segunda-feira, setembro 26

As medidas sociais dos socialistas de Sócrates

Antigamente, eram as obrigações de serviço que me impunham a alvorada bem cedo; agora é a idade. Se fico deitado mais do que umas escassas seis horas acordo com dores no corpo. Salto da cama e venho para o computador ler a correspondência (electrónica) que chegou, dar uma vista de olhos pelos títulos dos jornais portugueses e estrangeiros e, depois, quando já é intenso o movimento sobre a ponte Vasco da Gama (porque da minha janela vejo uma parte do rio e a ponte!), começo a escrever. Escrever ou para os meus blogs ou para as associações que me pedem colaboração nos seus boletins ou fazendo apontamentos para trabalhos mais profundos a publicar mais tarde... não sei quando. Também não me preocupo muito com isso.
Depois da crise militar (ou com os militares) que parece já ter passado (mas, realmente, não passou), ainda em cima do conflito com o pessoal beneficiário do sistema de assistência sócio-sanitária dos magistrados e funcionários judiciais, vêem a lume as notícias dos cortes dos subsídios sobre o preço dos medicamentos. É um vendaval arrasador que está a cair sobre o nosso país. As medidas anti-sociais parecem ser disparadas pela «arma» empunhada por qualquer partido do espectro da ultra direita!
Pergunto-me, no silêncio da vista da minha janela, se o Governo que elegemos é, realmente, socialista? São tão paradoxais as soluções políticas que encontra que, de certeza, ou estamos a viver um sonho colectivo ou «eles» não são socialistas. Na verdade, podem sê-lo! Mas sofreram qualquer traumatismo craniano que lhes modificou, em absoluto, a maneira de pensar. Só assim se explicam as disposições legais impostas ao país.
Sabemos que há pessoas, milhares de pessoas, que vivem em Portugal (estou a dizer EM PORTUGAL) com rendimentos abaixo do limiar da pobreza. Da pobreza portuguesa; não estou a falar da pobreza de outros países europeus! São velhos, às vezes sem família a quem pedir ajuda financeira, carenciados de tomarem medicamentos com um custo elevado. Tão caros que só lhes restam duas opções: ou comem e não se tratam ou se tratam e não comem. Mas o curioso é que, até há pouco, os idosos portadores de certas doenças e com falta de recursos monetários, recebiam gratuitamente os remédios de que dependem. Agora têm de pagar 5%. Mas cinco por cento de quem só tem para viver num mês inteiro menos de 300 euros é uma fortuna! E se estes medicamentos, até agora, eram fornecidos gratuitamente não é por serem baratos! É por serem muito caros. E 5% de muito caro, para quem tem muito pouco, é muito caro ainda!
Às vezes dou comigo a pensar: será que Sócrates pretende meter a maioria dos Portugueses numa espécie de campo de campo de concentração sem guardas nem redes de arame farpado de modo a conseguir efectuar uma «limpeza», não de carácter étnico, mas de carácter económico, de modo a sobreviverem os mais vigaristas e (não sei se consequentemente) os mais ricos? Será?
Só assim se justificaria a TRAIÇÃO socialista a ideais de solidariedade social para com os mais pobres e desprotegidos. Afasto estes pensamentos por os julgar vindos de qualquer parte desconhecida do meu cérebro onde guardo as câmaras de horrores; onde guardo, se calhar, a visão infantil do Inferno e do Demónio. Faltarão, a Sócrates, uns corninhos na testa e uma cauda com a ponta em forma de seta? Estou a delirar! Isto não se pensa de um Primeiro Ministro e, muito menos, se ele for socialista! São as tentações de Belzebu, de que me falavam os padres na catequese, quando eu ia, de calções, à igreja de Nossa Senhora dos Anjos, em Lisboa, aprender a conformar-me com o destino, com a miséria, com a doença, porque tudo era resultado da santa vontade de Deus Nosso Senhor.
O Sr. Dr. António de Oliveira Salazar também era governante por vontade de Nosso Senhor e, também, nos obrigava a termos paciência e a viver a nossa pequena riqueza (que para muitos era uma grande miséria) visto que tinha vindo, providencialmente, livrar-nos da Liberdade e da Democracia que os republicanos, em 5 de Outubro de 1910, nos haviam imposto, desligando-nos da Santa Madre Igreja. Eram muito diligentes as catequistas e os senhores padres da igreja dos Anjos!
Há tempos vi um mendigo, andrajoso, em plena luz do dia, na rua Camilo Castelo Branco, junto à praça Marquês de Pombal, a rebuscar nos caixotes do lixo de um restaurante que por ali existe, comendo restos de comida apanhados com as mãos negras e levados à boca com sofreguidão.
Já tinha visto noutras alturas espectáculo semelhante e lá me vem sempre à lembrança a igreja de Nossa Senhora dos Anjos, em Lisboa, porque, do lado de lá da avenida Almirante Reis (um dos tais republicanos contra quem tanto apostrofava Salazar, mas que já toda a gente esqueceu!) havia um edifício (que ainda existe) onde os pobres, em fila ordeira e paciente, esperavam, de lata na mão, a sua vez de receberem uma sopa e um naco de pão de enésima categoria. Chamávamos-lhe mesmo «A Sopa dos Pobres». Nesse tempo de não Democracia e de não Liberdade os pobres não andavam a comer dos caixotes (pelo menos nós não os víamos... Talvez não os deixassem chafurdar nos restos dos ricos ou, talvez, porque ainda não havia caixotes do lixo em Lisboa).
Pondo de lado a ironia, será que, quando já começo a estar velho, este Portugal se está a parecer com o da minha infância ou trata-se de mero pessimismo da minha parte?
Senhor Engenheiro, Senhor Engenheiro, veja por onde vai!!!!

terça-feira, setembro 20

A primeira legislatura deste Governo Socialista

Quem ouvir falar o Primeiro Ministro, o Dr. Luís Amado, o ministro das Finanças, da Economia e todos os outros, incluindo a ministra da Educação, ficará convencido (será que fica?) de que este Governo tem uma estratégia bem definida para resolver a situação económica e financeira portuguesa. Tudo parece articulado, e bem articulado. Mas experimentemos olhar para as acções... Aí percebemos que há um desfasamento significativo entre o discurso e os actos. Continuam as colocações em bons cargos por claro compadrio, os desacertos entre os números anunciados e os apurados por especialistas, enfim, a desordem. E tudo isto é assim, na minha opinião de cidadão livre e, julgo, informado, por um único motivo: estão-se a alterar todas as «regras do jogo» a meio do mesmo «jogo». Quer dizer, quando o «jogador» julga que marcou pontos positivos por ter alcançado o alvo, dizem-lhe que, afinal, o dito alvo já não estava no local suposto. Vejamos.
O incauto cidadão funcionário público julgava que só precisava de determinado número de anos de serviço para adquirir o direito à pensão de reforma. Enganou-se. Tem de trabalhar mais anos. As forças de segurança, os militares, os magistrados julgavam que tinham, em consequência das suas actividades, um determinado sistema de segurança na saúde. Enganaram-se. Passaram a estar integrados noutro ou num com as regras de outro. Os professores do ensino secundário julgavam que o sistema de concurso e colocação nas escolas ia ser igual ao dos anos anteriores. Enganaram-se. No próximo ano vai ser outro. Os trabalhadores independentes julgavam que a taxa de contribuição para a segurança social ia manter-se nos valores que vinham do antecedente. Enganaram-se. Foi aumentada. Os Portugueses acreditaram que o valor do IRS não subiria. Enganaram-se. Foi logo a primeira coisa que o Governo fez. Enfim, basta de procurar mais exemplos para provar a veracidade da minha afirmação.
Em face do exposto, admito, os sentimentos que surgem são, tão simplesmente, estes: ou se sai do «jogo», ou se deixa de «jogar» (o que não é o mesmo que sair), ou se arredam os «donos do jogo». E isto, pergunto eu, porque se está contra as reformas necessárias para fazer Portugal sair da crise em que os sucessivos Governos, desde o «tempo das vacas gordas», nos lançaram? Não. É mais elementar do que esse raciocínio simplista... Porque devia-se começar «novo jogo» enquanto se deixavam extinguir os «jogadores» do «velho jogo»! Assim era correcto para toda a gente; assim era justo para todos; de contrário é incorrecto e injusto.
A prova (se mais fossem precisas!) foi nos dada há bem poucos dias quando, para cumprir uma promessa eleitoral (que dá jeito manter e levar por diante neste tempo de mudanças conturbadas e imponderadas), o Presidente da Assembleia da República aprovou a alteração de uma regra que vinha sendo cumprida há mais de vinte anos. Refiro-me ao caso da duração da primeira legislatura deste parlamento. Tendo começado em Fevereiro de 2005 deveria acabar, segundo a regra do Direito consuetudinário imposta pela prática passada, em Setembro de 2006. Não, acabou em Setembro corrente! Mais uma regra de «jogo» alterada a bel-prazer dos «donos do jogo»!
O mais grave de toda esta situação é que os governantes, os responsáveis, os «donos do jogo» querem convencer-nos da lógica deste comportamento ilógico e obtuso.
Já vivemos, há vários anos atrás, a «arrogância do cavaquismo» (é bom não nos esquecermos disso!), será que vamos agora começar a viver a «arrogância do socratismo»? Será esta «arrogância» a forma prática de desenvolver a «dúvida socrática»? Se assim for, valha-nos um deus, seja ele qual for!

segunda-feira, setembro 19

Problemas energéticos: as centrais nucleares

O preço do petróleo continua a subir em relação há dois ou três meses atrás. Tudo tem encarecido como resultado deste fenómeno.
Quem se recorda do disparo do preço do barril de crude em 1973 tem consciência de como se alteraram conceitos de vida e comportamentos nessa altura - como mera hipótese académica, poderia, até, propor-se uma investigação onde se procurassem as relações remotas entre a crise petrolífera de então, a retirada das tropas dos EUA do Vietname e a ocorrência do 25 de Abril em Portugal.
Acontece que, desta vez, não se sente uma reacção conjunta ou conjugada, partindo dos grandes centros de decisão mundial. Assim, há economias que vão conseguir superar este galope energético e outras que se desmantelarão por completo. Portugal está na franja mais esfarrapada dos países dependentes, pesem embora quaisquer acordos que possa vir a fazer-se com o Governo de S. Tomé e Príncipe e de Angola. Tem de se ser capaz de olhar para a situação de modo frontal, equacionando soluções rápidas e eficazes. As energias alternativas podem representar tentativas de resolução, mas não são processos efectivos.
Há cerca de vinte e cinco anos, foi bastante ventilada a hipótese da construção de uma central nuclear. Até se falava na zona do Baleal, próximo de Peniche. Ouviram-se clamores e ranger de dentes por causa do perigo dos desastres que, a acontecerem, poriam em causa a vida em Portugal. É verdade que sim. Mas, é também verdade, que com carência energética se irá morrendo de outra forma. Entretanto, aqui ao lado, bem próximo da fronteira com o nosso desnuclearizado país, a Espanha construiu as suas centrais e, com isso, conseguiu um salto industrial impossível de igualar se ficasse à espera, em exclusivo, dos ventos, das barragens, do carvão ou de outros métodos alternativos. Se ocorrer um acidente grave não sofrem só os Espanhóis... os Portugueses não escapam. Disso não tenhamos dúvidas! Assim, risco por risco, talvez não fosse má ideia começar a pensar na solução nuclear.
Em termos de custos, não são projectos comparáveis, mas entre um novo aeroporto de Lisboa, uma rede de TGV e uma central atómica, não me restam dúvidas que, como solução económica, a última hipótese viria solucionar muitos problemas em Portugal. Não estará na altura de começar a reequacionar soluções, apontando ao futuro?

sexta-feira, setembro 16

Os parques de estacionamento automóvel

Embora Portugal seja dos Portugueses, há em Portugal espaços públicos e espaços privados. Assim se convencionou no Direito e assim aceitamos como verdadeiro. Por conseguinte, há quem não tenha mais de seu do que as ruas e caminhos por onde anda - os chamados espaços públicos, porque tanto é desse como de outro qualquer - e há aqueles que detêm pequenas ou grandes propriedades que, no dizer bem expressivo dos Brasileiros, pisam o «seu chão».
Não quero entrar em divagações desnecessárias, mas não me escuso a recordar quão mal enganados estão todos os que julgam possuir, realmente, uma propriedade sua! Na verdade, não têm nada! Ou melhor, têm tanto quanto todos aqueles que nada têm. E isto é tão simples quanto a impossibilidade de qualquer cidadão português poder vender ao Estado espanhol, por exemplo, um pedaço de terreno que passe a ser território de Espanha. Ninguém pode vender Portugal, mesmo que seja dono de todo o território português e de tudo o que está construído sobre o solo nacional! Isto prova à saciedade que, como dizia, ninguém é realmente dono daquilo que julga que lhe pertence. Tudo é nosso e, simultaneamente, de nada somos donos.
Vem isto a propósito dos parques de estacionamento automóvel que alguns municípios - nomeadamente o de Lisboa, Loures, Cascais e outros por esse país fora - resolveram municipalizar, deixando as ruas de serem espaços públicos para serem pertença das Câmaras. Ao tomarem tal decisão - o Estado e os municípios - reforçaram o seu direito de propriedade sobre algo que já lhes pertencia. Mas não o fizeram inocentemente! O seu intuito foi bem claro: passar a extorquir aos automobilistas, utilizadores do espaço de estacionamento dos seus veículos, gordas quantias pelo aluguer de um tempo determinado de uso de um espaço que, até aí, era público. Mas o requinte da vigarice foi mais longe: venderam o direito de fiscalização e da consequente multa por infracção a empresas ditas municipais, isto é, alienaram o poder coercivo e coactivo, que ao Estado compete ou a organismos que dele fazem parte ou o integram, a uma nova entidade distinta das chamadas forças de segurança e manutenção da ordem pública. Neste caso, tornaram privado o que deve ser exclusivamente público. Absolutamente inaudito! É, com toda a razão, uma vigarice, digna dos mais insignes trafulhas. Vejamos.
A manutenção, de todo o tipo, de espaços públicos é uma obrigação do Estado - que, por razões operativas, a pode delegar, na totalidade ou na parte, nos municípios e nas juntas de freguesia - cobrando aos cidadãos os respectivos impostos para fazerem face às despesas necessárias. Assim, é suposto que, cada um de nós, quando liquida a carga fiscal que o Estado lança sobre tudo e sobre todos, está a pagar, também, o direito a estacionar o seu veículo nos espaços públicos a isso destinados. É justo que assim seja. Igualmente justo é que quando o cidadão estaciona o seu veículo em qualquer local que, por força dos códigos respectivos, lhe seja vedado pague a respectiva coima passada pelo agente do Estado e pelo Estado investido com a autoridade para esse efeito. Mas a vigarice começa quando para estacionar o veículo em local público apropriado lhe é exigido um pagamento adicional que corresponde a um aluguer temporário, visto que, se não pagar novo aluguer no final do tempo previsto, incorrerá o incauto cidadão, em pesadas coimas que poderão chegar à retenção do uso do seu próprio veículo. Isto brada aos céus! Isto deixa de fazer do Estado uma pessoa de bem, para o tornar num digno descendente de qualquer salteador do pinhal de Leiria, dos tempos que já lá vão (e sem ofensa para os honestos Leirienses, claro). Mas, como é sabido, a «coisa» não acaba aqui. É que, se for bem gerida a empresa municipal a quem é «alugado» o direito de vigiar e multar os cidadãos, poderá ela auferir rendimentos que serão distribuídos, não faço ideia como, pelos respectivos accionistas (se se tratar de uma sociedade anónima) ou pelos sócios (se for uma empresa de responsabilidade limitada) ou, como parece que é, pelo município já que se trata de uma empresa municipal. Claro que, entretanto, os respectivos administradores vão auferindo, à custa da dupla ou tripla apropriação de um espaço público, de chorudos vencimentos! E, claro está, dá-se a uns pobres empregados, contratados a título precário - aqueles que andam a passear a sua ignorância pelas ruas das cidades, segurando uma máquina electrónica de passar coimas -, a falsa ilusão de serem representantes «da autoridade do Estado ou do município». E isto é o pior, porque, como bem diz o velho provérbio português «se queres conhecer o vilão, mete-lhe a vara [da Justiça, entenda-se] na mão».
Se tudo isto não é uma vigarice, a que será que deveremos passar a chamar tal coisa?

quinta-feira, setembro 15

Os fogos florestais

Todos os Portugueses foram, durante os meses de Junho, Julho, Agosto e os primeiros dias de Setembro literalmente submersos nos mares de chamas que devastaram a floresta do país.
Não escapei à informação televisiva. Fui esmagado pelas imagens que nos deixaram um sabor a angústia e tristeza deste Verão que está no fim.
Há dias fiz o percurso de Lisboa a Braga pela auto-estrada. Fiquei estarrecido com o que fui vendo. A amostra é elucidativa. Para se ter uma noção clara do flagelo que se abateu sobre as populações, basta olhar com atenção daquela artéria que liga o Sul ao Norte.
Tentei encontrar justificações para este cataclismo. Repetir o que ouvimos nas televisões, nas rádios, nos fóruns, nos debates seria fastidioso, contudo, há uma explicação que não foi dada, porque já toda a gente se esqueceu de como se vivia há, pelo menos, quarenta, cinquenta anos atrás. Depois de vos dizer, todos vão bater com a palma da mão na testa e dizer: - Mas é uma evidência!
A modernidade faz-nos esquecer bem rapidamente os hábitos tradicionais; o «eléctrico», no começo do século xx, remeteu para o olvídio o coche, a caleche, o cabriolet, a carroça e, até, o típico «americano» que circulava nas ruas de Lisboa; a esferográfica fez cair em desuso a caneta de tinta permanente; o computador empurrou para fora das linhas de consumo as velhas máquinas de dactilografar. Pois é, e o forno eléctrico para cozer o pão arrumou para sempre a tradicional sabedoria de amassar a farinha e cozê-la no milenar forno de lenha!
Quantas padarias desapareceram por esse país fora? Quantos fornos caseiros ficaram desactivados e acabaram por ser destruídos? Mas, pior do que este panorama de salto na modernidade, foi o facto de se deixar de ir aos pinhais - próprios e alheios - colher a caruma e as pinhas, os pedaços de ramos velhos caídos no chão, para atear o fogo no lar do forno, empurrando, depois, as brasas bem lá para o meio de modo a que o tijolo guardasse o calor tão preciso para a cozedura do pão fresco. A par desta ausência, vieram, a preços acessíveis, os aquecimentos a óleo ou os chamados «infravermelhos» ou, para os mais afortunados, o ar condicionado. A velha lareira, ou fogo de chão, a par da braseira, desapareceram dos campos e das cidades. Hoje, nos modernos edifícios o «fogão de sala» é um luxo que se limita a consumir madeira de azinheira ou de sobreiro comprada em sacos de 15 ou 20 Kg nos hipermercados das grandes cidades.
Deixou de se «ir à lenha» das matas e das florestas. Aquilo que era uma limpeza «natural» desses espaços propícios aos grandes fogos, deixou de se fazer. Não compensa; compra-se o pão dito «de lenha» - cozido num forno de tijolo aquecido a jacto de gás - nas «padarias» que são, efectivamente, depósitos de pão (às vezes cozido há meses e congelado!), passou a ligar-se um interruptor eléctrico para conseguir a temperatura ideal em casa, nos dias ou nas noites mais frias dos Invernos mais frios. Entretanto, ardem as florestas, as matas, os pinheiros e os eucaliptos, envolvendo meios de ataque ao fogo cada vez mais sofisticados: aviões, hidroaviões, helicópteros. Reinventa-se a Natureza.

Quatro estrelas por um prato de lentilhas

Há dias o Presidente da República, comandante supremo das Forças Armadas por inerência de funções, convidou para com ele almoçarem, no palácio de Belém, o primeiro ministro, o ministro da Defesa Nacional e mais os quatro generais - generais de quatro estrelas - chefes, respectivamente, do Estado-Maior General das Forças Armadas, do Estado-Maior da Armada, do Estado-Maior do Exército e do Estado-Maior da Força Aérea. Não foi um repasto de mera cortesia. Foi, de acordo com as notícias trazidas a público pelos órgãos de comunicação, uma oportunidade de, sentando à mesma mesa, ouvir os responsáveis governamentais e os comandantes militares sobre as medidas anunciadas e aprovadas em conselho de ministros quanto à redução de algumas regalias de carácter social/assistencial de que os militares usufruem como forma de compensação da condição especial que lhes é imposta.
No final do almoço, interrogado pelos jornalistas, o ministro da Defesa Nacional, uma vez mais, veio reforçar a ideia de que havia perfeita sintonia entre os generais e o Governo e que competia aos militares cumprirem as obrigações e os direitos que lhes são impostos pela sua condição.
Salvaguardando a inocência ou/e verdadeira boa vontade do Presidente da República, este almoço foi a armadilha na qual caíram os chefes militares os quais tinham plena obrigação de a perceber, antes de aceitarem o convite, tanto mais que foram oficiais que ainda fizeram a guerra em África! Vejamos, porquê.
Ao sentar à mesma mesa o primeiro ministro e o ministro da Defesa Nacional com os altos comandos militares o Presidente Jorge Sampaio hierarquizou os convivas e, ao fazê-lo, limitou-lhes a capacidade de manobra: os generais estão subordinados ao ministro da respectiva tutela. Ou discordavam ali, ou nunca mais poderiam opor-se-lhe. Das palavras do ministro aos jornalistas transpareceu a unanimidade de pontos de vista e a absoluta concordância. Mas há mais.
Ao sentarem-se estes convivas à mesa de refeições do Presidente Sampaio os generais aceitaram que as associações representativas dos militares não tinham legitimidade para discutirem as medidas do Governo em paridade com eles, chefes militares. Ao fazerem isto esqueceram vários aspectos: em primeiro lugar, que vão ser estas associações que os vão representar quando passarem à inactividade - o que para alguns deles não faltará muito - ; em segundo lugar, que, transparecendo para o público em geral, uma ideia de concordância e bom entendimento com os governantes, os militares do activo, da reserva e da reforma se deixam de rever nos seus chefes para se identificarem com as associações que, de facto, se batem e defendem os interesses que lhes são legítimos e caros; finalmente, que não mantém canais de diálogo - formais ou informais - abertos e constantes com as associações de militares de modo a existir consonância entre chefias militares, associações e os próprios militares representados.

quarta-feira, setembro 14

Carta Aberta para o Ministro da Defesa Nacional

Estive ausente, nas termas. A saúde é um bem que deve ser conservado e, na sua falta, deve ser recuperado. As águas termais, o ar do campo, a boa, mas cuidada, mesa foram elementos que, espero, retemperem o físico.
Antes de ter partido para o Norte, escrevi uma «Carta Aberta» ao ministro da Defesa Nacional. Mandei-lha por e-mail para o Ministério. Não esperava resposta, contudo tive-a, não pela forma comum e habitual, mas através dos acontecimentos que se foram desenrolando. Uma tristeza!
Deixo, aqui, o texto da «Carta», que fiz circular pela Internet, para que os meus leitores possam compreender a razão (ou as razões) dos militares. Não se trata de corporativismo, como o Senhor ministro pretende, de uma forma despudorada, livrar-se da consequente revolta dos militares. Não queremos que se comece a ouvir «o baraulho do arrastar das espadas». Nada disso. Estamos no século XXI, na União Europeia, mas, exactamente por essas razões, o Senhor ministro e todo o Gabinete deve ponderar as medidas que pretende levar à prática.
Aqui fica o texto:

Lisboa, 16 de Agosto de 2005

Exmo. Senhor Ministro da Defesa Nacional

Como coronel da Força Aérea, na situação de Reserva, tenho a liberdade de me dirigir a V. Exa. directamente, sem as limitações da condição militar, visto estar fora da efectividade de serviço. Hoje e agora — se calhar, por enquanto — não se me aplicam as restrições impostas estatutariamente aos meus camaradas na situação de Activo.
No dia 10 de Agosto do corrente ano, foi levada a efeito, por dirigentes associativos militares, uma vigília à porta do palácio e residência oficial do Senhor Primeiro-Ministro, onde ele não estava. Durante a vigília, várias centenas de oficiais, sargentos e praças foram exprimir-lhes a sua solidariedade.
Nos dias que se seguiram, a comunicação social fez eco do desagrado, primeiro do senhor Secretário de Estado da Defesa e depois de V. Exa. pela atitude dos ditos militares, invocando para isso o desrespeito da condição castrense.
Não deixa de ser irónica a postura de V. Exas.! Então, para efeitos de redução de parcas regalias assistenciais que são dadas aos militares, estes vão ser equiparados a funcionários civis, remetendo-os para o âmbito da ADSE, mas, para que possam defender-se dessa desprezível medida, chamando a atenção pública para a iniquidade de tal princípio, já V. Exas. clamam pelo cumprimento da condição militar! Salvo errada interpretação da minha parte, V. Exas., praticando tais princípios, poderão ser tomados como claros adeptos da popular definição de Estado Novo, usada há mais de 31 anos atrás: «comer e calar». Estranha postura para quem integra um Governo socialista!
E é estranha esta postura, partindo de quem, como ministro da Defesa, deveria pugnar pelas boas condições de vida de todos aqueles que justificam o Ministério onde tem V. Exa. assento, mas não o faz! Em vez de os militares se reverem no «seu» ministro, afinal, têm de o olhar como alguém que os desqualifica e desprotege. E, tudo isto é feito em nome do saneamento da situação financeira do Estado a qual passa por afectar aqueles que juraram, tal como V. Exa., cumprir com zelo e lealdade, mas foram mais longe do que V. Exa., porque juraram, defender a Constituição da República Portuguesa e a integridade nacional, se preciso for, com sacrifício da própria vida. É a «funcionários» com esta disponibilidade e esta capacidade de sacrifício, coroadas por restrições reivindicativas, que V. Exa. entende, perante remunerações incapazes de pagar o compromisso que assumiram — porque nenhum dinheiro paga a livre disposição de entrega da vida —, privar de exíguas regalias sociais, quando pululam no aparelho do Estado e em Estabelecimentos públicos, indivíduos abrangidos por sinecuras inconfessáveis e às quais V. Exas., Governantes por vontade do voto do Povo soberano, não são capazes de pôr cobro. Mas, V. Exa. vai mais longe. Vai ao ponto de ameaçar com aplicação de sanções disciplinares aqueles que, vivendo de parcas remunerações, de uma forma em nada atentatória da ética militar, desejam recordar que pedir mais sacrifícios é condenar ao miserabilismo quem deve andar de cabeça bem erguida, fruto da digna missão que escolheu para servir a Pátria.
Senhor ministro da Defesa Nacional, numa democracia que aos militares se deve, num Estado que é obra de soldados, como lapidarmente disse Mouzinho de Albuquerque, «Os cavaleiros tende em muita estima» — como Camões aconselhou a D. Sebastião —, pois não encontra V. Exa. gente mais capaz de justos sacrifícios, mas, também, com mais apurado sentido de Justiça. Reveja, V. Exa., as suas posições e a dos seus colegas de Gabinete, encontrando o equilíbrio conveniente nas medidas a adoptar, porque Soberano é o Povo e só o Povo, em qualquer circunstância, legitima o exercício do Poder.

Ao dispor de V. Exa.

Luís Manuel Alves de Fraga
Coronel da Força Aérea, na Reserva
B. I. n.º 001003 A – EMFA

P. S. Não estranhará V. Exa. que, ao abrigo da livre expressão do pensamento, ponha a circular esta carta na Internet para que possa estar quase em igualdade de circunstâncias o meu desagrado com o desagrado de V. Exa., porque, afinal, ambos somos Servidores do Estado!