sábado, dezembro 31

Prognóstico presidencial ou uma análise social?

No início do mês tentei classificar os candidatos presidenciais como se fossem lutadores de um qualquer jogo de boxe. Na altura olhei para Cavaco Silva sem saber onde situá-lo e, por isso, medi somente a hipótese de como seria olhado por Mário Soares. Passaram trinta dias. Houve debates televisivos. Não me enganei na táctica de Soares, mas não previ a de Cavaco.
O candidato oriundo do Algarve não fez jus à sua origem... Falou pouco. Deixou-se condicionar pela bateria de assessores que, tê-lo-ão aconselhado a compor um sorriso lisaíaco (neologismo da minha autoria com origem no célebre retrato de Da Vinci) de modo a, enigmaticamente, conseguir a maioria na primeira volta, única forma de sair vencedor na corrida presidencial.
Cavaco Silva tem vindo a aparecer, assim, como um possível «salvador da Pátria», tentando colar a si próprio uma imagem que se balanceia entre a de um Salazar do século XXI, casado, com filhos e netos, democrático – até ao limite do conveniente -, mas acima de tudo, um técnico naquilo que faz falta em Portugal - gestão financeira e económica - e a de um general Eanes, sério, parco de palavras, parecendo de pensamento profundo e movimentos estudados para evitar o desconchavo momentâneo.
Está claro que, para o grande público, esta imagem vende bem e passa uma mensagem de segurança. Todavia, acontecerá o mesmo entre os grupos mais atentos da e na política nacional? Tenho sérias dúvidas.
Cavaco tem de combater com a inesperada e quase inexplicável simpatia de um Jerónimo de Sousa que, na sua máxima simplicidade, mostra um comunismo de rosto humano, equilibrado, compreensivo, tolerante, ausente de arrogância. Jerónimo não vai fazer sombra a Cavaco. Lá isso não vai. Mas capta muitos indecisos que não darão o seu voto a Soares ou a Alegre.
Cavaco tem de combater com a lógica e a rapidez de raciocínio de Louçã; com a modernidade do seu discurso, com a actualidade dos seus conhecimentos, com a simpatia de um irmão – mais novo ou mais velho, conforme a faixa etária de eleitores e simpatizantes do candidato do Bloco de Esquerda. É um homem que apetece convidar para jantar e com ele discutir amenamente os problemas do país e do mundo. Com Cavaco nem uma bica se tomava, tal a aspereza que dele emana; fica-se com a certeza de nos ir dar uma chata lição de economia e pouco mais. Mas, tal como acontece com Jerónimo de Sousa, não é Louçã quem vai roubar a Presidência a Cavaco Silva.
Restam Alegre e Soares. O primeiro tem feito um discurso de coerência, de respeitabilidade, de ponderação e cautela se alcançar a Presidência. No entanto, não apresenta mais do que a imagem de um Presidente constitucionalmente correcto. Falta-lhe transmitir a de domínio do alto cargo a que se propõe. Acredita-se no Homem, nas suas ideias e em pouco mais. É como um acto de fé. Alegre está para os grupos sociais politicamente esclarecidos como Cavaco para os não esclarecidos. Contudo, Mário Soares é diferente.
Mário Soares denota já o peso dos anos, o desgaste de muitas lutas, mas, talvez, porque está a travar o seu último combate não se importa de usar toda a artilharia que a experiência lhe colocou no arsenal. Não se importa de ferir as regras do jogo definido pelos entrevistadores; de fazer mais uma inimizade entre um grande e velho amigo de combates políticos de outros tempos; de não cumprir a promessa que fez na véspera; de pôr a nu toda a inexperiência dos outros dois candidatos que o preocupam – Alegre e Cavaco; de insinuar o pouco apreço com que na União Europeia se olha para o candidato apoiado pela direita – táctica que fez estalar o verniz de Vasco Graça Moura.
Não se está a travar um duelo de gigantes, porque, efectivamente, o gigante político é só um: Mário Soares. Trava-se um duelo em que o gigante tem de lutar contra a ignorância política de uma grande massa social do país e contra o último projecto quase quixotesco de uma esquerda plural, socialista e saudosa dos cravos de um Abril que se esfumou na última esquina do tempo. Vamos ver quem vence.

quinta-feira, dezembro 1

As eleições presidenciais

Cavaco Silva vai iniciar oficialmente a campanha para a candidatura à Presidência da República na Madeira. Estranha forma de o fazer! Exactamente a Madeira onde é voz corrente e facto concretizado haver um deficit democrático. Quererá, subliminarmente, Cavaco Silva transmitir alguma mensagem ao eleitorado?
Na corrida à Presidência está um peso pesado – Mário Soares – peso médio – Manuel Alegre – e vários pesos leves – de Louçã a Jerónimo de Sousa. Para mim, a questão coloca-se em como devo classificar Cavaco Silva.
Para muita gente ele é, sem sombra de dúvida, um peso pesado, tão pesado que pode derrubar Mário Soares logo à primeira volta. Ora, a verdade não é esta e Mário Soares sabe-o bem. Sabe, porque o conheceu como primeiro-ministro e com ele terá tido os seus desaguisados institucionais. É com esses trunfos que o antigo Presidente da República conta para disparar na devida altura. O seu tão famoso instinto político ditará o momento. Eis, então, o motivo da minha dúvida, porque Cavaco Silva não é o que parece e, não sendo, nas mãos de Mário Soares transformar-se-á num mero peso médio, leve ou, até, pluma.
É vulgar – e eu próprio penso assim – apontar-se a Mário Soares o desgaste de dez anos de Presidência, mas dez anos nos quais também contabilizou a admiração e o respeito dos Portugueses pela isenção de comportamento, deixando governar quem as eleições tinham imposto ao país e a ele próprio. Esta última é uma imagem que Soares poderá destruir sujeitando-se a um confronto evitável. Este é o raciocínio lógico e coerente, prudente até. Todavia, em política – e a eleição para a Presidência da República é sem sobra de dúvida o acto mais político do conjunto para o qual se convida os cidadãos a participar – nem sempre se procede com lógica, nem coerência e, menos ainda, com prudência. O instinto faz os grandes políticos. Assim, para os dez anos de Presidência de Mário Soares devemos levar em conta os dez de grande desgaste de Cavaco Silva. Desgaste que ele quis fazer esquecer noutros dez de silêncio. Desgaste por desgaste, o de Cavaco é bem maior que o de Soares. E este sabe-o muito bem.
No Governo de Cavaco Silva a Comunidade Europeia despejou apoios financeiros traduzidos por milhões e milhões de contos mensalmente que, sem qualquer tipo de estratégia pensada para a efectivação de uma mudança estrutural no país, se desbarataram ou, pior, nem foram gastos por falta de projectos. Dez anos de despesismo incontrolado do qual ficaram, visíveis, bem visíveis, as autoestradas, o Centro Cultural de Belém, as grandes fortunas pessoais nascidas do nada e pouco mais. A aposta estratégica de Cavaco assentou, tal como a de Fontes Pereira de Melo, cerca de cem anos antes, na abertura de vias de comunicação (agora, automóveis; ontem, ferroviárias) que, julgavam ambos, iriam provocar o desenvolvimento industrial. Erraram. A Fontes ainda se pode perdoar por ter sido o primeiro; a Cavaco nem isso. A rede de autoestradas deveria ter sido construída no tempo de Salazar; se não foi, já não era prioritária, porque prioritário teria sido fazer a aposta nos caminhos-de-ferro, cuja circulação, para efeitos de desenvolvimento económico nacional, era essencial. As autoestradas serviram pequenos interesses nacionais e grandes interesses internacionais (a Comunidade queria, também, despejar os seus produtos no mercado português); uma boa rede ferroviária de via dupla, electrificada, corresponderia à circulação de quantos autocarros, automóveis ligeiros e camiões TIR? Quantas barragens teriam de ter sido construídas para ampliar a produção de electricidade nacional? Que descentralização industrial imporia? Como se inverteria o processo de desertificação humana do interior?
Depois de concluído um plano deste tipo, então poder-se-ia pensar nas autoestradas principais e na ampla melhoria das estradas secundárias. Mas, como está evidente, a conservação das autoestradas é mais cara e mais constante do que a de uma boa rede ferroviária e favorece a ampliação do parque automóvel garantindo receitas fiscais de várias maneiras.
Julgo que deixei debuxada a linha de ataque que Soares poderá usar contra Cavaco Silva, mostrando aos Portugueses que ele governou ao sabor de interesses económicos contrário aos interesses de todos os Portugueses, gerando a rampa para o buraco onde os sucessivos Governos resvalaram por falta de visão estratégica inicial. Soares isenta-se de culpa, porque invocará sempre a impossibilidade de exercer mais do que uma política de influência junto do Governo.
Mas ainda agora se estão a preparar os andores chegaram ao adro da igreja; a procissão começará dentro de dias. Por isso, mais tarde voltarei ao assunto.

sexta-feira, novembro 11

Olhando a Europa... Só para pensar

Nós, os europeus, quisemos fazer da Europa uma unidade política com jurisdição própria, órgãos de soberania assumidos. Quisemos uma moeda única, um mercado único. Desejamos políticas únicas. Mas continuamos a olharmo-nos como Estados separados, como nações, povos e culturas distintos.
Realmente, o que tem um Sueco de comum com um Português? Somente o facto de ser europeu. No resto, andámos sempre muito distantes. Mas queremos uma União Europeia, isso queremos.
Pois é, como é que os Africanos, os Islâmicos e os restantes povos do mundo hão-de olhar para nós? Como nações distintas e com idiossincrasias diferenciadas ou como um bloco único? É que, como na «santa» ignorância popular portuguesa se diz, não se pode querer sol na eira e chuva no nabal.
As atitudes dos Franceses, dos Alemães, Belgas e Holandeses sobre as suas comunidades étnicas oriundas de outros continentes têm de reflectir-se nos restantes Estados da União de forma semelhante. Por isso somos olhados como uma União.
Ora, acontece que, mesmo dentro da dita União, os trabalhadores originários de Estados europeus são vistos e tratados de modo diferente... Um Português na Irlanda é um trabalhador «estrangeiro»!
Dá para perguntar: — Que União é esta? Não existirá só União na cabeça de uns quantos iluminados, nos bolsos de outros tantos gananciosos e no imaginário dos povos não europeus?
Temos tema para pensar!

terça-feira, novembro 8

Declaração de calamidade

Há tempos, falando com um amigo meu, proprietário agrícola no Alentejo, tomei conhecimento de uma particularidade assaz curiosa que não resisto a compartilhar com os meus leitores.
As companhias de seguros têm produtos, como lhe chamam na gíria comercial, destinados a cobrir uma série de catástrofes possíveis de ocorrer no desenvolvimento da actividade agrícola: a geada, o granizo, os nevões, as inundações por excesso de pluviosidade, a seca, o fogo, as pragas, etc. Cada um escolhe a linha de produtos que mais lhe convém e da qual julga poder vir a ser vítima no ano ou no ciclo produtivo. Naturalmente, os prémios de seguros deste tipo não são económicos, como, aliás, nenhum seguro é acessível em Portugal.
Aparentemente o pagamento da indemnização ao segurado deve acontecer como nas nossas casas: faz-se prova perante a companhia da ocorrência do motivo que desencadeia o processo e esta liquida a importância devida. Só que no sector agrícola as coisas não se passam do mesmo modo. Quem declara a existência de calamidade no domínio da agricultura é o Governo e só em face dessa condição é que os lesados recebem a indemnização correspondente ao prémio pago. Quer dizer, o segurado não controla o mecanismo que lhe pode garantir o reembolso parcelar das perdas que teve.
Ora, no ano agrícola que findou no Alentejo, em Junho/Julho do corrente ano, foi notícia e é do domínio público a tremenda seca que assolou o Sul de Portugal (podemos mesmo dizer, quase todo o país). Pois bem, o Governo recusou-se a declarar o estado de calamidade por falta de água. Assim, saíram beneficiadas as companhias seguradoras (que, em geral andam associadas a grupos financeiros que dominam a banca) e altamente prejudicados os agricultores.
Não vou entrar em mais pormenores. São desnecessários. Ficam as perguntas: o Governo é pessoa de bem? Quem está a beneficiar quem? O Governo, eleito como consequência dos votos dos Portugueses, da maioria dos Portugueses, está a defender os interesses de quem? Qual a legitimidade que assiste ao Governo para pedir sacrifícios aos Portugueses em geral e, em particular, aos que servem o Estado?
Se o meu amigo não me mentiu, o assalto à mão armada deixou de ser só um acto criminoso e exclusivo de marginais, porque com eles alinham aqueles que nos governam, governando-se.

terça-feira, novembro 1

De novo a despesa pública

Já há muitos anos que estou afastado dos mecanismos financeiros do Estado e da respectiva Administração, mas a notícia vinda a público no dia 1 de Novembro, informando os Portugueses de mais uma incapacidade do Governo controlar a despesa pública, quando fez subir as receitas entradas nos cofres nacionais no mesmo período em análise, somando-a a uma outra, mais antiga, onde se dava conta da intenção de criar, junto de cada Ministério, um organismo controlador da execução orçamental, proporciona a matéria para o apontamento que se segue.
Se se tivesse de fazer uma fila de cidadãos para condenar na praça pública o Estado Novo eu queria disputar o primeiro lugar, sabendo, contudo, que não me seria atribuído; não interessa. Importante é que, ditaduras nunca mais! Todavia, esta minha preocupação não invalida, nem me incapacita de perceber as raras virtudes do anterior regime político português. E uma que possuía e da qual fazia bandeira era a de saber controlar o saldo do Orçamento Geral do Estado. A mão de ferro de Salazar começou a fazer sentir-se por aí, e aí se manteve pelo menos até 1968. Na verdade, junto dos Ministérios havia uma delegação da Direcção-Geral da Contabilidade Pública que mensalmente controlava a execução do Orçamento Geral do Estado, controlando os saques de verbas através das chamadas «requisições de fundos» que permitiam levantar a massa financeira necessária à gestão dos diferentes organismos. Os gastos seriam, mais tarde, justificados perante o Tribunal de Contas assacando-se a responsabilidade dos excessos a quem tinha determinado o descontrolo. Mas uma coisa era certa: dinheiro para pagar despesas não comportadas na receita não havia! Não havendo, a entidade onde ocorrera o excesso tornava-se devedora e única responsável junto dos fornecedores que teriam de esperar pela resolução administrativa da dívida. Isto dava origem à elaboração de um processo de anos económicos findos que tinha de ser convenientemente justificado. Concluído este, e aceite a justificação, era atribuída à entidade devedora a verba excedida. Se injustificada a despesa (caso raro e só admissível por gestão danosa) a responsabilidade recaía imediatamente sobre o agente que a havia determinado, passando a ser pecuniariamente obrigado a ressarcir o Estado do valor excedido.
Salazar, através da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, havia «estendido» o seu braço até ao mais distante e insignificante serviço do Estado, porque, em última análise, competia aos gestores financeiros a derradeira palavra sobre a legalidade e possibilidade de execução de uma despesa. Assim se evitava o descontrolo. Sobre este «edifício» simples havia, depois, toda uma teia de processos burocráticos que limitavam os desmandos. Claro que, para conseguir «montar» o sistema passou-se por um processo também ele muito simples: o da elaboração das propostas orçamentais.
Todas as rubricas do orçamento de cada organismo estatal tinham de ser justificadas, muito especialmente, as que surgiam aumentadas em relação ao ano anterior. Mas isto não era suficiente, porque o Ministério das Finanças, na fase de elaboração final do orçamento, usualmente, mandava cortar percentagens nas rubricas onde a despesa se previa exagerada, vindo a reflectir-se esta acção até aos mais baixos escalões.
Era ditatorial este sistema de administração e gestão dos dinheiros públicos? Em si mesmo, não era. Pelo contrário, deixava transparecer um extraordinário respeito pelos impostos arrecadados pelo Estado e, em última instância, pelos contribuintes. Acima de tudo, era um modelo responsável. A ditadura existia noutros sectores que tinham reflexos no financeiro, nomeadamente, na falta de liberdade de expressão para denunciar os casos de injustiça social a que o modelo dava origem. Aí residia a perversidade de um sistema de gestão virtuoso em si mesmo.
Estou a antever a pergunta no meu leitor. E nos casos em que é imprevisível a despesa, tal como, por exemplo, no domínio da saúde pública? Aí funcionou, em especial durante o consolado de Marcello Caetano, a conjugação de dois vectores: a estatística, tomando como base a despesa efectiva dos anos anteriores e a sobre-orçamentação com possibilidade de criação de «reservas estratégicas» que se iam buscar a rubricas onde se sabia poder gastar-se menos, dando lugar a transferências de verbas que, no final do ano se acertavam.
O que falhou nestes transcorridos 30 anos?
Antes do mais, a autoridade para limitar os aumentos de despesa incontrolada, permitindo-se que cada Ministério entrasse em quase auto-gestão; depois, a irresponsabilização dos agentes autores dos descontroles e dos gastos não justificados; por fim, a abundância de meios financeiros geradora de ilusões despesistas sempre tendencialmente apontando para a ampliação de injustiças sociais as quais «empurram», como forma compensatória, para novas injustiças através de mais despesas.
Os compadrios políticos, que, entre nós, têm sido o lado perverso da democracia, impedem a adopção de medidas rigorosas de contenção orçamental, visto que, «tapando» de um lado, «destapam» do outro e, então, aqui d’el-rei, que estamos a ser injustiçados... e estamos, pois ou se corta para todos ou não se corta!
Alguém já identificou que a vantagem inicial de Salazar foi ter vindo de Coimbra, da universidade, ser um provinciano e, por acumulação de tudo isto, não estar dependente de compadrios nem arranjos políticos. Pode «cortar a direito», fazendo, a partir de 1928, aquilo que se julgava, em 28 de Maio de 1926, as Forças Armadas seriam capazes de fazer.
Não quero nem um «novo» Salazar, nem um «28 de Maio», mas Portugal e os Portugueses precisam de quem «rebente» com a «política de compadrio» - cuja expressão mais acabada e visível está nos «boys», na banca e nos empreiteiros -, através da prática de uma «política de seriedade» sem demagogias, nem mentiras. A «ditadura» de uma maioria partidária – tal como no passado, com Cavaco Silva, foi negativamente «boa» para implementar o descontrolo e o compadrio – pode ser óptima para resolver situações orçamentais e sociais que se apresentam distorcidas. Importante é que se queira.

domingo, outubro 30

Um orçamento a sério para uma reforma séria

Há dias foi dado a conhecer aos parlamentares o Orçamento do Estado para o ano de 2006.
Quando olhado de repente, parece tratar-se de um documento que aponta para a consecução de uma certa justiça social. Não me cabe duvidar da intenção do ministro nem do Governo ao procurar reduzir o fosso entre os muito ricos e os muito pobres deste país. Não tenho instrumentos de análise que me permitam fazer o julgamento com isenção. Há, todavia, indicadores que apontam para, mais uma vez, se estar a penalizar a classe média nacional sem que se «castigue» com mão pesada os sectores onde os rendimentos são, realmente maiores e merecedores de pagarem substancialmente mais que os da referida classe.
Para demonstrar o que digo basta pensar nos salários de um agregado familiar em que o marido seja professor catedrático de uma universidade estatal e a mulher, sendo professora do ensino secundário, tenha atingido o escalão máximo de vencimentos. O conjunto dos rendimentos brutos coloca-os na faixa dos indivíduos mais bem pagos do país e, contudo, poderemos, somente, considerá-los dentro da classe média superior. E casos destes são reais e normais.
Na verdade, a elaboração de um orçamento e da respectiva carga fiscal, dependem dos critérios de quem o manda elaborar. Tudo se assemelha à clássica pergunta: - Quanto deve um homem ter depositado no banco, para, se considerar rico?
Responde o drogadito, «arrumador» de carros: - Dois mil euros! Já o empregado que serve à mesa no «café» do bairro, diz: - Vinte mil euros! Perguntado ao professor do ensino secundário, afirma: - Mais de duzentos mil euros! Diz o médico em meio de carreira e bem sucedido profissionalmente: - Dois milhões de euros! Por fim, o grande accionista do banco: - Mais, muito mais, de vinte milhões de euros!
Afinal, ser rico não é um conceito absoluto. Pelo contrário, é absolutamente relativo, porque condicionado pelos padrões de rendimento de quem avalia. Ora, se isto é verdade para o indivíduo isolado, mais certo é para os governantes, pois tenderão a olhar os níveis de riqueza individual pelos parâmetros de capacidade que o país possui de gerar riqueza no seu conjunto. Deste modo, numa terra de fracas possibilidades económicas os responsáveis pela despesa pública ficam incapazes de «atacar» os mais altos rendimentos, talvez por julgar que deles depende a sustentabilidade da economia por via dos seus investimentos, «atacando», por isso, a classe média, esquecendo que é ela quem faz «viver» o mercado, porque alimenta o consumo e este impulsiona a produção no fim da qual estão os grandes investidores desejosos de ampliar os seus rendimentos. Assim, uma mesquinhez de visão pode conduzir os possuidores de grandes capitais a procurarem aplicá-los em mercados onde haja procura efectiva, desviando-os do seu país incapaz de assumir decisões ousadas!
Quando se chegou à situação financeira e económica de Portugal, onde os abismos entre ricos e pobres são profundos e onde a classe média se vê cerceada na capacidade aquisitiva, só existe uma solução que o Governo actual não se mostrou, ainda, capaz de adoptar. Foi aplicada há mais de vinte e cinco anos nos Estados Unidos da América e dá pelo nome de «Orçamento Base Zero» (OBZ). Como tudo o que é eficaz, resulta de uma acção simples. Expliquemo-nos.
O aparelho estatal, em qualquer Estado, sofre de entropia constante, isto é, caminha para situações de descontrole quer pela via do aumento de pessoal em funções, a maior parte das vezes, desnecessárias, quer pelo aparente aumento de trabalho que, quase sempre, não serve a ninguém.
Repare-se neste paradoxo à vista de todos nós. Há quarenta anos a limpeza das instalações estatais eram encargo de funcionários públicos com a categoria genérica de serventes – e o número de funcionários públicos era francamente menor do que actualmente -, agora, são empresas de limpeza que procedem aos trabalhos antes entregues a esses funcionários e o número de empregados do Estado aumentou! Há quarenta anos usavam-se máquinas de calcular manuais, máquinas de escrever, lançamentos contabilísticos e escrituras feitos a tinta e caneta; no presente usam-se baterias de computadores e cresceu o número de funcionários públicos! Isto quer dizer que se perdeu o controlo na máquina estatal, tendo sido ela a apoderar-se dos comandos.
A utilização do sistema OBZ obrigava, antes de se dotar os organismos do Estado com quaisquer valores orçamentais, a fazer uma análise exaustiva de quem faz o quê e para quem, justificando desde a base até ao topo todas as actividades e funções, bem como respectivos funcionários. Este processo, naturalmente complicado na execução, pela carga de radicalismo utilizada, permite identificar as excrescências anómalas dentro dos serviços, rectificando-as por transferência de pessoas, transferência de funções para os organismos certos ou, pura e simplesmente, por afastamento do pessoal e respectivos encargos. A aplicação de um sistema orçamental deste tipo no nosso país ia pôr a descoberto muitas surpresas, donde, enquanto não for convenientemente executado – tal como no passado se faziam purgas ao organismo para o «limpar» de toxinas – não existirão orçamentos sérios nem reformas sérias. Ao contrário de fazer restrições cegas e, quase sempre injustas – por incompletas e assimétricas – um Governo com a confortável estabilidade de uma maioria absoluta tinha todas as possibilidades de «arrumar», em quatro anos, a administração nacional, sem ter de se socorrer de impostos e cortes prejudiciais à economia.
O remédio é fácil, a execução é difícil, mas o resultado era, de certeza, compensador.

domingo, outubro 23

Lições da História

Não me julguem um defensor de desgraças, nem uma daquelas personagens que se comprazem na previsão de catástrofes. Não! Sei que a História não se repete - olhem se voltássemos ao tempo dos dinossauros! -, mas reconheço, como todos quantos procuram andar informados, que parece haver uma tendência para se provocarem semelhanças no natural desenvolvimento da vivência dos homens em sociedade. Não há uma lei de causalidade, mas causas semelhantes provocam efeitos similares. Isto não é rigoroso, mas é tendencial. Os rios não são todos iguais, mas, se os seus leitos se assemelham, se os seus caudais se parecem, o comportamento das águas, que neles se escoam, imitam-se.
A 1.ª República, em Portugal, foi, em simultâneo, um tempo de mudança, de esperança e de desengano - para compreender a afirmação basta colocarmo-nos na perspectiva dos diferentes grupos sociais da época: republicanos, monárquicos, católicos, pequena e média burguesia urbana, proprietários rurais, populações campesinas, operários, estudantes, donas de casa - que desembocou, ao cabo de dezasseis anos, num desencanto generalizado com: (a) a classe política, (b) os partidos políticos, (c) o compradio para se conseguir «um lugar à mesa do orçamento» através da mais (d) inconcebível corrupção política - e não só -, (e) as greves e, finalmente, os (f) patrões. Tudo isto, num (g) ambiente de crise económica - resultado da grande dependência das compras de Portugal ao estrangeiro - e de (h) completo desequilíbrio orçamental (tive o cuidado de identificar cada parcela das causas para ajudar à compreensão dos efeitos).
Em 28 de Maio de 1926, quando o descontentamento era uma força unânime entre os Portugueses e se dizia que o Partido Democrático, por ser maioritário, governava ditatorialmente, impondo-se e impondo a tudo e a todos, os tenentes do Exército, fizeram sair para a rua uma força militar, em Braga, com o fim bem definido de impor uma ditadura militar cuja finalidade era moralizar a vida política nacional. Rapidamente o movimento do Norte foi secundado por Lisboa e, depois, por todo o país.
O Estado Novo não nasceu em 28 de Maio, como os seus mentores quiseram fazer crer aos Portugueses durante quarenta e um anos (1933-1974); o que se efectivou foi uma ditadura militar por declarada incompetência governativa dos políticos da época. Só havia uma instituição na qual os Portugueses ainda acreditavam: a castrense. As alternativas, para além desta, eram já poucas entre as instituições com créditos firmados: ou a Igreja Católica ou a Universidade. A segunda não tinha tradição, nem vocação, para se assenhorear do Poder; a primeira, embora habituada à movimentação nos bastidores do Poder político, havia saído da República bastamente desacreditada por força das influências conservadoras e obscurantistas desenvolvidas nos séculos anteriores.
De 1974 até hoje muita coisa mudou em Portugal, mas, se atentarmos bem nos últimos anos, temos assistido ao abandono da governação - desde a saída de Cavaco Silva para não enfrentar as controvérsias económicas e políticas que se desenhavam no horizonte político de então, até à necessidade de afastamento do Governo Santana Lopes por absoluta inaptidão para gerir os negócios do país - com o consequente descrédito dos (des)governantes. José Sócrates surgiu aos Portugueses como a última tábua onde deitar a mão no naufrágio em que vivemos. E o que aconteceu? Mentiu-se, uma vez mais, não se cumprem promessas, adoptam-se medidas impopulares agindo sobre instituições que deveriam ser poupadas ao desgaste público - a magistratura (já muito mal tratada pela falta de meios humanos e de legislação apropriada para quebrar a burocracia) e os militares (último pilar no qual se sustenta a ordem interna e externa).
Parece-me - e não estou sozinho - que o Eng. José Sócrates se está a enganar nos cálculos do projecto (instrumento de trabalho fundamental a qualquer engenheiro que pretenda firmar os seus créditos na profissão). Em Estratégia - e eu fui, em Janeiro de 1991, o quarto português a obter o grau de mestre nesta matéria - tem-se como básico que a gestão do conflito deve ser dialéctica e na gestão das crises deve ter-se a cautela de deixar aberta uma saída ao oponente, mas, acima de tudo, é importantíssimo saber fazer um cuidadoso estudo da situação avaliando com correcção e perspicaz ponderação as vulnerabilidades próprias e as de quem se opõe de modo a calcular os pontos fortes e a sua localização, seja geográfica ou temporal. Terá o Governo bons estrategistas ao seu serviço?

sábado, outubro 22

Ao cuidado das autoridades sanitárias portuguesas

Segundo as notícias vindas a público ontem e, especialmente, hoje, provavelmente enganei-me.
O Governo começou a tomar as medidas convenientes e tem dado informação capaz sobre a gripe das aves. Melhor assim! Quem ganha são os Portugueses.
Sem pretender tornar-me verrinoso, resta saber se os órgãos que dizem estar preparados para enfrentar uma situação de crise o estão realmente. Até nos cruzeiros turísticos, nos grandes paquetes, parecendo inafundáveis, pelo menos uma vez, em cada viagem faz-se uma simulação de desembarque por naufrágio iminente!
Não seria altura de, nas televisões, se mostrar como funciona o sistema idealizado pelas nossas autoridades sanitárias para nos tranquilizar a todos? Várias simulações que testem as vulnerabilidades e que nos deixem seguros de não vir a ser vítimas dos improvisos nacionais.
Qual náufrago em ilha deserta, aqui lanço ao mar a garrafa bem fechada com o pedido de socorro às autoridades sanitárias nacionais. Alguém a recolherá a tempo?

segunda-feira, outubro 17

Ainda a gripe das aves

No Correio da Manhã de hoje lá está, bem à vista de todos, o cálculo de 11.000 a 13.000 o número de pessoas prováveis a serem vítimas da gripe das aves em Portugal.
Ora, todos nós sabemos que compete às autoridades não serem alarmistas, por isso, para termos um valor mais correcto deveremos utilizar um factor de multiplicação igual a dois. Deste modo, a realidade poderá rondar os 22.000 a 26.000 casos mortais no nosso país. Isso constitui um flagelo!
O Governo, tão pronto em dar conta das medidas adoptadas que lhe possam granjear a simpatia dos Portugueses, neste caso mantém-se caladinho e não nos dá cavaco (não que esse pode ter conotações com o outro!) sobre as decisões tomadas (se é que tomou algumas!).
Já existem nos nossos aeroportos internacionais locais apropriados para uma quarentena imediata dos possíveis contagiados? Já estão a ser nomeadas, instruídas e equipadas as equipas sanitárias que deverão ser destacadas para os aeroportos? Já se estudou o local onde devem ficar fundeados os navios com casos suspeitos? Já estão definidos os lazaretos a adoptar para não contaminar os hospitais comuns? Já se inventariaram os profissionais de saúde a mobilizar no caso de uma epidemia alargada?
Repare-se como Le Figaro de hoje já dá informação sobre o que, ao nível dos organismos responsáveis da União, se vai fazer: «Le commissaire européen à la Santé, Markos Kyprianou, doit de son côté présenter mercredi un exercice de simulation, organisé plus tard dans l'année et visant à tester la capacité de l'UE à répondre à une pandémie de grippe.» Por seu turno o Le Monde publica, em destaque a seguinte afirmação, da autoria do professor Didier Houssin, delegado inter-ministerial encarregado da luta contra a gripe da aves: «la France doit se préparer "comme si la pandémie était pour demain"».
E por cá, como vai ser?
Se entre nós não se sabe como conduzir as operações, passem a um comando militar a responsabilidade de organizar as medidas a adoptar já que, habituados a tomar decisões em estados catastróficos, eles, se lhes forem dados os poderes necessários, saberão como, quando, onde e o que fazer.
Se ficarmos à espera dos peritos governamentais julgo que seremos apanhados em meio da crise sem nenhuma decisão de jeito devidamente adoptada.
Para os mais curiosos, aqui fica o endereço da notícia: http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=178017&idselect=9&idCanal=9&p=94

sábado, outubro 15

A gripe das aves

Diz-se que vão morrer pessoas. Circulam notícias sobre a detecção de aves (em especial patos) infectadas quer na Roménia quer na Turquia. Na Europa, os responsáveis pela saúde pública tomam medidas e desdobram-se em entrevistas sobre o assunto. Ouve falar-se deste e daquele medicamento que pode ser uma solução e, depois, já não é. Os laboratórios, por todo o mundo, fazem esforços para identificar a forma de combater o vírus. Há, realmente, um alerta geral e um geral pedido para não se gerar o pânico. Recorda-se, nos jornais, o que foi, em 1918, a chamada gripe espanhola que matou, sem recurso, famílias.
Em Portugal, depois das eleições, continua a reinar a maior calma olímpica de sempre. Gastaram-se milhares, milhões, a fazer propaganda a este e àquele candidato, a imprimir folhetos para distribuir porta a porta convidando-nos a escolher um em desfavor de outro e não se gastam uns cêntimos a imprimir uma folha volante para entregar nas ruas, nas escolas, nos centros comerciais, nas aldeias, nas juntas de freguesia, nos lugarejos isolados, nos pequenos estabelecimentos perdidos nos montes e nas planuras, nos barbeiros, nos bancos, que seja lida até ao vómito nas rádios, nas televisões, explicando como se deve evitar o contágio, como se identificam os primeiros sintomas, que número de telefone se pode ligar para obter as primeiras indicações, quais os cuidados a ter, a higiene apropriada, os primeiros medicamentos a tomar, os alimentos a não comer.
Não se faz absolutamente nada!
Dá-se tempo de antena televisiva a um autarca que, por ter ganho as eleições lá na sua santa terrinha, vai a pé, com os jovens do lugar, a Fátima, agradecer à Virgem! Deuses, em que país estamos nós! Em que século vivemos!?
O poder político está mais preocupado com o orçamento do que com a saúde e o bem-estar públicos. Será que, por uma qualquer crença no Mafarrico, os senhores de S. Bento estão convencidos que a gripe das aves vai resolver o problema do deficit orçamental e dos sistemas de pensão, matando os velhos e os desnecessários na função pública, eventualmente, até, os desempregados? Será? Naturalmente que não posso acreditar e só o digo com uma ponta de ironia amarga, corrosiva, provocatória. Mas, não tenho dúvidas e não sou irónico, quando aceito que se está a admitir a possibilidade de usar a grande solução nacional: o improviso!
A tempo, tomem-se medidas, divulguem-se cuidados, assuma-se uma atitude responsável perante a catástrofe anunciada. É o mínimo que podemos e devemos exigir dos poderes públicos. Digam-nos o que fazer e não fazer... Não fazer nada é que não pode ser! Ou será que deve ser?

sexta-feira, outubro 14

Da minha janela via o Mundo



Não sei qual o motivo, mas talvez por causa desta maldita constipação de nariz, na noite de hoje, dormi menos horas que nas anteriores.
Levantei-me um pouco antes das seis da manhã, depois de quatro de bom repouso.
Acordei sob o efeito de um sonho maravilhoso. Estava a passear na minha rua, a rua onde se situa o prédio onde nasci. Porque eu nasci em casa.
Recordo-a sempre como um rio que corre ao contrário, dos Anjos para a Graça, para o largo dos Sapadores, no começo da Penha de França. É a rua Angelina Vidal. Curioso que, entre nós, se cultiva o hábito, inculto, de não averiguar quem foi a personagem que dá nome à artéria onde vivemos. Coisa de gente sem prontidão para o trabalho de saber! Pois bem, Angelina Vidal foi poetisa, ficcionista, dramaturga e jornalista republicana nascida na segunda metade do século XIX e falecida, depois de anos de luta pelos direitos políticos e de cidadania da mulher, em 1917.
Hoje, a minha rua, é feia; encanada entre edifícios do começo do século xx, de um lado, e «modernos» apartamentos dos anos 50, do outro. Quando era pequenito, onde agora estão as casas «modernas», havia duas moradias térreas, uma oficina de trabalho metalomecânico e uma quinta de pinheiros altos que descia em rápido declive para a rua Damasceno Monteiro. Depois, por cima desta paisagem próxima, estendia-se o olhar até quase alcançar o rio, abarcando-se mais de um terço da velha Lisboa. Lá longe, na linha do horizonte, ainda se vislumbrava a cúpula da basílica da Estrela, mais perto, a meia distância, o edifício do Instituto de Medicina Legal e uma parte do Hospital de S. José; um pouco para a direita, o casario da antiga Escola de Guerra e o hipódromo onde os cadetes, montando cavalos, saltavam obstáculos (como essa visão terá sido, também, determinante para o meu futuro!); tendo já de me debruçar da janela, viam-se as árvores do Parque Eduardo VII; ali, à mão de semear, o Martin Moniz, a avenida Almirante Reis, o começo da «Baixa», fervilhando de gente. Essa era a cidade que me habituei a ver, mas a vida e o mundo estavam mesmo debaixo dos meus olhos, na minha rua.
Logo em frente da porta do prédio onde pela primeira vez chorei trabalhava-se do nascer do dia quase ao anoitecer, ligando barras de ferro (como é bonita a chuva de efémeras estrelas que saltam da soldadura eléctrica! Morrem antes de chegar ao chão, sem deixarem rasto...), martelando, torcendo metais; os sons cadenciados chegavam ao segundo andar ainda palpitantes... O trânsito era pouco; a rua, vivia os sons de dentro não se deixando encantar com os que velozmente por ela deslizavam. De manhã, por esta hora a que escrevo, ouvia-se a voz sonora da mulher da fava rica. Depois, mais tarde, era todo o desfilar de pregões das vendedeiras de fruta (de, no seu tempo, os «figos de capa rôta»), de hortaliça (alface fresquinha), do peixe «do alto» (a pescada e o carapau). À tarde eram só frequentes as peixeiras com as canastras à cabeça, batendo o salto da chinela no empedrado da rua, quando bamboleavam os quadris em jeito de onda sensual; os longos peixes-espada cinzentos dependurados a enfeitar-lhes as canastras enquanto, ao meio, sobressaíam os cachuchos rosados de mistura com amêijoas, berbigões, sardinhas, chicharros e besugos já moles de muito mexidos. Às vezes, anunciando a chuva para o dia seguinte, lá vinha o amolador, soprando de modo especial uma gaita que soltava sons de paradoxal melodia e estridência. Sem dias nem horas certas, passava o ferro-velho, enquanto o limpa-chaminés, enfarruscado, vasculho na mão e cordas ao ombro, oferecia os seus serviços de manhã. O fim da tarde era o tempo da camioneta que fazia a distribuição dos cântaros de água de Caneças tapados com uma rolha de cortiça embrulhada num papel verde-alface. De tempos a tempos, ronceiro na ascensão e veloz na descida, vinha o carro «eléctrico» que, ao subir, tinha paragem mesmo em frente da porta do prédio donde observava o mundo. Saía gente e raramente alguém entrava (não valia a pena pagar bilhete para chegar ao largo da Graça! Tempos difíceis!).
Um pouco mais a baixo e um pouco mais acima da oficina, as duas vivendas eram habitadas por oficiais do Exército e suas famílias (mais outro apelo a seguir a carreira castrense): o Sr. Engenheiro (coronel daquela Arma) e o Sr. Major. Lá no prédio já sobranceiro às escadinhas, na curva, vivia um outro... Chegou a general e malogradamente morreu em Angola num acidente de aviação que ceifou todos quantos o acompanhavam: chamava-se Silva Freire (dou comigo a pensar neste momento: - Com tantos oficiais na minha «frente», será que funcionaram como uma espécie de espelho para o meu futuro? Ter-me-ei deixado impressionar com o aparato das fardas ou prevaleceram a educação nos Pupilos do Exército e a influência familiar?).
Ao ver todos quantos calcorreavam a minha rua, sem infantário para onde ir, foi, olhando-os, com a testa encostada à vidraça, que aprendi, pela mera observação, a crueldade das diferenças sociais, a brutalidade dos sistemas repressivos. Na maior parte das vezes, a aprendizagem era lenta e inconsciente, mas, momentos houve, em que a marca se fez como quem, pelo ferro em brasa, garante a posse do animal.
Hoje, a grande janela dos meninos para o mundo tem um nome novo! Chama-se televisão. Deixa-os ver o que outros programam. O sonho e a fantasia, a realidade, a alegria e a tristeza são fornecidos a conta-gotas como quem dá remédios ou venenos. Mas a vidraça é tão grossa que o real ganha tons de brincadeira, por isso a violência pode ser disponibilizada sob todas as formas e em todos os momentos. Comigo foi doutro modo. Eu conto.
Comecei por me aperceber do trabalho, fosse mecânico, braçal, intelectual, comercial ou de qualquer outro tipo. Na minha televisão os actores eram reais. Se para eles fazia sol e calor, para mim também; o frio chegava ao mesmo tempo à rua e à minha janela, tal como a chuva e o vento. Estávamos todos de pé; eles, porque na rua, eu, porque no banquito que me dava tamanho para alcançar o parapeito.
A primeira experiência com a mão pesada da repressão foi vivida à minha janela. Caso curioso, sobre quem queria ganhar a vida fugindo aos impostos!
Realmente, mais ao fim da tarde que de manhã, lá vinham, quase todos os dias, do lado de Sapadores os polícias cívicos perseguir as vendedeiras as quais, não olhando a prejuízos, fugiam rua abaixo, deixando cair o que das cestas ou canastras estava mal seguro; por vezes, até um chinelo ficava para trás. De todos os «cívicos» um, à paisana, aterrorizava-as mais do que qualquer outro: o «seis dedos»! Era expressão que soava com a rapidez do relâmpago: - Vem aí o «seis dedos». Antes perder parte da mercadoria que ir para a esquadra do «seis dedos»! Era uma repressão que me incomodava. Não compreendia como tão poucos podiam assustar tantos!
O mais brutal encontro com a repressão, com a violência gratuita, injustificada foi no fim de tarde de 8 de Maio de 1945 (a data soube-a mais tarde, como é evidente!).
Espontaneamente, vinda não sei de onde, começaram a descer a minha rua duas ou três dezenas de pessoas, talvez mais. À frente, um homem com uma bandeira de Portugal presa num pau. Pareceu-me grande a bandeira, muito grande. Lá em cima, na curva, junto às escadinhas, estava parada uma camioneta da PSP. Daquelas que não tinham portas, de bancos corridos como certos carros «eléctricos». De lá saltaram os «cívicos» de cassetete em punho e vá de dispersar, à pancada, todos quantos davam largas à satisfação de a Alemanha se ter rendido. Quem mais apanhou foi o homem da bandeira. Eu já sabia (fora o meu Avô quem me ensinara) que aquele pano verde e vermelho com umas coisas no meio era a bandeira de Portugal (os homens paravam, punham-se direitos, tiravam o chapéu quando a tropa passava com a bandeira à frente ou, quando ao pôr-do-sol, à porta dos quartéis, ela descia do mastro grande ao som de cornetas). A bandeira era Portugal; a República Portuguesa.
Nessa tarde de Maio, na insegurança dos meus quatro anos ainda há pouco completados, rebentava-me no peito a fúria da injustiça a que assistia da janela da casa que me viu nascer. Segurava-me a minha Mãe, não fosse baldar do banquito de onde via o mundo.
Como poderia a polícia bater em quem levantava tão alto a bandeira tão grande de Portugal? Ele, esse herói desconhecido da minha meninice, quanto mais era sovado mais erguia a mão onde segurava o símbolo que muitos respeitavam. Caiu no empedrado do passeio, junto à porta da oficina de metalomecânica, mesmo em frente da minha janela, quando, cercado de «cívicos», lhe batiam na cabeça, no tronco e lhe davam pontapés. Inconsciente, arrastaram-no para a camioneta sinistramente parada lá em cima na curva, junto às escadinhas. A bandeira, essa ficou no chão, espezinhada e rasgada.
Ainda hoje sinto a revolta daquele momento, a onda que me sufoca, a raiva que me dói. Afinal, a bandeira, a grande bandeira que um herói desconhecido levantava bem alto em sinal de alegria por se terem rendido os tiranos, continua rasgada, mais espezinhada, quase esfarrapada, caída no passeio em frente da minha janela, onde já não há oficina de metalomecânica, mas uma loja de ocasião num prédio «moderno», dos anos 50 do século passado. Uma só vez, depois do fim de tarde desse longínquo Maio, ela se ergueu, restaurada, remoçada, drapejando alegremente ao sol de uma nova aurora. Uma só vez! Faltava pouco para fazer vinte e nove anos que ali estava, aos olhos de todos sem que ninguém a visse... Foi na madrugada de 25 de Abril de 1974. Eu já era oficial. Fardava como os outros da minha infância, mas sonhava um Portugal onde jamais alguém batesse no Homem da bandeira! Um Portugal justo, alegre, feliz, sem miséria e com trabalho para todos.
Quem foi que de novo derrubou, no empedrado do passeio, em frente da minha janela, a bandeira, a grande bandeira de Portugal? Quem matou, nos matou a esperança daquela madrugada? De que curva das ruas da vida e do mundo saíram estes cívicos que destroçaram os nossos sonhos? Que nos estão arrastando exangues, quase inconscientes, para um qualquer calabouço?
Desliguem as televisões, silenciem os rádios, tirem as letras aos jornais, mas deixem-nos sonhar com a Liberdade. Deixem as crianças do meu país crescer na esperança desintoxicada de terem uma janela para verem o mundo ser feliz. Deixem...

quarta-feira, outubro 5

Os partidos políticos em Portugal e as ideologias

Nos anos que se seguiram a 1974 foi grande a discussão sobre as ideologias políticas prosseguidas ou defendidas pelos partidos da altura. Imagine-se que Diogo Freitas do Amaral, então figura de proa do CDS, chegou a dizer na televisão, que o seu agrupamento político defendia um socialismo cristão, prevendo o fim da pobreza no país. O caso mais confuso foi o do PPD quando o PS afirmou, pela boca de Mário Soares, que «guardava na gaveta o socialismo marxista», porque, então, passaram a coexistir dois partidos social-democratas ou que diziam defender a social-democracia. E a discussão subiu de tom quando o PS inviabilizou a filiação do PPD na Internacional Socialista. Foram tempos inesquecíveis para quem os viveu com atenção e intensidade, acima de tudo pela riqueza de sonho e crença na mudança.
Tudo se alterou após a adesão à Comunidade Económica Europeia. A discussão ideológica deixou de ter sentido. Imperou a «subsídiocracia» ou seja, a caça aos dinheiros da Europa. Sabia-se que, mais tarde ou mais cedo, o largo sector da economia nacionalizada iria ser entregue à gestão privada - porque a intervenção do Estado em parte maior na economia alterava as regras da livre concorrência - e que, mais dia menos dia, os capitais nacionais e internacionais acabariam por dominar, novamente, impondo as regras do mercado, subvertendo, de uma vez por todas, o Estado-providência que a crise de 1929, nos EUA, havia feito desabrochar e que tão excelentes resultados tinha dado na Europa e um pouco por todo o mundo. Mas esta certeza estava ainda envolta numa névoa espessa nos anos 80 do século passado. Pairava nas teorias do Senhor Fryedman e nas arremetidas práticas de Ronald Reagan e Margaret Teatcher, mas eram prontamente combatidas por todos os keynesianistas convictos... o Estado jamais claudicaria perante a livre concorrência, diziam.
No começo dos anos 90 deu-se como que a implosão do sistema de economia planificada praticada na União Soviética e nos restantes países onde estava implantada, excluindo Cuba e a China; o muro de Berlim caiu; o comunismo desapareceu. Ruía uma doutrina política pela qual milhões de cidadãos do mundo haviam sofrido a tortura e a morte. Os partidos comunistas perderam o seu «padrão de referência». Como seria, doravante o comunismo na prática? Não se sabia e continua a não se saber, porque, igual ao que foi na URSS, nunca mais vai tornar a ser! Semelhante ao da China Popular também não!
Se a adesão à CEE havia retirado sentido à discussão ideológica na política portuguesa, a implosão do comunismo completou esse vazio
Olhe-se hoje, com atenção, para os partidos políticos portugueses - o que são eles, efectivamente, do ponto de vista da ideologia?
O Bloco de Esquerda é o que o próprio nome diz: um «bloco». Dito de outro modo, uma junção de intenções que pretendem plasmar a esquerda que se não identifica com o Partido Comunista nem com o Partido Socialista. Não é um projecto; é um contra-projecto. Se, por um passe de magia, alcançasse o Poder, rapidamente o veríamos decompor-se nas suas diferentes sensibilidades, nos seus diferentes modos de entender o socialismo e a sociedade socialista.
O Partido Comunista, ideologicamente é o «esqueleto» do marxismo-leninismo; resta-lhe, como elemento aglutinador, o marxismo o qual terá de ser «reinventado», «reimaginado», para ser concebido como rumo revolucionário de uma sociedade justa dentro da modernidade de um mundo de países ricos e de países paupérrimos. Que tipo de sociedade justa será essa? Um marxismo para um Estado de cada vez e à medida das suas possibilidades ou um marxismo global e, por conseguinte, à escala mundial, à semelhança do capitalismo da globalização? Ora, não cabendo nenhum destes papéis ao PCP, o único que pode continuar a desempenhar, com alguma coerência, é o de se limitar a desenvolver oposição ao capitalismo neo-liberal que avassala a economia portuguesa. O acesso ao Poder está-lhe negado se não se quiser negar como partido defensor dos trabalhadores e dos deserdados.
O Partido Socialista debate-se na mais pura incoerência de todos os tempos. Com efeito, para cumprir um programa que o coloque na senda da ideologia social-democrata, tem de se demarcar do tipo de desenvolvimento neo-liberal que se está a impor na União Europeia e no mundo. Ora, essa é uma luta perdida desde o início; assim, tem de alinhar com a orientação do grande capital nacional e internacional, deixando de se poder intitular socialista ou mesmo social-democrata. As últimas medidas adoptadas pelo Governo José Sócrates traduzem a incoerência política ao mesmo tempo que o descair para as soluções que satisfazem aos interesses capitalistas instalados.
O PPD/PSD é um partido que, desde há muito, embora se afirme social-democrata, se afastou, na prática, da política de defesa social para enveredar pela aproximação ao modelo neo-liberal «atenuado» pouco se diferençando da actuação do PS. Contudo, enquanto no passado recente durou o entendimento com o CDS, foi notável a viragem à direita através da adopção de políticas que privilegiavam o capital em desfavor do trabalho.
Finalmente, o CDS/PP é, sem sombra de dúvida o partido onde se acoitam todos os que entendem que só políticas favoráveis ao capital e à direita mais radical se apresentam como solução para o país. Em última análise, este é o agrupamento partidário português que mais e melhor se identifica com uma doutrina política claramente definida.
Em face deste quadro, ou os partidos políticos do centro e da esquerda repensam as doutrinas onde devem ancorar as suas posições práticas para que a sua actuação possa ser coerente e identificável pelo eleitorado ou o pseudo pragmatismo em que vivem arrastará as soluções económicas e sociais para os braços do capitalismo revivalista e desumano cujos contornos se definem nalguns países do mundo e da Europa.
Será esse o caminho que os Portugueses desejam trilhar?

sábado, outubro 1

O medo do sigilo bancário

De novo voltou às páginas da imprensa portuguesa o problema do sigilo bancário. Isso leva a perguntar-me: - quem tem medo que se quebre o segredo bancário?
Provavelmente, em primeiro lugar, os próprios bancos. Realmente, para quê investigar a procedência daquilo que lhes dá lucro? Era como se um armazenista de maçãs, que sabe irem vender-se todas as que lhe dão a guardar, denunciasse os produtores de lhe entregarem grandes quantidades podres! Só uma elevadíssima noção de serviço público, responsabilidade política e civismo o levaria a actuar de vontade própria. O egoísmo e a ganância do lucro fácil fá-lo calar-se. Para se conseguir o contrário só uma apertada fiscalização seria garante da sanidade dos produtos. Se quem detém a autoridade para fiscalizar não manda fazê-lo está a ser conivente com a ganância do armazenista.
Em segundo lugar, não estão, evidentemente interessados na quebra do sigilo bancário todos os depositantes que têm de explicar a proveniência de dinheiros cuja origem não é lícita, ou seja, no exemplo anterior, quem produz maçãs de baixa qualidade e não se importa com a segurança e o bem-estar da sociedade. Aqui prevalece a ganância e o egoísmo do produtor. Mas, nestas circunstâncias, uma vez mais, o detentor da autoridade é conivente, por omissão, com o infractor social.
Finalmente, opõem-se à medida, os honestos cidadãos crentes no seu legítimo direito à privacidade e, assim, defendem-na intransigentemente, mesmo que, deste modo, estejam a possibilitar actividades ilícitas e condenáveis. O seu soberano egoísmo impossibilita-os de apoiarem todos quantos podem e conseguem exigir do Governo a adopção das medidas correctivas para evitar negócios e lucros condenáveis.
Posto o problema em equação deixem-me olhá-lo e conduzir-vos, a vós, meus leitores, para caminhos onde a imaginação descobre soluções agradáveis a todos. De certeza não as vou inventar... Inspiro-me noutras que sei existirem em países bem próximo de nós. Vamos, então, ensaiar o que me proponho.
O sigilo bancário é um mito. Um mito como qualquer segredo que esteja na posse de mais de duas pessoas! Repare o leitor que o seu melhor amigo pode trabalhar no banco onde deposita o pecúlio que constitui património pessoal e por onde correm todas as transacções que efectua (quem diz amigo, também diz inimigo); ele poderá ter – e tem – acesso às suas operações bancárias, ao seu dossier; ele vai saber o que o leitor julga bem guardado. Na conversa de «café», no serão em sua casa, no jantar de família, pode contar-lhe as maiores aldrabices para justificar a sua vida financeira e económica que ele, só por discrição e profissionalismo, não se lhe ri na cara e não lhe põe, como o Povo diz, a careca à mostra. Também não o faz para garantir o emprego, contudo, na verdade, para ele, o meu leitor, não tem segredos... Nem para ele nem para nenhum dos funcionários do banco. O segredo repousa, afinal, na confiança que todos nós podemos depositar nos empregados bancários.
Esclarecido este aspecto, poderemos olhar o problema do sigilo bancário de uma outra forma.
Na vida comercial interessa a quem vende saber se quem compra pode, efectivamente pagar (qual será o interesse de vender um bem de valor avultado para, passados poucos meses, estar a mover uma acção judicial de penhora?), tal como ao Estado, para verificação de fuga a responsabilidades fiscais, interessará simplesmente conhecer a posição financeira do suspeito ou seus familiares, sem ter de entrar em pormenores.
Pensando numa solução francesa o sigilo bancário seria facilmente ultrapassável recorrendo a um código de cores a que a banca teria de aderir.
Assim, no caso do vendedor estar interessado em saber se o comprador tem fundos financeiros suficientes para pagar ou dar garantias numa operação significativa bastava informar-se de qual a «cor» do hipotético comprador. Verde correspondia ao depositante com uma vida financeira desafogada, sem problemas anteriores de créditos mal parados; amarelo indicava um cliente com fracos recursos financeiros e/ou situações anteriores de crédito problemáticas; vermelho era a indicação de falta de fundos ou de património financeiro incapaz de suportar uma operação de crédito ou/e, também, de cliente com um currículo financeiro indesejável.
Quantas acções judiciais deixavam de entrar em tribunal por ano? Mas se acaso, depois de receber um aviso amarelo ou vermelho o vendedor quisesse prosseguir no fecho da transacção isso impedi-lo-ia de apresentar queixas futuras. O prejuízo seria suportado por quem tinha induzido um mau comprador/pagador a comprar e pagar. Claro que para o sistema funcionar o vendedor teria de indicar ao banco o montante da venda e do crédito necessário... Mas esse dado não me parece carente de salvaguarda sigilosa.
Na hipótese de serem os responsáveis pelas cobranças fiscais a pretenderem saber a situação financeira de um suposto fugitivo às obrigações fiscais bastava, junto de toda a banca nacional informar-se de qual a «cor» do presumível infractor, indicando valores limites de patrimónios financeiros. Assim, no caso de serem superiores a K milhares/milhões de euros a cor seria branca; entre K e Y (sendo este menor que aquele) a cor seria laranja; e, por fim sendo menor que Y (desde que correspondente a um montante incompatível com a declaração de rendimentos ou dos sinais exteriores de posse de bens) a cor poderia ser castanha.
Seguindo um processo desta natureza, o mitológico segredo bancário estava salvaguardado e a actividade fiscalizadora do Estado podia efectuar-se com bases seguras, para além de se reduzirem os riscos de maus negócios, de créditos mal parados e de substanciais aumentos de processos judiciais a atafulhar os tribunais.
Assim o colectivo, o social, o comunitário impunha-se ao egoísmo que campeia entre nós e é apanágio das sociedades deformadamente nascidas do demo-liberalismo do século xix e incentivadas pelo neo-liberalismo do século xxi.
Oxalá, a imaginação, a saudável imaginação, fosse apanágio do Governo Sócrates, tão aparentemente desejoso de corrigir os desvarios orçamentais e as imoralidades. Contudo, não me parece que a imaginação seja o «prato forte» dos senhores ministros, pois servem-nos mais do mesmo e, ainda por cima, requentado.

segunda-feira, setembro 26

As medidas sociais dos socialistas de Sócrates

Antigamente, eram as obrigações de serviço que me impunham a alvorada bem cedo; agora é a idade. Se fico deitado mais do que umas escassas seis horas acordo com dores no corpo. Salto da cama e venho para o computador ler a correspondência (electrónica) que chegou, dar uma vista de olhos pelos títulos dos jornais portugueses e estrangeiros e, depois, quando já é intenso o movimento sobre a ponte Vasco da Gama (porque da minha janela vejo uma parte do rio e a ponte!), começo a escrever. Escrever ou para os meus blogs ou para as associações que me pedem colaboração nos seus boletins ou fazendo apontamentos para trabalhos mais profundos a publicar mais tarde... não sei quando. Também não me preocupo muito com isso.
Depois da crise militar (ou com os militares) que parece já ter passado (mas, realmente, não passou), ainda em cima do conflito com o pessoal beneficiário do sistema de assistência sócio-sanitária dos magistrados e funcionários judiciais, vêem a lume as notícias dos cortes dos subsídios sobre o preço dos medicamentos. É um vendaval arrasador que está a cair sobre o nosso país. As medidas anti-sociais parecem ser disparadas pela «arma» empunhada por qualquer partido do espectro da ultra direita!
Pergunto-me, no silêncio da vista da minha janela, se o Governo que elegemos é, realmente, socialista? São tão paradoxais as soluções políticas que encontra que, de certeza, ou estamos a viver um sonho colectivo ou «eles» não são socialistas. Na verdade, podem sê-lo! Mas sofreram qualquer traumatismo craniano que lhes modificou, em absoluto, a maneira de pensar. Só assim se explicam as disposições legais impostas ao país.
Sabemos que há pessoas, milhares de pessoas, que vivem em Portugal (estou a dizer EM PORTUGAL) com rendimentos abaixo do limiar da pobreza. Da pobreza portuguesa; não estou a falar da pobreza de outros países europeus! São velhos, às vezes sem família a quem pedir ajuda financeira, carenciados de tomarem medicamentos com um custo elevado. Tão caros que só lhes restam duas opções: ou comem e não se tratam ou se tratam e não comem. Mas o curioso é que, até há pouco, os idosos portadores de certas doenças e com falta de recursos monetários, recebiam gratuitamente os remédios de que dependem. Agora têm de pagar 5%. Mas cinco por cento de quem só tem para viver num mês inteiro menos de 300 euros é uma fortuna! E se estes medicamentos, até agora, eram fornecidos gratuitamente não é por serem baratos! É por serem muito caros. E 5% de muito caro, para quem tem muito pouco, é muito caro ainda!
Às vezes dou comigo a pensar: será que Sócrates pretende meter a maioria dos Portugueses numa espécie de campo de campo de concentração sem guardas nem redes de arame farpado de modo a conseguir efectuar uma «limpeza», não de carácter étnico, mas de carácter económico, de modo a sobreviverem os mais vigaristas e (não sei se consequentemente) os mais ricos? Será?
Só assim se justificaria a TRAIÇÃO socialista a ideais de solidariedade social para com os mais pobres e desprotegidos. Afasto estes pensamentos por os julgar vindos de qualquer parte desconhecida do meu cérebro onde guardo as câmaras de horrores; onde guardo, se calhar, a visão infantil do Inferno e do Demónio. Faltarão, a Sócrates, uns corninhos na testa e uma cauda com a ponta em forma de seta? Estou a delirar! Isto não se pensa de um Primeiro Ministro e, muito menos, se ele for socialista! São as tentações de Belzebu, de que me falavam os padres na catequese, quando eu ia, de calções, à igreja de Nossa Senhora dos Anjos, em Lisboa, aprender a conformar-me com o destino, com a miséria, com a doença, porque tudo era resultado da santa vontade de Deus Nosso Senhor.
O Sr. Dr. António de Oliveira Salazar também era governante por vontade de Nosso Senhor e, também, nos obrigava a termos paciência e a viver a nossa pequena riqueza (que para muitos era uma grande miséria) visto que tinha vindo, providencialmente, livrar-nos da Liberdade e da Democracia que os republicanos, em 5 de Outubro de 1910, nos haviam imposto, desligando-nos da Santa Madre Igreja. Eram muito diligentes as catequistas e os senhores padres da igreja dos Anjos!
Há tempos vi um mendigo, andrajoso, em plena luz do dia, na rua Camilo Castelo Branco, junto à praça Marquês de Pombal, a rebuscar nos caixotes do lixo de um restaurante que por ali existe, comendo restos de comida apanhados com as mãos negras e levados à boca com sofreguidão.
Já tinha visto noutras alturas espectáculo semelhante e lá me vem sempre à lembrança a igreja de Nossa Senhora dos Anjos, em Lisboa, porque, do lado de lá da avenida Almirante Reis (um dos tais republicanos contra quem tanto apostrofava Salazar, mas que já toda a gente esqueceu!) havia um edifício (que ainda existe) onde os pobres, em fila ordeira e paciente, esperavam, de lata na mão, a sua vez de receberem uma sopa e um naco de pão de enésima categoria. Chamávamos-lhe mesmo «A Sopa dos Pobres». Nesse tempo de não Democracia e de não Liberdade os pobres não andavam a comer dos caixotes (pelo menos nós não os víamos... Talvez não os deixassem chafurdar nos restos dos ricos ou, talvez, porque ainda não havia caixotes do lixo em Lisboa).
Pondo de lado a ironia, será que, quando já começo a estar velho, este Portugal se está a parecer com o da minha infância ou trata-se de mero pessimismo da minha parte?
Senhor Engenheiro, Senhor Engenheiro, veja por onde vai!!!!

terça-feira, setembro 20

A primeira legislatura deste Governo Socialista

Quem ouvir falar o Primeiro Ministro, o Dr. Luís Amado, o ministro das Finanças, da Economia e todos os outros, incluindo a ministra da Educação, ficará convencido (será que fica?) de que este Governo tem uma estratégia bem definida para resolver a situação económica e financeira portuguesa. Tudo parece articulado, e bem articulado. Mas experimentemos olhar para as acções... Aí percebemos que há um desfasamento significativo entre o discurso e os actos. Continuam as colocações em bons cargos por claro compadrio, os desacertos entre os números anunciados e os apurados por especialistas, enfim, a desordem. E tudo isto é assim, na minha opinião de cidadão livre e, julgo, informado, por um único motivo: estão-se a alterar todas as «regras do jogo» a meio do mesmo «jogo». Quer dizer, quando o «jogador» julga que marcou pontos positivos por ter alcançado o alvo, dizem-lhe que, afinal, o dito alvo já não estava no local suposto. Vejamos.
O incauto cidadão funcionário público julgava que só precisava de determinado número de anos de serviço para adquirir o direito à pensão de reforma. Enganou-se. Tem de trabalhar mais anos. As forças de segurança, os militares, os magistrados julgavam que tinham, em consequência das suas actividades, um determinado sistema de segurança na saúde. Enganaram-se. Passaram a estar integrados noutro ou num com as regras de outro. Os professores do ensino secundário julgavam que o sistema de concurso e colocação nas escolas ia ser igual ao dos anos anteriores. Enganaram-se. No próximo ano vai ser outro. Os trabalhadores independentes julgavam que a taxa de contribuição para a segurança social ia manter-se nos valores que vinham do antecedente. Enganaram-se. Foi aumentada. Os Portugueses acreditaram que o valor do IRS não subiria. Enganaram-se. Foi logo a primeira coisa que o Governo fez. Enfim, basta de procurar mais exemplos para provar a veracidade da minha afirmação.
Em face do exposto, admito, os sentimentos que surgem são, tão simplesmente, estes: ou se sai do «jogo», ou se deixa de «jogar» (o que não é o mesmo que sair), ou se arredam os «donos do jogo». E isto, pergunto eu, porque se está contra as reformas necessárias para fazer Portugal sair da crise em que os sucessivos Governos, desde o «tempo das vacas gordas», nos lançaram? Não. É mais elementar do que esse raciocínio simplista... Porque devia-se começar «novo jogo» enquanto se deixavam extinguir os «jogadores» do «velho jogo»! Assim era correcto para toda a gente; assim era justo para todos; de contrário é incorrecto e injusto.
A prova (se mais fossem precisas!) foi nos dada há bem poucos dias quando, para cumprir uma promessa eleitoral (que dá jeito manter e levar por diante neste tempo de mudanças conturbadas e imponderadas), o Presidente da Assembleia da República aprovou a alteração de uma regra que vinha sendo cumprida há mais de vinte anos. Refiro-me ao caso da duração da primeira legislatura deste parlamento. Tendo começado em Fevereiro de 2005 deveria acabar, segundo a regra do Direito consuetudinário imposta pela prática passada, em Setembro de 2006. Não, acabou em Setembro corrente! Mais uma regra de «jogo» alterada a bel-prazer dos «donos do jogo»!
O mais grave de toda esta situação é que os governantes, os responsáveis, os «donos do jogo» querem convencer-nos da lógica deste comportamento ilógico e obtuso.
Já vivemos, há vários anos atrás, a «arrogância do cavaquismo» (é bom não nos esquecermos disso!), será que vamos agora começar a viver a «arrogância do socratismo»? Será esta «arrogância» a forma prática de desenvolver a «dúvida socrática»? Se assim for, valha-nos um deus, seja ele qual for!

segunda-feira, setembro 19

Problemas energéticos: as centrais nucleares

O preço do petróleo continua a subir em relação há dois ou três meses atrás. Tudo tem encarecido como resultado deste fenómeno.
Quem se recorda do disparo do preço do barril de crude em 1973 tem consciência de como se alteraram conceitos de vida e comportamentos nessa altura - como mera hipótese académica, poderia, até, propor-se uma investigação onde se procurassem as relações remotas entre a crise petrolífera de então, a retirada das tropas dos EUA do Vietname e a ocorrência do 25 de Abril em Portugal.
Acontece que, desta vez, não se sente uma reacção conjunta ou conjugada, partindo dos grandes centros de decisão mundial. Assim, há economias que vão conseguir superar este galope energético e outras que se desmantelarão por completo. Portugal está na franja mais esfarrapada dos países dependentes, pesem embora quaisquer acordos que possa vir a fazer-se com o Governo de S. Tomé e Príncipe e de Angola. Tem de se ser capaz de olhar para a situação de modo frontal, equacionando soluções rápidas e eficazes. As energias alternativas podem representar tentativas de resolução, mas não são processos efectivos.
Há cerca de vinte e cinco anos, foi bastante ventilada a hipótese da construção de uma central nuclear. Até se falava na zona do Baleal, próximo de Peniche. Ouviram-se clamores e ranger de dentes por causa do perigo dos desastres que, a acontecerem, poriam em causa a vida em Portugal. É verdade que sim. Mas, é também verdade, que com carência energética se irá morrendo de outra forma. Entretanto, aqui ao lado, bem próximo da fronteira com o nosso desnuclearizado país, a Espanha construiu as suas centrais e, com isso, conseguiu um salto industrial impossível de igualar se ficasse à espera, em exclusivo, dos ventos, das barragens, do carvão ou de outros métodos alternativos. Se ocorrer um acidente grave não sofrem só os Espanhóis... os Portugueses não escapam. Disso não tenhamos dúvidas! Assim, risco por risco, talvez não fosse má ideia começar a pensar na solução nuclear.
Em termos de custos, não são projectos comparáveis, mas entre um novo aeroporto de Lisboa, uma rede de TGV e uma central atómica, não me restam dúvidas que, como solução económica, a última hipótese viria solucionar muitos problemas em Portugal. Não estará na altura de começar a reequacionar soluções, apontando ao futuro?

sexta-feira, setembro 16

Os parques de estacionamento automóvel

Embora Portugal seja dos Portugueses, há em Portugal espaços públicos e espaços privados. Assim se convencionou no Direito e assim aceitamos como verdadeiro. Por conseguinte, há quem não tenha mais de seu do que as ruas e caminhos por onde anda - os chamados espaços públicos, porque tanto é desse como de outro qualquer - e há aqueles que detêm pequenas ou grandes propriedades que, no dizer bem expressivo dos Brasileiros, pisam o «seu chão».
Não quero entrar em divagações desnecessárias, mas não me escuso a recordar quão mal enganados estão todos os que julgam possuir, realmente, uma propriedade sua! Na verdade, não têm nada! Ou melhor, têm tanto quanto todos aqueles que nada têm. E isto é tão simples quanto a impossibilidade de qualquer cidadão português poder vender ao Estado espanhol, por exemplo, um pedaço de terreno que passe a ser território de Espanha. Ninguém pode vender Portugal, mesmo que seja dono de todo o território português e de tudo o que está construído sobre o solo nacional! Isto prova à saciedade que, como dizia, ninguém é realmente dono daquilo que julga que lhe pertence. Tudo é nosso e, simultaneamente, de nada somos donos.
Vem isto a propósito dos parques de estacionamento automóvel que alguns municípios - nomeadamente o de Lisboa, Loures, Cascais e outros por esse país fora - resolveram municipalizar, deixando as ruas de serem espaços públicos para serem pertença das Câmaras. Ao tomarem tal decisão - o Estado e os municípios - reforçaram o seu direito de propriedade sobre algo que já lhes pertencia. Mas não o fizeram inocentemente! O seu intuito foi bem claro: passar a extorquir aos automobilistas, utilizadores do espaço de estacionamento dos seus veículos, gordas quantias pelo aluguer de um tempo determinado de uso de um espaço que, até aí, era público. Mas o requinte da vigarice foi mais longe: venderam o direito de fiscalização e da consequente multa por infracção a empresas ditas municipais, isto é, alienaram o poder coercivo e coactivo, que ao Estado compete ou a organismos que dele fazem parte ou o integram, a uma nova entidade distinta das chamadas forças de segurança e manutenção da ordem pública. Neste caso, tornaram privado o que deve ser exclusivamente público. Absolutamente inaudito! É, com toda a razão, uma vigarice, digna dos mais insignes trafulhas. Vejamos.
A manutenção, de todo o tipo, de espaços públicos é uma obrigação do Estado - que, por razões operativas, a pode delegar, na totalidade ou na parte, nos municípios e nas juntas de freguesia - cobrando aos cidadãos os respectivos impostos para fazerem face às despesas necessárias. Assim, é suposto que, cada um de nós, quando liquida a carga fiscal que o Estado lança sobre tudo e sobre todos, está a pagar, também, o direito a estacionar o seu veículo nos espaços públicos a isso destinados. É justo que assim seja. Igualmente justo é que quando o cidadão estaciona o seu veículo em qualquer local que, por força dos códigos respectivos, lhe seja vedado pague a respectiva coima passada pelo agente do Estado e pelo Estado investido com a autoridade para esse efeito. Mas a vigarice começa quando para estacionar o veículo em local público apropriado lhe é exigido um pagamento adicional que corresponde a um aluguer temporário, visto que, se não pagar novo aluguer no final do tempo previsto, incorrerá o incauto cidadão, em pesadas coimas que poderão chegar à retenção do uso do seu próprio veículo. Isto brada aos céus! Isto deixa de fazer do Estado uma pessoa de bem, para o tornar num digno descendente de qualquer salteador do pinhal de Leiria, dos tempos que já lá vão (e sem ofensa para os honestos Leirienses, claro). Mas, como é sabido, a «coisa» não acaba aqui. É que, se for bem gerida a empresa municipal a quem é «alugado» o direito de vigiar e multar os cidadãos, poderá ela auferir rendimentos que serão distribuídos, não faço ideia como, pelos respectivos accionistas (se se tratar de uma sociedade anónima) ou pelos sócios (se for uma empresa de responsabilidade limitada) ou, como parece que é, pelo município já que se trata de uma empresa municipal. Claro que, entretanto, os respectivos administradores vão auferindo, à custa da dupla ou tripla apropriação de um espaço público, de chorudos vencimentos! E, claro está, dá-se a uns pobres empregados, contratados a título precário - aqueles que andam a passear a sua ignorância pelas ruas das cidades, segurando uma máquina electrónica de passar coimas -, a falsa ilusão de serem representantes «da autoridade do Estado ou do município». E isto é o pior, porque, como bem diz o velho provérbio português «se queres conhecer o vilão, mete-lhe a vara [da Justiça, entenda-se] na mão».
Se tudo isto não é uma vigarice, a que será que deveremos passar a chamar tal coisa?

quinta-feira, setembro 15

Os fogos florestais

Todos os Portugueses foram, durante os meses de Junho, Julho, Agosto e os primeiros dias de Setembro literalmente submersos nos mares de chamas que devastaram a floresta do país.
Não escapei à informação televisiva. Fui esmagado pelas imagens que nos deixaram um sabor a angústia e tristeza deste Verão que está no fim.
Há dias fiz o percurso de Lisboa a Braga pela auto-estrada. Fiquei estarrecido com o que fui vendo. A amostra é elucidativa. Para se ter uma noção clara do flagelo que se abateu sobre as populações, basta olhar com atenção daquela artéria que liga o Sul ao Norte.
Tentei encontrar justificações para este cataclismo. Repetir o que ouvimos nas televisões, nas rádios, nos fóruns, nos debates seria fastidioso, contudo, há uma explicação que não foi dada, porque já toda a gente se esqueceu de como se vivia há, pelo menos, quarenta, cinquenta anos atrás. Depois de vos dizer, todos vão bater com a palma da mão na testa e dizer: - Mas é uma evidência!
A modernidade faz-nos esquecer bem rapidamente os hábitos tradicionais; o «eléctrico», no começo do século xx, remeteu para o olvídio o coche, a caleche, o cabriolet, a carroça e, até, o típico «americano» que circulava nas ruas de Lisboa; a esferográfica fez cair em desuso a caneta de tinta permanente; o computador empurrou para fora das linhas de consumo as velhas máquinas de dactilografar. Pois é, e o forno eléctrico para cozer o pão arrumou para sempre a tradicional sabedoria de amassar a farinha e cozê-la no milenar forno de lenha!
Quantas padarias desapareceram por esse país fora? Quantos fornos caseiros ficaram desactivados e acabaram por ser destruídos? Mas, pior do que este panorama de salto na modernidade, foi o facto de se deixar de ir aos pinhais - próprios e alheios - colher a caruma e as pinhas, os pedaços de ramos velhos caídos no chão, para atear o fogo no lar do forno, empurrando, depois, as brasas bem lá para o meio de modo a que o tijolo guardasse o calor tão preciso para a cozedura do pão fresco. A par desta ausência, vieram, a preços acessíveis, os aquecimentos a óleo ou os chamados «infravermelhos» ou, para os mais afortunados, o ar condicionado. A velha lareira, ou fogo de chão, a par da braseira, desapareceram dos campos e das cidades. Hoje, nos modernos edifícios o «fogão de sala» é um luxo que se limita a consumir madeira de azinheira ou de sobreiro comprada em sacos de 15 ou 20 Kg nos hipermercados das grandes cidades.
Deixou de se «ir à lenha» das matas e das florestas. Aquilo que era uma limpeza «natural» desses espaços propícios aos grandes fogos, deixou de se fazer. Não compensa; compra-se o pão dito «de lenha» - cozido num forno de tijolo aquecido a jacto de gás - nas «padarias» que são, efectivamente, depósitos de pão (às vezes cozido há meses e congelado!), passou a ligar-se um interruptor eléctrico para conseguir a temperatura ideal em casa, nos dias ou nas noites mais frias dos Invernos mais frios. Entretanto, ardem as florestas, as matas, os pinheiros e os eucaliptos, envolvendo meios de ataque ao fogo cada vez mais sofisticados: aviões, hidroaviões, helicópteros. Reinventa-se a Natureza.

Quatro estrelas por um prato de lentilhas

Há dias o Presidente da República, comandante supremo das Forças Armadas por inerência de funções, convidou para com ele almoçarem, no palácio de Belém, o primeiro ministro, o ministro da Defesa Nacional e mais os quatro generais - generais de quatro estrelas - chefes, respectivamente, do Estado-Maior General das Forças Armadas, do Estado-Maior da Armada, do Estado-Maior do Exército e do Estado-Maior da Força Aérea. Não foi um repasto de mera cortesia. Foi, de acordo com as notícias trazidas a público pelos órgãos de comunicação, uma oportunidade de, sentando à mesma mesa, ouvir os responsáveis governamentais e os comandantes militares sobre as medidas anunciadas e aprovadas em conselho de ministros quanto à redução de algumas regalias de carácter social/assistencial de que os militares usufruem como forma de compensação da condição especial que lhes é imposta.
No final do almoço, interrogado pelos jornalistas, o ministro da Defesa Nacional, uma vez mais, veio reforçar a ideia de que havia perfeita sintonia entre os generais e o Governo e que competia aos militares cumprirem as obrigações e os direitos que lhes são impostos pela sua condição.
Salvaguardando a inocência ou/e verdadeira boa vontade do Presidente da República, este almoço foi a armadilha na qual caíram os chefes militares os quais tinham plena obrigação de a perceber, antes de aceitarem o convite, tanto mais que foram oficiais que ainda fizeram a guerra em África! Vejamos, porquê.
Ao sentar à mesma mesa o primeiro ministro e o ministro da Defesa Nacional com os altos comandos militares o Presidente Jorge Sampaio hierarquizou os convivas e, ao fazê-lo, limitou-lhes a capacidade de manobra: os generais estão subordinados ao ministro da respectiva tutela. Ou discordavam ali, ou nunca mais poderiam opor-se-lhe. Das palavras do ministro aos jornalistas transpareceu a unanimidade de pontos de vista e a absoluta concordância. Mas há mais.
Ao sentarem-se estes convivas à mesa de refeições do Presidente Sampaio os generais aceitaram que as associações representativas dos militares não tinham legitimidade para discutirem as medidas do Governo em paridade com eles, chefes militares. Ao fazerem isto esqueceram vários aspectos: em primeiro lugar, que vão ser estas associações que os vão representar quando passarem à inactividade - o que para alguns deles não faltará muito - ; em segundo lugar, que, transparecendo para o público em geral, uma ideia de concordância e bom entendimento com os governantes, os militares do activo, da reserva e da reforma se deixam de rever nos seus chefes para se identificarem com as associações que, de facto, se batem e defendem os interesses que lhes são legítimos e caros; finalmente, que não mantém canais de diálogo - formais ou informais - abertos e constantes com as associações de militares de modo a existir consonância entre chefias militares, associações e os próprios militares representados.

quarta-feira, setembro 14

Carta Aberta para o Ministro da Defesa Nacional

Estive ausente, nas termas. A saúde é um bem que deve ser conservado e, na sua falta, deve ser recuperado. As águas termais, o ar do campo, a boa, mas cuidada, mesa foram elementos que, espero, retemperem o físico.
Antes de ter partido para o Norte, escrevi uma «Carta Aberta» ao ministro da Defesa Nacional. Mandei-lha por e-mail para o Ministério. Não esperava resposta, contudo tive-a, não pela forma comum e habitual, mas através dos acontecimentos que se foram desenrolando. Uma tristeza!
Deixo, aqui, o texto da «Carta», que fiz circular pela Internet, para que os meus leitores possam compreender a razão (ou as razões) dos militares. Não se trata de corporativismo, como o Senhor ministro pretende, de uma forma despudorada, livrar-se da consequente revolta dos militares. Não queremos que se comece a ouvir «o baraulho do arrastar das espadas». Nada disso. Estamos no século XXI, na União Europeia, mas, exactamente por essas razões, o Senhor ministro e todo o Gabinete deve ponderar as medidas que pretende levar à prática.
Aqui fica o texto:

Lisboa, 16 de Agosto de 2005

Exmo. Senhor Ministro da Defesa Nacional

Como coronel da Força Aérea, na situação de Reserva, tenho a liberdade de me dirigir a V. Exa. directamente, sem as limitações da condição militar, visto estar fora da efectividade de serviço. Hoje e agora — se calhar, por enquanto — não se me aplicam as restrições impostas estatutariamente aos meus camaradas na situação de Activo.
No dia 10 de Agosto do corrente ano, foi levada a efeito, por dirigentes associativos militares, uma vigília à porta do palácio e residência oficial do Senhor Primeiro-Ministro, onde ele não estava. Durante a vigília, várias centenas de oficiais, sargentos e praças foram exprimir-lhes a sua solidariedade.
Nos dias que se seguiram, a comunicação social fez eco do desagrado, primeiro do senhor Secretário de Estado da Defesa e depois de V. Exa. pela atitude dos ditos militares, invocando para isso o desrespeito da condição castrense.
Não deixa de ser irónica a postura de V. Exas.! Então, para efeitos de redução de parcas regalias assistenciais que são dadas aos militares, estes vão ser equiparados a funcionários civis, remetendo-os para o âmbito da ADSE, mas, para que possam defender-se dessa desprezível medida, chamando a atenção pública para a iniquidade de tal princípio, já V. Exas. clamam pelo cumprimento da condição militar! Salvo errada interpretação da minha parte, V. Exas., praticando tais princípios, poderão ser tomados como claros adeptos da popular definição de Estado Novo, usada há mais de 31 anos atrás: «comer e calar». Estranha postura para quem integra um Governo socialista!
E é estranha esta postura, partindo de quem, como ministro da Defesa, deveria pugnar pelas boas condições de vida de todos aqueles que justificam o Ministério onde tem V. Exa. assento, mas não o faz! Em vez de os militares se reverem no «seu» ministro, afinal, têm de o olhar como alguém que os desqualifica e desprotege. E, tudo isto é feito em nome do saneamento da situação financeira do Estado a qual passa por afectar aqueles que juraram, tal como V. Exa., cumprir com zelo e lealdade, mas foram mais longe do que V. Exa., porque juraram, defender a Constituição da República Portuguesa e a integridade nacional, se preciso for, com sacrifício da própria vida. É a «funcionários» com esta disponibilidade e esta capacidade de sacrifício, coroadas por restrições reivindicativas, que V. Exa. entende, perante remunerações incapazes de pagar o compromisso que assumiram — porque nenhum dinheiro paga a livre disposição de entrega da vida —, privar de exíguas regalias sociais, quando pululam no aparelho do Estado e em Estabelecimentos públicos, indivíduos abrangidos por sinecuras inconfessáveis e às quais V. Exas., Governantes por vontade do voto do Povo soberano, não são capazes de pôr cobro. Mas, V. Exa. vai mais longe. Vai ao ponto de ameaçar com aplicação de sanções disciplinares aqueles que, vivendo de parcas remunerações, de uma forma em nada atentatória da ética militar, desejam recordar que pedir mais sacrifícios é condenar ao miserabilismo quem deve andar de cabeça bem erguida, fruto da digna missão que escolheu para servir a Pátria.
Senhor ministro da Defesa Nacional, numa democracia que aos militares se deve, num Estado que é obra de soldados, como lapidarmente disse Mouzinho de Albuquerque, «Os cavaleiros tende em muita estima» — como Camões aconselhou a D. Sebastião —, pois não encontra V. Exa. gente mais capaz de justos sacrifícios, mas, também, com mais apurado sentido de Justiça. Reveja, V. Exa., as suas posições e a dos seus colegas de Gabinete, encontrando o equilíbrio conveniente nas medidas a adoptar, porque Soberano é o Povo e só o Povo, em qualquer circunstância, legitima o exercício do Poder.

Ao dispor de V. Exa.

Luís Manuel Alves de Fraga
Coronel da Força Aérea, na Reserva
B. I. n.º 001003 A – EMFA

P. S. Não estranhará V. Exa. que, ao abrigo da livre expressão do pensamento, ponha a circular esta carta na Internet para que possa estar quase em igualdade de circunstâncias o meu desagrado com o desagrado de V. Exa., porque, afinal, ambos somos Servidores do Estado!

quarta-feira, agosto 31

A Carta Aberta para José Sócrates

O (des)governo que se vive em Portugal é assustador!
Os eleitores deram, no último acto eleitoral, a maioria ao Partido Socialista na suposição de que este agrupamento político iria tomar medidas capazes de moralizar, efectivamente, a Administração Pública e o sector económico dependente do Estado; esperaram, também, que, através de medidas de carácter social, se gerassem condições de retoma do investimento; os empresários admitiram a possibilidade de uma rápida reforma do sistema judicial de modo a cortar com as delongas existentes na resolução das demandas pendentes. Numa palavra, os Portugueses acreditaram no milagre prometido por José Sócrates.
Os meses passaram e o manto da mentira, curto e esfarrapado, começa a deixar ver a mentira da governação socialista.
Têm sido várias as decisões adoptadas pelo Governo geradoras de incómodos e revoltas populares. O acto eleitoral que se aproxima vai deixar bem à vista o desagrado do Povo soberano.
De entre as medidas adoptadas o Governo resolveu encetar uma campanha contra a Instituição Castrense, retirando-lhe as poucas regalias que os militares que a servem ainda possuíam em função do tipo de vínculo «contratual» a que estão obrigados. É deplorável que o Partido Socialista tenha alinhado neste jogo, sabendo que estatutariamente os militares na situação de efectividade de serviço não podem reclamar. Trata-se de um acto pouco correcto, porque se machuca quem está ferido no direito de resposta.
Na tentativa de chamar a atenção pública para a pouca correcção das medidas que se pretendiam tomar e já foram aprovadas em Conselho de Ministros, escrevi a carta aberta que se segue, endereçada ao Primeiro-Ministro José Sócrates. Foi publicada na íntegra no Diário de Notícias do dia 15 de Agosto.
Sei que foi lida por centenas de camaradas meus, os quais comungam do mesmo sentimento de revolta que me animou ao escrevê-la.
Por hoje, fica no blog. Daqui a algum tempo voltarei a escrever sobre o assunto, de modo a que todos aqueles que acederem a estas páginas possam compreender quão iníquas são as decisões assumidas por um Governo que todos esperávamos fosse de uma grande integridade e correcção.
Aí vai:


Lisboa, 7 de Agosto de 2005

Exmo. Senhor Primeiro Ministro

Sou coronel da Força Aérea, na situação de reserva, tendo atingido o oficialato há 40 anos, quatro dos quais passei em África, em tempo de guerra, a servir os interesses que o Estado, através do Governo de então, me determinou. A minha família sofreu, nessa altura e, afinal, durante uma vida, os sobressaltos que V. Exa. pode imaginar (será que pode?). Estivemos sempre prontos para mudar de local de residência; para a minha mulher tomar conta dos nossos filhos, por tempo indeterminado, sem que eu lhe pudesse dar qualquer apoio; para os nossos filhos transitarem de escola, de liceu e, se necessário fosse, até de universidade. E tudo isto aconteceu na nossa vida. Tudo isto, a troco de um soldo(vencimento de um oficial militar) que, por ser miserável, o decoro me obriga a calar.
Curiosamente, foi ainda durante a vigência do Estado Novo, quando era Presidente do Conselho de Ministro o Prof. Doutor Marcelo Caetano, que se reconheceu aos militares dos quadros permanentes a necessidade de lhes dar um tratamento diferenciado em certos aspectos de protecção social. Assim nasceu a chamada Assistência na Doença aos Militares (da Força Aérea, do Exército, da Armada) — ADMFA, ADME e ADMA ao mesmo tempo que nascia a ADSE (Assistência na Doença aos Servidores do Estado) e, para todos, a pensão de sobrevivência. Além de se compensar o baixo pagamento dos militares, de todos os postos, especialidades, armas, classes ou serviços, acima de tudo, garantia-se às suas famílias um apoio que lhes era fundamental quando os maridos e pais estavam deslocados ou impedidos de dar assistência aos seus dependentes. Era e é uma forma de segurança social especial, porque o estatuto militar é diferente do das restantes profissões.
Será possível que V. Exa. tenha deliberado acabar com as ADM’s fazendo transitá-las para um regime semelhante ao da ADSE? Será possível que V. Exa. tenha aprovado mandar estudar um recuo para uma situação que nem passou pela cabeça dos Governantes do período ditatorial e fascista da nossa História, quando, ainda por cima, se viviam as contenções económicas e financeiras de uma guerra que, afinal, ninguém queria? Que condenem os familiares dos militares a não terem qualquer tipo de comparticipação financeira em despesas de saúde quando não beneficiem de outro sistema, ou se vejam empurrados para os serviços médicos sociais, seguindo um «alinhamento por baixo»? A que situação levaram os Governos de Portugal, em democracia, esta velha nação? Será possível V. Exa. compreender o que é passar uma vida inteira — quarenta e quatro anos de serviço e vinte de juventude — em sucessivas crises (políticas, económicas, sociais), aguardando por uma velhice reconhecida e economicamente desafogada dentro de princípios que há muitos anos se foram definindo e agora, se vêem alterados abruptamente? Sabe V. Exa. que um coronel, em 1979, tinha um soldo pouco distante de um juiz de círculo, de um director de serviços, de um professor catedrático e que, agora, nos dias de hoje, é, de entre as categorias apresentadas, aquele que menos recebe? E note V. Exa. que cresceu o número daqueles outros funcionários, aumentando-lhes as sinecuras, enquanto se reduziram os efectivos de oficiais — consequentemente, de coronéis — nas Forças Armadas. Quererá V. Exa., Senhor Primeiro Ministro (Servidor temporário do Estado por exclusiva vontade do voto popular e por isso, servidor de todos nós, porque a nós, cidadãos, a nós deve o lugar que ocupa!), socialista por convicção, quererá deixar o seu nome ligado a decisões ignóbeis, acobertando-as com um igualitarismo demagógico e populista? Será que Salazar tinha razão quando afirmava que o país estava incapaz de viver em democracia? Não quero, nem posso, acreditar.

Ao dispor de V. Exa.

Luís Manuel Alves de Fraga
Coronel da Força Aérea, na Reserva
B.I: 001003 A – EMFA
P. S. Não estranhará, certamente, V. Exa., depois do regresso das férias que está a gozar no Quénia, de saber (será que isso lhe interessa, realmente?) que, ao abrigo da liberdade de expressão do pensamento que ajudei, há 31 anos, a construir, pus a circular esta carta na Internet.

A chave perdida está em Israel

Uma das áreas do nosso planeta onde o conflito entre grupos étnicos, políticos e religiosos está presente mais continuadamente e há mais tempo é o Médio Oriente.
Assumiu-se que tal facto se deve à existência de petróleo e à necessidade de controlar a sua produção. Posso admitir que esta justificação constitui uma forte fatia das motivações conflituais. Todavia, há uma outra que, para os povos envolvidos, é francamente mais dolorosa: a existência do Estado de Israel.
Realmente, quando o sentimento de culpa colectivo dos Europeus e Americanos, por terem consentido o holocausto desencadeado por Hitler e os nazis contra os Judeus, se manifestou, no final da 2.ª Guerra Mundial, permitiu que se imaginasse possível a criação de uma pátria, na Palestina, para o Povo Eleito de Deus, exactamente no mesmo espaço onde estavam instalados, havia quase dois milénios, comunidades muçulmanas e judaicas que conviviam pacificamente.
Fraca solução imposta por quem não tinha a experiência do entendimento da História no Velho Continente. De facto, gerou-se o desequilíbrio total na região, não só por colocar, agora, um outro povo na vivência errante, como também por acirrar os ódios religiosos.
Toynbee denunciou isto mesmo no final da década de 40 do século passado. Os Ingleses aperceberam-se do erro tremendo que estavam a cometer, mas a Grã-Bretanha tinha saído da guerra como a «grande vitoriosa derrotada»: a maior fatia de poder mundial tinha passado para as mãos dos EUA e, desta vez, os políticos americanos não iam recolher-se ao seu continente como haviam feito no fim da Grande Guerra, em 1918.
A grande interrogação que todos nós, Europeus, devemos deixar correr coloca-se numa simples frase: — Saberão os Americanos conduzir a política universal?
Os sucessivos fracassos, disfarçados de vitórias — desde a Coreia ao recente Iraque — parecem apontar para uma resposta verdadeiramente negativa. Negativa, por junção da arrogância com a ignorância, da boçalidade com o novo-riquismo.
Para onde vai a Humanidade?

terça-feira, agosto 30

Começar a gatinhar

Pois é! Estou a dar os primeiros passos neste mundo novo. Vamos ver como me vou sair.
Hoje tive um almoço fantástico. Pouco importa o que comi. Nem mesmo a tasca onde comi. O que realmente importa foi ter reencontrado um velho Amigo de infância que já não via há mais de 35 (trinta e cinco) anos. Uma vida — jovem, claro — mas uma vida.
Já não estamos novos, mas durante quase quatro horas foi incrível um recuar no passado. Falámos, também, do presente e, nessa altura, a conversa perdeu calor.
Que presente temos em Portugal? Será que poderemos mesmo pensar em futuro?
Mas, voltando ao meu Amigo de infância, é necessário dizer que ambos somos militares: ele oficial da Armada, eu da Força Aérea; ele quase saneado na sequência do 25 de Novembro (— o que foi isso? — perguntam os mais novos), eu, sobrevivendo ao vendaval. Tínhamos tantas esperanças, há 31 anos! Queríamos um Portugal tão diferente daquele que havíamos herdado e, afinal, depois de se terem desfeito os sonhos, vamos, melhor, os políticos deste país vão deixar aos nossos filhos e aos nossos netos um Portugal tão feio, tão pobre e, acima de tudo, um Portugal desonesto!
Estou a ganhar o jeito de escrever para o blog.
Voltarei nos próximos dias a escrever sobre o tema. Vai ser de tudo um pouco!... Vai ser.

Razão de ser

Mais um blog no universo dos blogs!
Para quê?
É simples. Para dizer tudo o que me apetecer - talvez um pouco de tudo - sobre mim, sobre este Potugal, sobre o mundo, sobre as esperanças e desesperanças.
Vamos ver o que vai sair.
Não procurarei ser exaustivo, mas serei sincero, frontal, talvez provocador, demolidor. Não interessa... Serei eu!
Vamos deixar ficar assim, para vermos como vai ficar.
Por hoje é tudo.