sexta-feira, fevereiro 10

As caricaturas da discórdia

Não vou adiantar muito ao muito que se tem dito sobre este tema. Contudo, não lhe posso ficar indiferente.
Não julguem os meus leitores que desejo repetir argumentos já estafados. Não. Tentarei ser original.
Assim, tanta culpa têm os países e órgãos de imprensa que publicaram e publicitaram as caricaturas como os povos islâmicos que semearam a desordem em nome de uma ofensa à sua fé. Todos são culpados! E são-no pelo simples facto de todos querem impor a «sua» razão aos outros. Na Europa e no mundo não islâmico, mas democrático, reclama-se o direito que resulta da liberdade de expressão; no mundo muçulmano, reclama-se, porque a mais elementar sensibilidade deveria respeitar a religião e os povos crentes em Alá. No fundo, são duas vontades que se opõem em nome de valores diferentes e, por isso, irreconciliáveis. Irreconciliáveis por falta de tolerância, por excesso de fanatismo nos valores em que dizem acreditar.
O fanatismo de ambas as partes quase resulta em obscurantismo. É que, mesmo em democracia e vivendo no mais amplo dos sistemas de liberdade, pode cair-se no obscurantismo quando se leva a liberdade ao ponto de não aceitar as diferenças no outro. Julga-se, então, ter a liberdade de agredir a liberdade de quem pensa ou age de modo diverso do nosso.
O que, afinal, está em causa e resulta em pomo de discórdia são duas culturas, duas atitudes perante a Vida que se batem pela suas crenças. Só compreendendo isto é que se pode entender e resolver o diferendo. Cabe ao lado mais inteligente, mais apto para a abertura, tomar iniciativas. E o lado que em melhor posição está de o fazer é a Europa democrática.
Evidentemente, não se coloca como modo de solucionar o problema instituir uma auto-censura na nossa cultura. Não se trata disso. Deve-se procurar agir com inteligência, porque a História está cheia de guerras cuja única explicação passa pela incapacidade de transigir perante diferenças meramente culturais. Foi o caso de tantos conflitos religiosos!
A primeira coisa a fazer é perguntar:
- O que é que se adiantou, publicando as caricaturas que tanto impacto causaram no mundo muçulmano? Em rigor, absolutamente nada! Fez-se uma afirmação de uma coisa que já se sabia: na Europa há liberdade de expressão e, mesmo assim, isto ainda é discutível (mas demos de barato esse facto).
- Valia a pena fazer essa afirmação, tendo consciência de que se ia provocar uma reacção adversa numa cultura que não entende os valores da nossa? É evidente que não. Não se ia ganhar mais nada e só se acirravam ódios que já estavam ao rubro.
Assim sendo, e assumindo que a ponderação e a sensatez falam mais alto do que os seus contrários, o acto praticado foi estúpido, por falho de inteligência. O nosso Povo diz, e tem razão, «Não é com vinagre que se apanham moscas».
Importante, neste momento é esquecer o triste acontecimento e evitar que situações desta natureza se repitam, porque se a cultura ocidental é mais esclarecida que a islâmica – eu diria, simplesmente é diferente - vale a pena demonstrá-lo na prática. Tudo o mais é desenvolver violência gratuita e sem finalidade.