Não me julguem um defensor de desgraças, nem uma daquelas personagens que se comprazem na previsão de catástrofes. Não! Sei que a História não se repete - olhem se voltássemos ao tempo dos dinossauros! -, mas reconheço, como todos quantos procuram andar informados, que parece haver uma tendência para se provocarem semelhanças no natural desenvolvimento da vivência dos homens em sociedade. Não há uma lei de causalidade, mas causas semelhantes provocam efeitos similares. Isto não é rigoroso, mas é tendencial. Os rios não são todos iguais, mas, se os seus leitos se assemelham, se os seus caudais se parecem, o comportamento das águas, que neles se escoam, imitam-se.
A 1.ª República, em Portugal, foi, em simultâneo, um tempo de mudança, de esperança e de desengano - para compreender a afirmação basta colocarmo-nos na perspectiva dos diferentes grupos sociais da época: republicanos, monárquicos, católicos, pequena e média burguesia urbana, proprietários rurais, populações campesinas, operários, estudantes, donas de casa - que desembocou, ao cabo de dezasseis anos, num desencanto generalizado com: (a) a classe política, (b) os partidos políticos, (c) o compradio para se conseguir «um lugar à mesa do orçamento» através da mais (d) inconcebível corrupção política - e não só -, (e) as greves e, finalmente, os (f) patrões. Tudo isto, num (g) ambiente de crise económica - resultado da grande dependência das compras de Portugal ao estrangeiro - e de (h) completo desequilíbrio orçamental (tive o cuidado de identificar cada parcela das causas para ajudar à compreensão dos efeitos).
Em 28 de Maio de 1926, quando o descontentamento era uma força unânime entre os Portugueses e se dizia que o Partido Democrático, por ser maioritário, governava ditatorialmente, impondo-se e impondo a tudo e a todos, os tenentes do Exército, fizeram sair para a rua uma força militar, em Braga, com o fim bem definido de impor uma ditadura militar cuja finalidade era moralizar a vida política nacional. Rapidamente o movimento do Norte foi secundado por Lisboa e, depois, por todo o país.
O Estado Novo não nasceu em 28 de Maio, como os seus mentores quiseram fazer crer aos Portugueses durante quarenta e um anos (1933-1974); o que se efectivou foi uma ditadura militar por declarada incompetência governativa dos políticos da época. Só havia uma instituição na qual os Portugueses ainda acreditavam: a castrense. As alternativas, para além desta, eram já poucas entre as instituições com créditos firmados: ou a Igreja Católica ou a Universidade. A segunda não tinha tradição, nem vocação, para se assenhorear do Poder; a primeira, embora habituada à movimentação nos bastidores do Poder político, havia saído da República bastamente desacreditada por força das influências conservadoras e obscurantistas desenvolvidas nos séculos anteriores.
De 1974 até hoje muita coisa mudou em Portugal, mas, se atentarmos bem nos últimos anos, temos assistido ao abandono da governação - desde a saída de Cavaco Silva para não enfrentar as controvérsias económicas e políticas que se desenhavam no horizonte político de então, até à necessidade de afastamento do Governo Santana Lopes por absoluta inaptidão para gerir os negócios do país - com o consequente descrédito dos (des)governantes. José Sócrates surgiu aos Portugueses como a última tábua onde deitar a mão no naufrágio em que vivemos. E o que aconteceu? Mentiu-se, uma vez mais, não se cumprem promessas, adoptam-se medidas impopulares agindo sobre instituições que deveriam ser poupadas ao desgaste público - a magistratura (já muito mal tratada pela falta de meios humanos e de legislação apropriada para quebrar a burocracia) e os militares (último pilar no qual se sustenta a ordem interna e externa).
Parece-me - e não estou sozinho - que o Eng. José Sócrates se está a enganar nos cálculos do projecto (instrumento de trabalho fundamental a qualquer engenheiro que pretenda firmar os seus créditos na profissão). Em Estratégia - e eu fui, em Janeiro de 1991, o quarto português a obter o grau de mestre nesta matéria - tem-se como básico que a gestão do conflito deve ser dialéctica e na gestão das crises deve ter-se a cautela de deixar aberta uma saída ao oponente, mas, acima de tudo, é importantíssimo saber fazer um cuidadoso estudo da situação avaliando com correcção e perspicaz ponderação as vulnerabilidades próprias e as de quem se opõe de modo a calcular os pontos fortes e a sua localização, seja geográfica ou temporal. Terá o Governo bons estrategistas ao seu serviço?