sábado, outubro 1

O medo do sigilo bancário

De novo voltou às páginas da imprensa portuguesa o problema do sigilo bancário. Isso leva a perguntar-me: - quem tem medo que se quebre o segredo bancário?
Provavelmente, em primeiro lugar, os próprios bancos. Realmente, para quê investigar a procedência daquilo que lhes dá lucro? Era como se um armazenista de maçãs, que sabe irem vender-se todas as que lhe dão a guardar, denunciasse os produtores de lhe entregarem grandes quantidades podres! Só uma elevadíssima noção de serviço público, responsabilidade política e civismo o levaria a actuar de vontade própria. O egoísmo e a ganância do lucro fácil fá-lo calar-se. Para se conseguir o contrário só uma apertada fiscalização seria garante da sanidade dos produtos. Se quem detém a autoridade para fiscalizar não manda fazê-lo está a ser conivente com a ganância do armazenista.
Em segundo lugar, não estão, evidentemente interessados na quebra do sigilo bancário todos os depositantes que têm de explicar a proveniência de dinheiros cuja origem não é lícita, ou seja, no exemplo anterior, quem produz maçãs de baixa qualidade e não se importa com a segurança e o bem-estar da sociedade. Aqui prevalece a ganância e o egoísmo do produtor. Mas, nestas circunstâncias, uma vez mais, o detentor da autoridade é conivente, por omissão, com o infractor social.
Finalmente, opõem-se à medida, os honestos cidadãos crentes no seu legítimo direito à privacidade e, assim, defendem-na intransigentemente, mesmo que, deste modo, estejam a possibilitar actividades ilícitas e condenáveis. O seu soberano egoísmo impossibilita-os de apoiarem todos quantos podem e conseguem exigir do Governo a adopção das medidas correctivas para evitar negócios e lucros condenáveis.
Posto o problema em equação deixem-me olhá-lo e conduzir-vos, a vós, meus leitores, para caminhos onde a imaginação descobre soluções agradáveis a todos. De certeza não as vou inventar... Inspiro-me noutras que sei existirem em países bem próximo de nós. Vamos, então, ensaiar o que me proponho.
O sigilo bancário é um mito. Um mito como qualquer segredo que esteja na posse de mais de duas pessoas! Repare o leitor que o seu melhor amigo pode trabalhar no banco onde deposita o pecúlio que constitui património pessoal e por onde correm todas as transacções que efectua (quem diz amigo, também diz inimigo); ele poderá ter – e tem – acesso às suas operações bancárias, ao seu dossier; ele vai saber o que o leitor julga bem guardado. Na conversa de «café», no serão em sua casa, no jantar de família, pode contar-lhe as maiores aldrabices para justificar a sua vida financeira e económica que ele, só por discrição e profissionalismo, não se lhe ri na cara e não lhe põe, como o Povo diz, a careca à mostra. Também não o faz para garantir o emprego, contudo, na verdade, para ele, o meu leitor, não tem segredos... Nem para ele nem para nenhum dos funcionários do banco. O segredo repousa, afinal, na confiança que todos nós podemos depositar nos empregados bancários.
Esclarecido este aspecto, poderemos olhar o problema do sigilo bancário de uma outra forma.
Na vida comercial interessa a quem vende saber se quem compra pode, efectivamente pagar (qual será o interesse de vender um bem de valor avultado para, passados poucos meses, estar a mover uma acção judicial de penhora?), tal como ao Estado, para verificação de fuga a responsabilidades fiscais, interessará simplesmente conhecer a posição financeira do suspeito ou seus familiares, sem ter de entrar em pormenores.
Pensando numa solução francesa o sigilo bancário seria facilmente ultrapassável recorrendo a um código de cores a que a banca teria de aderir.
Assim, no caso do vendedor estar interessado em saber se o comprador tem fundos financeiros suficientes para pagar ou dar garantias numa operação significativa bastava informar-se de qual a «cor» do hipotético comprador. Verde correspondia ao depositante com uma vida financeira desafogada, sem problemas anteriores de créditos mal parados; amarelo indicava um cliente com fracos recursos financeiros e/ou situações anteriores de crédito problemáticas; vermelho era a indicação de falta de fundos ou de património financeiro incapaz de suportar uma operação de crédito ou/e, também, de cliente com um currículo financeiro indesejável.
Quantas acções judiciais deixavam de entrar em tribunal por ano? Mas se acaso, depois de receber um aviso amarelo ou vermelho o vendedor quisesse prosseguir no fecho da transacção isso impedi-lo-ia de apresentar queixas futuras. O prejuízo seria suportado por quem tinha induzido um mau comprador/pagador a comprar e pagar. Claro que para o sistema funcionar o vendedor teria de indicar ao banco o montante da venda e do crédito necessário... Mas esse dado não me parece carente de salvaguarda sigilosa.
Na hipótese de serem os responsáveis pelas cobranças fiscais a pretenderem saber a situação financeira de um suposto fugitivo às obrigações fiscais bastava, junto de toda a banca nacional informar-se de qual a «cor» do presumível infractor, indicando valores limites de patrimónios financeiros. Assim, no caso de serem superiores a K milhares/milhões de euros a cor seria branca; entre K e Y (sendo este menor que aquele) a cor seria laranja; e, por fim sendo menor que Y (desde que correspondente a um montante incompatível com a declaração de rendimentos ou dos sinais exteriores de posse de bens) a cor poderia ser castanha.
Seguindo um processo desta natureza, o mitológico segredo bancário estava salvaguardado e a actividade fiscalizadora do Estado podia efectuar-se com bases seguras, para além de se reduzirem os riscos de maus negócios, de créditos mal parados e de substanciais aumentos de processos judiciais a atafulhar os tribunais.
Assim o colectivo, o social, o comunitário impunha-se ao egoísmo que campeia entre nós e é apanágio das sociedades deformadamente nascidas do demo-liberalismo do século xix e incentivadas pelo neo-liberalismo do século xxi.
Oxalá, a imaginação, a saudável imaginação, fosse apanágio do Governo Sócrates, tão aparentemente desejoso de corrigir os desvarios orçamentais e as imoralidades. Contudo, não me parece que a imaginação seja o «prato forte» dos senhores ministros, pois servem-nos mais do mesmo e, ainda por cima, requentado.