sábado, dezembro 31

Prognóstico presidencial ou uma análise social?

No início do mês tentei classificar os candidatos presidenciais como se fossem lutadores de um qualquer jogo de boxe. Na altura olhei para Cavaco Silva sem saber onde situá-lo e, por isso, medi somente a hipótese de como seria olhado por Mário Soares. Passaram trinta dias. Houve debates televisivos. Não me enganei na táctica de Soares, mas não previ a de Cavaco.
O candidato oriundo do Algarve não fez jus à sua origem... Falou pouco. Deixou-se condicionar pela bateria de assessores que, tê-lo-ão aconselhado a compor um sorriso lisaíaco (neologismo da minha autoria com origem no célebre retrato de Da Vinci) de modo a, enigmaticamente, conseguir a maioria na primeira volta, única forma de sair vencedor na corrida presidencial.
Cavaco Silva tem vindo a aparecer, assim, como um possível «salvador da Pátria», tentando colar a si próprio uma imagem que se balanceia entre a de um Salazar do século XXI, casado, com filhos e netos, democrático – até ao limite do conveniente -, mas acima de tudo, um técnico naquilo que faz falta em Portugal - gestão financeira e económica - e a de um general Eanes, sério, parco de palavras, parecendo de pensamento profundo e movimentos estudados para evitar o desconchavo momentâneo.
Está claro que, para o grande público, esta imagem vende bem e passa uma mensagem de segurança. Todavia, acontecerá o mesmo entre os grupos mais atentos da e na política nacional? Tenho sérias dúvidas.
Cavaco tem de combater com a inesperada e quase inexplicável simpatia de um Jerónimo de Sousa que, na sua máxima simplicidade, mostra um comunismo de rosto humano, equilibrado, compreensivo, tolerante, ausente de arrogância. Jerónimo não vai fazer sombra a Cavaco. Lá isso não vai. Mas capta muitos indecisos que não darão o seu voto a Soares ou a Alegre.
Cavaco tem de combater com a lógica e a rapidez de raciocínio de Louçã; com a modernidade do seu discurso, com a actualidade dos seus conhecimentos, com a simpatia de um irmão – mais novo ou mais velho, conforme a faixa etária de eleitores e simpatizantes do candidato do Bloco de Esquerda. É um homem que apetece convidar para jantar e com ele discutir amenamente os problemas do país e do mundo. Com Cavaco nem uma bica se tomava, tal a aspereza que dele emana; fica-se com a certeza de nos ir dar uma chata lição de economia e pouco mais. Mas, tal como acontece com Jerónimo de Sousa, não é Louçã quem vai roubar a Presidência a Cavaco Silva.
Restam Alegre e Soares. O primeiro tem feito um discurso de coerência, de respeitabilidade, de ponderação e cautela se alcançar a Presidência. No entanto, não apresenta mais do que a imagem de um Presidente constitucionalmente correcto. Falta-lhe transmitir a de domínio do alto cargo a que se propõe. Acredita-se no Homem, nas suas ideias e em pouco mais. É como um acto de fé. Alegre está para os grupos sociais politicamente esclarecidos como Cavaco para os não esclarecidos. Contudo, Mário Soares é diferente.
Mário Soares denota já o peso dos anos, o desgaste de muitas lutas, mas, talvez, porque está a travar o seu último combate não se importa de usar toda a artilharia que a experiência lhe colocou no arsenal. Não se importa de ferir as regras do jogo definido pelos entrevistadores; de fazer mais uma inimizade entre um grande e velho amigo de combates políticos de outros tempos; de não cumprir a promessa que fez na véspera; de pôr a nu toda a inexperiência dos outros dois candidatos que o preocupam – Alegre e Cavaco; de insinuar o pouco apreço com que na União Europeia se olha para o candidato apoiado pela direita – táctica que fez estalar o verniz de Vasco Graça Moura.
Não se está a travar um duelo de gigantes, porque, efectivamente, o gigante político é só um: Mário Soares. Trava-se um duelo em que o gigante tem de lutar contra a ignorância política de uma grande massa social do país e contra o último projecto quase quixotesco de uma esquerda plural, socialista e saudosa dos cravos de um Abril que se esfumou na última esquina do tempo. Vamos ver quem vence.