece haver uma tendência para se provocarem semelhanças no natural desenvolvimento da vivência dos homens em sociedade. Não há uma lei de causalidade, mas causas semelhantes provocam efeitos similares. Isto não é rigoroso, mas é tendencial. Os rios não são todos iguais, mas, se os seus leitos se assemelham, se os seus caudais se parecem, o comportamento das águas, que neles se escoam, imitam-se.
A 1.ª República, em Portugal, foi, em simultâneo, um tempo de mudança, de esperança e de desengano - para compreender a afirmação basta colocarmo-nos na perspectiva dos diferentes grupos sociais da época: republicanos, monárquicos, católicos, pequena e média burguesia urbana, proprietários rurais, populações campesinas, operários, estudantes, donas de casa - que desembocou, ao cabo de dezasseis anos, num desencanto generalizado com: (a) a classe política, (b) os partidos políticos, (c) o compradio para se conseguir «um lugar à mesa do orçamento» através da mais (d) inconcebível corrupção política - e não só -, (e) as greves e, finalmente, os (f) patrões. Tudo isto, num (g) ambiente de crise económica - resultado da grande dependência das compras de Portugal ao estrangeiro - e de (h) completo desequilíbrio orçamental (tive o cuidado de identificar cada parcela das causas para ajudar à compreensão dos efeitos).
Em 28 de Maio de 1926, quando o descontentamento era uma força unânime entre os Portugueses e se dizia que o Partido Democrático, por ser maioritário, governava ditatorialmente, impondo-se e impondo a tudo e a todos, os tenentes do Exército, fizeram sair para a rua uma força militar, em Braga, com o fim bem definido de impor uma ditadura militar cuja finalidade era moralizar a vida política nacional. Rapidamente o movimento do Norte foi secundado por Lisboa e, depois, por todo o país.
O Estado Novo não nasceu em 28 de Maio, como os seus mentores quiseram fazer crer aos Portugueses durante quarenta e um anos (1933-1974); o que se efectivou foi uma ditadura militar por declarada incompetência governativa dos políticos da época. Só havia uma instituição na qual os Portugueses ainda acreditavam: a castrense. As alternativas, para além desta, eram já poucas entre as instituições com créditos firmados: ou a Igreja Católica ou a Universidade. A segunda não tinha tradição, nem vocação, para se assenhorear do Poder; a primeira, embora habituada à movimentação nos bastidores do Poder político, havia saído da República bastamente desacreditada por força das influências conservadoras e obscurantistas desenvolvidas nos séculos anteriores.
De 1974 até hoje muita coisa mudou em Portugal, mas, se atentarmos bem nos últimos anos, temos assistido ao abandono da governação - desde a saída de Cavaco Silva para não enfrentar as controvérsias económicas e políticas que se desenhavam no horizonte político de então, até à necessidade de afastamento do Governo Santana Lopes por absoluta inaptidão para gerir os negócios do país - com o consequente descrédito dos (des)governantes. José Sócrates surgiu aos Portugueses como a última tábua onde deitar a mão no naufrágio em que vivemos. E o que aconteceu? Mentiu-se, uma vez mais, não se cumprem promessas, adoptam-se medidas impopulares agindo sobre instituições que deveriam ser poupadas ao desgaste público - a magistratura (já muito mal tratada pela falta de meios humanos e de legislação apropriada para quebrar a burocracia) e os militares (último pilar no qual se sustenta a ordem interna e externa).
Parece-me - e não estou sozinho - que o Eng. José Sócrates se está a enganar nos cálculos do projecto (instrumento de trabalho fundamental a qualquer engenheiro que pretenda firmar os seus créditos na profissão). Em Estratégia - e eu fui, em Janeiro de 1991, o quarto português a obter o grau de mestre nesta matéria - tem-se como básico que a gestão do conflito deve ser dialéctica e na gestão das crises deve ter-se a cautela de deixar aberta uma saída ao oponente, mas, acima de tudo, é importantíssimo saber fazer um cuidadoso estudo da situação avaliando com correcção e perspicaz ponderação as vulnerabilidades próprias e as de quem se opõe de modo a calcular os pontos fortes e a sua localização, seja geográfica ou temporal. Terá o Governo bons estrategistas ao seu serviço?
A 1.ª República, em Portugal, foi, em simultâneo, um tempo de mudança, de esperança e de desengano - para compreender a afirmação basta colocarmo-nos na perspectiva dos diferentes grupos sociais da época: republicanos, monárquicos, católicos, pequena e média burguesia urbana, proprietários rurais, populações campesinas, operários, estudantes, donas de casa - que desembocou, ao cabo de dezasseis anos, num desencanto generalizado com: (a) a classe política, (b) os partidos políticos, (c) o compradio para se conseguir «um lugar à mesa do orçamento» através da mais (d) inconcebível corrupção política - e não só -, (e) as greves e, finalmente, os (f) patrões. Tudo isto, num (g) ambiente de crise económica - resultado da grande dependência das compras de Portugal ao estrangeiro - e de (h) completo desequilíbrio orçamental (tive o cuidado de identificar cada parcela das causas para ajudar à compreensão dos efeitos).
Em 28 de Maio de 1926, quando o descontentamento era uma força unânime entre os Portugueses e se dizia que o Partido Democrático, por ser maioritário, governava ditatorialmente, impondo-se e impondo a tudo e a todos, os tenentes do Exército, fizeram sair para a rua uma força militar, em Braga, com o fim bem definido de impor uma ditadura militar cuja finalidade era moralizar a vida política nacional. Rapidamente o movimento do Norte foi secundado por Lisboa e, depois, por todo o país.
O Estado Novo não nasceu em 28 de Maio, como os seus mentores quiseram fazer crer aos Portugueses durante quarenta e um anos (1933-1974); o que se efectivou foi uma ditadura militar por declarada incompetência governativa dos políticos da época. Só havia uma instituição na qual os Portugueses ainda acreditavam: a castrense. As alternativas, para além desta, eram já poucas entre as instituições com créditos firmados: ou a Igreja Católica ou a Universidade. A segunda não tinha tradição, nem vocação, para se assenhorear do Poder; a primeira, embora habituada à movimentação nos bastidores do Poder político, havia saído da República bastamente desacreditada por força das influências conservadoras e obscurantistas desenvolvidas nos séculos anteriores.
De 1974 até hoje muita coisa mudou em Portugal, mas, se atentarmos bem nos últimos anos, temos assistido ao abandono da governação - desde a saída de Cavaco Silva para não enfrentar as controvérsias económicas e políticas que se desenhavam no horizonte político de então, até à necessidade de afastamento do Governo Santana Lopes por absoluta inaptidão para gerir os negócios do país - com o consequente descrédito dos (des)governantes. José Sócrates surgiu aos Portugueses como a última tábua onde deitar a mão no naufrágio em que vivemos. E o que aconteceu? Mentiu-se, uma vez mais, não se cumprem promessas, adoptam-se medidas impopulares agindo sobre instituições que deveriam ser poupadas ao desgaste público - a magistratura (já muito mal tratada pela falta de meios humanos e de legislação apropriada para quebrar a burocracia) e os militares (último pilar no qual se sustenta a ordem interna e externa).
Parece-me - e não estou sozinho - que o Eng. José Sócrates se está a enganar nos cálculos do projecto (instrumento de trabalho fundamental a qualquer engenheiro que pretenda firmar os seus créditos na profissão). Em Estratégia - e eu fui, em Janeiro de 1991, o quarto português a obter o grau de mestre nesta matéria - tem-se como básico que a gestão do conflito deve ser dialéctica e na gestão das crises deve ter-se a cautela de deixar aberta uma saída ao oponente, mas, acima de tudo, é importantíssimo saber fazer um cuidadoso estudo da situação avaliando com correcção e perspicaz ponderação as vulnerabilidades próprias e as de quem se opõe de modo a calcular os pontos fortes e a sua localização, seja geográfica ou temporal. Terá o Governo bons estrategistas ao seu serviço?
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