sábado, fevereiro 18

É a loucura ou o fim?

Este país está, como qualquer velho navio de madeira, a abrir brechas por todo o lado e já não há bomba escoadora que o salve de flutuar com água até à amurada.
Então não é que o ministro da Saúde anunciou que o utente vai passar a pagar, pelo menos, metade dos gastos hospitalares, de internamento e restantes alcavalas? Claro que, por pressão do gabinete do primeiro-ministro, ao fim da tarde, já metia os pés pelas mãos e quase dava o dito por não dito.
Todos os recuos neste domínio são perdas de regalias sociais inadmissíveis e que nos empurram, de novo, para os anos 40 do século passado. Com efeito, as gerações mais novas já não se lembram, mas, na altura, para se conseguir internamento nos hospitais civis, ser tratado (mal) em enfermarias imensas, por pessoal desumanizado pelo exercício de uma profissão que tinha respaldo para atitudes despóticas no próprio Governo, era necessário recorrer a uma declaração da Junta de Freguesia na qual se atestava a pobreza ou indigência do doente. É para isto que caminhamos? É para situações deste tipo que nos leva o progresso tecnológico?
O mal do desgoverno no Ministério da Saúde é a ausência de mão forte sobre os administradores hospitalares, responsabilizando-os pecuniária e criminalmente pelos excessos de verbas, pelos desvios de material, pelo malbaratar dos dinheiros. Seja a mão bem pesada sobre a cabeça do mais responsável e dê-se-lhe a possibilidade de ele usar igual peso sobre as cabeças que da sua autoridade dependem. O sistema endireita-se de imediato. Naturalmente que, «enquanto a culpa morrer solteira» neste país de opereta, todos os desmandos vão ser possíveis, recaindo, no pobre contribuinte e utente, o encargo de continuar a alimentar uma máquina de irresponsabilidades e de irresponsáveis.
Para quem esteja já a imaginar-me a fazer a apologia de um sistema político «musculado», do tipo ditatorial, desiluda-se. Eu preconizo responsabilidade e responsabilização com um sistema judicial célere e expedito dentro do respeito das normas democráticas e do exercício das liberdades respectivas.
Se acuso o Governo de desgovernar é porque, ainda há dias, vi uma notícia assaz curiosa na comparação com as declarações do ministro da Saúde.
Então não é que os presidentes das Juntas de Freguesia se acham mal pagos e querem aumentos de salário?!!
Em primeiro lugar, isto dá bem a noção de como andamos todos ao Deus dará, uns, pedindo aumentos e, outro, anunciando cortes. O que faz o primeiro-ministro e o seu gabinete de apoio? Onde está a coordenação que deve existir? Onde podemos encontrar a linha estratégica que deve orientar todos, desde Sócrates até ao mais insignificante representante do Poder local? Como dizia, com muita graça, um meu Amigo, há muitos anos, «se o país fosse uma orquestra, cada figura tocava a música que sabia». E, realmente, «cada um toca o que sabe» e a desafinação é total.
Mas a verdade é que mil quinhentos e cinquenta presidentes de Junta de Freguesia se preparam para reivindicar o pagamento de 750 euros mensais, mais ajudas de custo para deslocações. Curioso é que estes autarcas já recebem, por trabalho a meio tempo, uma média de 500 euros por mês. Assim se está a formar uma classe política profissional que, em nome da «dignificação da função», se vai sentando à mesa do orçamento. Claro que, para pagar estas pequenas mordomias, a políticos e influentes locais, têm de se fazer restrições nos orçamentos de actividades fundamentais como seja a Saúde e a assistência na doença a quem dela precisa pelo desempenho de funções – esses sim – que carecem de ser dignificadas.

segunda-feira, fevereiro 13

Não tarda, ela está aí...

A gripe das aves cada vez está, geograficamente, mais próxima de Portugal. Faltará pouco para que chegue até nós!
Nos jornais estrangeiros (espanhóis, franceses, italianos e britânicos), aos quais todos os dias dou uma vista de olhos, as notícias sobre a gripe das aves vêm na primeira página. Nos nossos, quase reina o silêncio.
Ter-se-ão tomado todas as previdências neste país de improvisadores? Ou só estamos a viver de «fachada», tal como com os incêndios das florestas?
Com o Sistema Nacional de Saúde degradado e com as privatizações dos estabelecimentos hospitalares, será que a resposta a uma epidemia vai ser a mais apropriada?
Desculpem-me os poderes públicos e sanitários deste país, mas não acredito! Não acredito nas afirmações que proferem, porque em situações de crises virais graves, os hospitais não sabem como proceder ou, sabendo, não procedem por falta de meios ou de pessoal. Aliás, entre nós, raramente se fazem simulações de catástrofes para se testarem os meios envolvidos. É o resultado da tão badalada capacidade de improviso. Da qual até fazemos gala!
Alguém já ouviu falar da simulação de queda de um avião na zona da cidade universitária? Da simulação de falência da ponte «25 de Abril»? Do treino sobre o descarrilamento de um comboio algures entre Lisboa e o Porto? Da evacuação de feridos, em caso de terramoto numa das nossas grandes cidades? Será que estão identificados os bairros onde se poderão verificar mais derrocadas? Tudo isto é protecção civil. Protecção civil que, no nosso país, conta muito com os favores da providência divina. Queira Deus que nesse dia, se o houver, ela não esteja distraída!
É tempo de preparar o futuro, para que depois não se chore por falta de previsão. Pessoalmente gostava de poder acreditar nos responsáveis...

sexta-feira, fevereiro 10

As caricaturas da discórdia

Não vou adiantar muito ao muito que se tem dito sobre este tema. Contudo, não lhe posso ficar indiferente.
Não julguem os meus leitores que desejo repetir argumentos já estafados. Não. Tentarei ser original.
Assim, tanta culpa têm os países e órgãos de imprensa que publicaram e publicitaram as caricaturas como os povos islâmicos que semearam a desordem em nome de uma ofensa à sua fé. Todos são culpados! E são-no pelo simples facto de todos querem impor a «sua» razão aos outros. Na Europa e no mundo não islâmico, mas democrático, reclama-se o direito que resulta da liberdade de expressão; no mundo muçulmano, reclama-se, porque a mais elementar sensibilidade deveria respeitar a religião e os povos crentes em Alá. No fundo, são duas vontades que se opõem em nome de valores diferentes e, por isso, irreconciliáveis. Irreconciliáveis por falta de tolerância, por excesso de fanatismo nos valores em que dizem acreditar.
O fanatismo de ambas as partes quase resulta em obscurantismo. É que, mesmo em democracia e vivendo no mais amplo dos sistemas de liberdade, pode cair-se no obscurantismo quando se leva a liberdade ao ponto de não aceitar as diferenças no outro. Julga-se, então, ter a liberdade de agredir a liberdade de quem pensa ou age de modo diverso do nosso.
O que, afinal, está em causa e resulta em pomo de discórdia são duas culturas, duas atitudes perante a Vida que se batem pela suas crenças. Só compreendendo isto é que se pode entender e resolver o diferendo. Cabe ao lado mais inteligente, mais apto para a abertura, tomar iniciativas. E o lado que em melhor posição está de o fazer é a Europa democrática.
Evidentemente, não se coloca como modo de solucionar o problema instituir uma auto-censura na nossa cultura. Não se trata disso. Deve-se procurar agir com inteligência, porque a História está cheia de guerras cuja única explicação passa pela incapacidade de transigir perante diferenças meramente culturais. Foi o caso de tantos conflitos religiosos!
A primeira coisa a fazer é perguntar:
- O que é que se adiantou, publicando as caricaturas que tanto impacto causaram no mundo muçulmano? Em rigor, absolutamente nada! Fez-se uma afirmação de uma coisa que já se sabia: na Europa há liberdade de expressão e, mesmo assim, isto ainda é discutível (mas demos de barato esse facto).
- Valia a pena fazer essa afirmação, tendo consciência de que se ia provocar uma reacção adversa numa cultura que não entende os valores da nossa? É evidente que não. Não se ia ganhar mais nada e só se acirravam ódios que já estavam ao rubro.
Assim sendo, e assumindo que a ponderação e a sensatez falam mais alto do que os seus contrários, o acto praticado foi estúpido, por falho de inteligência. O nosso Povo diz, e tem razão, «Não é com vinagre que se apanham moscas».
Importante, neste momento é esquecer o triste acontecimento e evitar que situações desta natureza se repitam, porque se a cultura ocidental é mais esclarecida que a islâmica – eu diria, simplesmente é diferente - vale a pena demonstrá-lo na prática. Tudo o mais é desenvolver violência gratuita e sem finalidade.