Há dias foi dado a conhecer aos parlamentares o Orçamento do Estado para o ano de 2006.
Quando olhado de repente, parece tratar-se de um documento que aponta para a consecução de uma certa justiça social. Não me cabe duvidar da intenção do ministro nem do Governo ao procurar reduzir o fosso entre os muito ricos e os muito pobres deste país. Não tenho instrumentos de análise que me permitam fazer o julgamento com isenção. Há, todavia, indicadores que apontam para, mais uma vez, se estar a penalizar a classe média nacional sem que se «castigue» com mão pesada os sectores onde os rendimentos são, realmente maiores e merecedores de pagarem substancialmente mais que os da referida classe.
Para demonstrar o que digo basta pensar nos salários de um agregado familiar em que o marido seja professor catedrático de uma universidade estatal e a mulher, sendo professora do ensino secundário, tenha atingido o escalão máximo de vencimentos. O conjunto dos rendimentos brutos coloca-os na faixa dos indivíduos mais bem pagos do país e, contudo, poderemos, somente, considerá-los dentro da classe média superior. E casos destes são reais e normais.
Na verdade, a elaboração de um orçamento e da respectiva carga fiscal, dependem dos critérios de quem o manda elaborar. Tudo se assemelha à clássica pergunta: - Quanto deve um homem ter depositado no banco, para, se considerar rico?
Responde o drogadito, «arrumador» de carros: - Dois mil euros! Já o empregado que serve à mesa no «café» do bairro, diz: - Vinte mil euros! Perguntado ao professor do ensino secundário, afirma: - Mais de duzentos mil euros! Diz o médico em meio de carreira e bem sucedido profissionalmente: - Dois milhões de euros! Por fim, o grande accionista do banco: - Mais, muito mais, de vinte milhões de euros!
Afinal, ser rico não é um conceito absoluto. Pelo contrário, é absolutamente relativo, porque condicionado pelos padrões de rendimento de quem avalia. Ora, se isto é verdade para o indivíduo isolado, mais certo é para os governantes, pois tenderão a olhar os níveis de riqueza individual pelos parâmetros de capacidade que o país possui de gerar riqueza no seu conjunto. Deste modo, numa terra de fracas possibilidades económicas os responsáveis pela despesa pública ficam incapazes de «atacar» os mais altos rendimentos, talvez por julgar que deles depende a sustentabilidade da economia por via dos seus investimentos, «atacando», por isso, a classe média, esquecendo que é ela quem faz «viver» o mercado, porque alimenta o consumo e este impulsiona a produção no fim da qual estão os grandes investidores desejosos de ampliar os seus rendimentos. Assim, uma mesquinhez de visão pode conduzir os possuidores de grandes capitais a procurarem aplicá-los em mercados onde haja procura efectiva, desviando-os do seu país incapaz de assumir decisões ousadas!
Quando se chegou à situação financeira e económica de Portugal, onde os abismos entre ricos e pobres são profundos e onde a classe média se vê cerceada na capacidade aquisitiva, só existe uma solução que o Governo actual não se mostrou, ainda, capaz de adoptar. Foi aplicada há mais de vinte e cinco anos nos Estados Unidos da América e dá pelo nome de «Orçamento Base Zero» (OBZ). Como tudo o que é eficaz, resulta de uma acção simples. Expliquemo-nos.
O aparelho estatal, em qualquer Estado, sofre de entropia constante, isto é, caminha para situações de descontrole quer pela via do aumento de pessoal em funções, a maior parte das vezes, desnecessárias, quer pelo aparente aumento de trabalho que, quase sempre, não serve a ninguém.
Repare-se neste paradoxo à vista de todos nós. Há quarenta anos a limpeza das instalações estatais eram encargo de funcionários públicos com a categoria genérica de serventes – e o número de funcionários públicos era francamente menor do que actualmente -, agora, são empresas de limpeza que procedem aos trabalhos antes entregues a esses funcionários e o número de empregados do Estado aumentou! Há quarenta anos usavam-se máquinas de calcular manuais, máquinas de escrever, lançamentos contabilísticos e escrituras feitos a tinta e caneta; no presente usam-se baterias de computadores e cresceu o número de funcionários públicos! Isto quer dizer que se perdeu o controlo na máquina estatal, tendo sido ela a apoderar-se dos comandos.
A utilização do sistema OBZ obrigava, antes de se dotar os organismos do Estado com quaisquer valores orçamentais, a fazer uma análise exaustiva de quem faz o quê e para quem, justificando desde a base até ao topo todas as actividades e funções, bem como respectivos funcionários. Este processo, naturalmente complicado na execução, pela carga de radicalismo utilizada, permite identificar as excrescências anómalas dentro dos serviços, rectificando-as por transferência de pessoas, transferência de funções para os organismos certos ou, pura e simplesmente, por afastamento do pessoal e respectivos encargos. A aplicação de um sistema orçamental deste tipo no nosso país ia pôr a descoberto muitas surpresas, donde, enquanto não for convenientemente executado – tal como no passado se faziam purgas ao organismo para o «limpar» de toxinas – não existirão orçamentos sérios nem reformas sérias. Ao contrário de fazer restrições cegas e, quase sempre injustas – por incompletas e assimétricas – um Governo com a confortável estabilidade de uma maioria absoluta tinha todas as possibilidades de «arrumar», em quatro anos, a administração nacional, sem ter de se socorrer de impostos e cortes prejudiciais à economia.
O remédio é fácil, a execução é difícil, mas o resultado era, de certeza, compensador.