No início do mês tentei classificar os candidatos presidenciais como se fossem lutadores de um qualquer jogo de boxe. Na altura olhei para Cavaco Silva sem saber onde situá-lo e, por isso, medi somente a hipótese de como seria olhado por Mário Soares. Passaram trinta dias. Houve debates televisivos. Não me enganei na táctica de Soares, mas não previ a de Cavaco.
O candidato oriundo do Algarve não fez jus à sua origem... Falou pouco. Deixou-se condicionar pela bateria de assessores que, tê-lo-ão aconselhado a compor um sorriso lisaíaco (neologismo da minha autoria com origem no célebre retrato de Da Vinci) de modo a, enigmaticamente, conseguir a maioria na primeira volta, única forma de sair vencedor na corrida presidencial.
Cavaco Silva tem vindo a aparecer, assim, como um possível «salvador da Pátria», tentando colar a si próprio uma imagem que se balanceia entre a de um Salazar do século XXI, casado, com filhos e netos, democrático – até ao limite do conveniente -, mas acima de tudo, um técnico naquilo que faz falta em Portugal - gestão financeira e económica - e a de um general Eanes, sério, parco de palavras, parecendo de pensamento profundo e movimentos estudados para evitar o desconchavo momentâneo.
Está claro que, para o grande público, esta imagem vende bem e passa uma mensagem de segurança. Todavia, acontecerá o mesmo entre os grupos mais atentos da e na política nacional? Tenho sérias dúvidas.
Cavaco tem de combater com a inesperada e quase inexplicável simpatia de um Jerónimo de Sousa que, na sua máxima simplicidade, mostra um comunismo de rosto humano, equilibrado, compreensivo, tolerante, ausente de arrogância. Jerónimo não vai fazer sombra a Cavaco. Lá isso não vai. Mas capta muitos indecisos que não darão o seu voto a Soares ou a Alegre.
Cavaco tem de combater com a lógica e a rapidez de raciocínio de Louçã; com a modernidade do seu discurso, com a actualidade dos seus conhecimentos, com a simpatia de um irmão – mais novo ou mais velho, conforme a faixa etária de eleitores e simpatizantes do candidato do Bloco de Esquerda. É um homem que apetece convidar para jantar e com ele discutir amenamente os problemas do país e do mundo. Com Cavaco nem uma bica se tomava, tal a aspereza que dele emana; fica-se com a certeza de nos ir dar uma chata lição de economia e pouco mais. Mas, tal como acontece com Jerónimo de Sousa, não é Louçã quem vai roubar a Presidência a Cavaco Silva.
Restam Alegre e Soares. O primeiro tem feito um discurso de coerência, de respeitabilidade, de ponderação e cautela se alcançar a Presidência. No entanto, não apresenta mais do que a imagem de um Presidente constitucionalmente correcto. Falta-lhe transmitir a de domínio do alto cargo a que se propõe. Acredita-se no Homem, nas suas ideias e em pouco mais. É como um acto de fé. Alegre está para os grupos sociais politicamente esclarecidos como Cavaco para os não esclarecidos. Contudo, Mário Soares é diferente.
Mário Soares denota já o peso dos anos, o desgaste de muitas lutas, mas, talvez, porque está a travar o seu último combate não se importa de usar toda a artilharia que a experiência lhe colocou no arsenal. Não se importa de ferir as regras do jogo definido pelos entrevistadores; de fazer mais uma inimizade entre um grande e velho amigo de combates políticos de outros tempos; de não cumprir a promessa que fez na véspera; de pôr a nu toda a inexperiência dos outros dois candidatos que o preocupam – Alegre e Cavaco; de insinuar o pouco apreço com que na União Europeia se olha para o candidato apoiado pela direita – táctica que fez estalar o verniz de Vasco Graça Moura.
Não se está a travar um duelo de gigantes, porque, efectivamente, o gigante político é só um: Mário Soares. Trava-se um duelo em que o gigante tem de lutar contra a ignorância política de uma grande massa social do país e contra o último projecto quase quixotesco de uma esquerda plural, socialista e saudosa dos cravos de um Abril que se esfumou na última esquina do tempo. Vamos ver quem vence.