Nos anos que se seguiram a 1974 foi grande a discussão sobre as ideologias políticas prosseguidas ou defendidas pelos partidos da altura. Imagine-se que Diogo Freitas do Amaral, então figura de proa do CDS, chegou a dizer na televisão, que o seu agrupamento político defendia um socialismo cristão, prevendo o fim da pobreza no país. O caso mais confuso foi o do PPD quando o PS afirmou, pela boca de Mário Soares, que «guardava na gaveta o socialismo marxista», porque, então, passaram a coexistir dois partidos social-democratas ou que diziam defender a social-democracia. E a discussão subiu de tom quando o PS inviabilizou a filiação do PPD na Internacional Socialista. Foram tempos inesquecíveis para quem os viveu com atenção e intensidade, acima de tudo pela riqueza de sonho e crença na mudança.
Tudo se alterou após a adesão à Comunidade Económica Europeia. A discussão ideológica deixou de ter sentido. Imperou a «subsídiocracia» ou seja, a caça aos dinheiros da Europa. Sabia-se que, mais tarde ou mais cedo, o largo sector da economia nacionalizada iria ser entregue à gestão privada - porque a intervenção do Estado em parte maior na economia alterava as regras da livre concorrência - e que, mais dia menos dia, os capitais nacionais e internacionais acabariam por dominar, novamente, impondo as regras do mercado, subvertendo, de uma vez por todas, o Estado-providência que a crise de 1929, nos EUA, havia feito desabrochar e que tão excelentes resultados tinha dado na Europa e um pouco por todo o mundo. Mas esta certeza estava ainda envolta numa névoa espessa nos anos 80 do século passado. Pairava nas teorias do Senhor Fryedman e nas arremetidas práticas de Ronald Reagan e Margaret Teatcher, mas eram prontamente combatidas por todos os keynesianistas convictos... o Estado jamais claudicaria perante a livre concorrência, diziam.
No começo dos anos 90 deu-se como que a implosão do sistema de economia planificada praticada na União Soviética e nos restantes países onde estava implantada, excluindo Cuba e a China; o muro de Berlim caiu; o comunismo desapareceu. Ruía uma doutrina política pela qual milhões de cidadãos do mundo haviam sofrido a tortura e a morte. Os partidos comunistas perderam o seu «padrão de referência». Como seria, doravante o comunismo na prática? Não se sabia e continua a não se saber, porque, igual ao que foi na URSS, nunca mais vai tornar a ser! Semelhante ao da China Popular também não!
Se a adesão à CEE havia retirado sentido à discussão ideológica na política portuguesa, a implosão do comunismo completou esse vazio
Olhe-se hoje, com atenção, para os partidos políticos portugueses - o que são eles, efectivamente, do ponto de vista da ideologia?
O Bloco de Esquerda é o que o próprio nome diz: um «bloco». Dito de outro modo, uma junção de intenções que pretendem plasmar a esquerda que se não identifica com o Partido Comunista nem com o Partido Socialista. Não é um projecto; é um contra-projecto. Se, por um passe de magia, alcançasse o Poder, rapidamente o veríamos decompor-se nas suas diferentes sensibilidades, nos seus diferentes modos de entender o socialismo e a sociedade socialista.
O Partido Comunista, ideologicamente é o «esqueleto» do marxismo-leninismo; resta-lhe, como elemento aglutinador, o marxismo o qual terá de ser «reinventado», «reimaginado», para ser concebido como rumo revolucionário de uma sociedade justa dentro da modernidade de um mundo de países ricos e de países paupérrimos. Que tipo de sociedade justa será essa? Um marxismo para um Estado de cada vez e à medida das suas possibilidades ou um marxismo global e, por conseguinte, à escala mundial, à semelhança do capitalismo da globalização? Ora, não cabendo nenhum destes papéis ao PCP, o único que pode continuar a desempenhar, com alguma coerência, é o de se limitar a desenvolver oposição ao capitalismo neo-liberal que avassala a economia portuguesa. O acesso ao Poder está-lhe negado se não se quiser negar como partido defensor dos trabalhadores e dos deserdados.
O Partido Socialista debate-se na mais pura incoerência de todos os tempos. Com efeito, para cumprir um programa que o coloque na senda da ideologia social-democrata, tem de se demarcar do tipo de desenvolvimento neo-liberal que se está a impor na União Europeia e no mundo. Ora, essa é uma luta perdida desde o início; assim, tem de alinhar com a orientação do grande capital nacional e internacional, deixando de se poder intitular socialista ou mesmo social-democrata. As últimas medidas adoptadas pelo Governo José Sócrates traduzem a incoerência política ao mesmo tempo que o descair para as soluções que satisfazem aos interesses capitalistas instalados.
O PPD/PSD é um partido que, desde há muito, embora se afirme social-democrata, se afastou, na prática, da política de defesa social para enveredar pela aproximação ao modelo neo-liberal «atenuado» pouco se diferençando da actuação do PS. Contudo, enquanto no passado recente durou o entendimento com o CDS, foi notável a viragem à direita através da adopção de políticas que privilegiavam o capital em desfavor do trabalho.
Finalmente, o CDS/PP é, sem sombra de dúvida o partido onde se acoitam todos os que entendem que só políticas favoráveis ao capital e à direita mais radical se apresentam como solução para o país. Em última análise, este é o agrupamento partidário português que mais e melhor se identifica com uma doutrina política claramente definida.
Em face deste quadro, ou os partidos políticos do centro e da esquerda repensam as doutrinas onde devem ancorar as suas posições práticas para que a sua actuação possa ser coerente e identificável pelo eleitorado ou o pseudo pragmatismo em que vivem arrastará as soluções económicas e sociais para os braços do capitalismo revivalista e desumano cujos contornos se definem nalguns países do mundo e da Europa.
Será esse o caminho que os Portugueses desejam trilhar?