terça-feira, novembro 8

Declaração de calamidade

Há tempos, falando com um amigo meu, proprietário agrícola no Alentejo, tomei conhecimento de uma particularidade assaz curiosa que não resisto a compartilhar com os meus leitores.
As companhias de seguros têm produtos, como lhe chamam na gíria comercial, destinados a cobrir uma série de catástrofes possíveis de ocorrer no desenvolvimento da actividade agrícola: a geada, o granizo, os nevões, as inundações por excesso de pluviosidade, a seca, o fogo, as pragas, etc. Cada um escolhe a linha de produtos que mais lhe convém e da qual julga poder vir a ser vítima no ano ou no ciclo produtivo. Naturalmente, os prémios de seguros deste tipo não são económicos, como, aliás, nenhum seguro é acessível em Portugal.
Aparentemente o pagamento da indemnização ao segurado deve acontecer como nas nossas casas: faz-se prova perante a companhia da ocorrência do motivo que desencadeia o processo e esta liquida a importância devida. Só que no sector agrícola as coisas não se passam do mesmo modo. Quem declara a existência de calamidade no domínio da agricultura é o Governo e só em face dessa condição é que os lesados recebem a indemnização correspondente ao prémio pago. Quer dizer, o segurado não controla o mecanismo que lhe pode garantir o reembolso parcelar das perdas que teve.
Ora, no ano agrícola que findou no Alentejo, em Junho/Julho do corrente ano, foi notícia e é do domínio público a tremenda seca que assolou o Sul de Portugal (podemos mesmo dizer, quase todo o país). Pois bem, o Governo recusou-se a declarar o estado de calamidade por falta de água. Assim, saíram beneficiadas as companhias seguradoras (que, em geral andam associadas a grupos financeiros que dominam a banca) e altamente prejudicados os agricultores.
Não vou entrar em mais pormenores. São desnecessários. Ficam as perguntas: o Governo é pessoa de bem? Quem está a beneficiar quem? O Governo, eleito como consequência dos votos dos Portugueses, da maioria dos Portugueses, está a defender os interesses de quem? Qual a legitimidade que assiste ao Governo para pedir sacrifícios aos Portugueses em geral e, em particular, aos que servem o Estado?
Se o meu amigo não me mentiu, o assalto à mão armada deixou de ser só um acto criminoso e exclusivo de marginais, porque com eles alinham aqueles que nos governam, governando-se.