segunda-feira, janeiro 23

E agora?

Por 50,59% Cavaco Silva ganhou as eleições para a Presidência da República contra uma abstenção de 37,39% dos inscritos nos cadernos eleitorais. Ou seja, Cavaco Silva teve, nas urnas, 2,7 milhões de portugueses a votarem nele e 3,3 milhões a absterem-se de participar no acto de ontem.
Indubitavelmente, o grande derrotado do dia foi Mário Soares. Se para Cavaco a vitória não se traduziu num «passeio na Avenida da Liberdade» - porque não o foi, comparado com os 71% que Soares já tinha conseguido noutros tempos – os pouco mais de 14% do antigo presidente acabaram sendo uma rotunda derrota que lhe quebrou o encanto que possuía junto dos Portugueses. Mas cada votação interpreta-se de maneira diferente!
Os 50,59% de Cavaco Silva não são, como se pretende dar a entender, a direita em Belém, porque foi junto da massa que vota, habitualmente no PS, em momentos de indecisão, que o novo presidente eleito encontrou a diferença para a alcançar a maioria; se o Partido Socialista não fosse Governo, os resultados (mesmo com a cisão Alegre) teriam sido outros. A penalização de Sócrates beneficiou Cavaco. Daí terem havido comentadores, e até candidatos, que chamaram a atenção para o facto de o Governo ter tomado medidas legislativas anti-populares que pareciam ir ao encontro do voto no adversário de Mário Soares. Terá sido uma jogada maquiavelicamente pensada? A convivência institucional de Sócrates com Cavaco poderá ser bem mais agradável do que seria com Manuel Alegre, caso este tivesse vencido uma segunda volta que não houve.
Os 20,7% de Manuel Alegre são o grito de revolta contra os partidos e, em especial, contra o PS de José Sócrates. Mais do que o voto num candidato, são a ideia de que pode haver política para além e para cima dos partidos políticos; pelo menos, para além destes partidos que conduziram o país ao caos em que se encontra, à situação de último Estado da União Europeia. Trata-se de um número que vai engrossar com o tempo. Com o tempo e como fruto da política neo-liberal apostada em seguir-se, sem apelo nem agravo. Trata-se do primeiro indicador de uma situação evolutiva – tanto em Portugal, como no mundo – que se traduzirá pela necessidade de se encontrarem novas formas de representação reivindicativas perante o Poder. No fundo, é a busca de outras ideologias que substituam as já gastas e estafadas por mais de dois séculos de uso.
Já os 14% de Mário Soares não passam da nostalgia de um Portugal que foi e não torna a ser nunca mais. O esforço hercúleo que o antigo presidente fez, tanto físico como psíquico, para mostrar a força de uma juventude depois dos 80 anos – esforço que lhe estava estampado no rosto aquando do discurso de despedida – foi o equivalente a uma passagem de modelos desactualizados e invendáveis. Soares não trouxe nada de recente, de moderno, de actual à sua campanha. Usou dos mesmos «passes de magia» que o celebrizaram noutros combates, nada mais. A grande derrota era previsível. Tristemente previsível, porque nos entristece sempre ver um grande Senhor ter de «sair em braços» de um recinto para onde não devia ter entrado.
Os restantes candidatos, para além de Jerónimo de Sousa, que conseguiu dar um «rosto humano» à parte visível do Partido Comunista, representaram um papel que faz parte do que ainda se entende por democracia participativa. Nada mais.
E agora?
Agora, depois de 9 de Março, vamos assistir a um presidente da República com vocação de primeiro ministro a exercer uma magistratura de influência cujos limites serão definidos pela concordância comum ou pelo conflito latente. Não acredito que Cavaco Silva vá mais longe do que isso mesmo!