quarta-feira, setembro 14

Carta Aberta para o Ministro da Defesa Nacional

Estive ausente, nas termas. A saúde é um bem que deve ser conservado e, na sua falta, deve ser recuperado. As águas termais, o ar do campo, a boa, mas cuidada, mesa foram elementos que, espero, retemperem o físico.
Antes de ter partido para o Norte, escrevi uma «Carta Aberta» ao ministro da Defesa Nacional. Mandei-lha por e-mail para o Ministério. Não esperava resposta, contudo tive-a, não pela forma comum e habitual, mas através dos acontecimentos que se foram desenrolando. Uma tristeza!
Deixo, aqui, o texto da «Carta», que fiz circular pela Internet, para que os meus leitores possam compreender a razão (ou as razões) dos militares. Não se trata de corporativismo, como o Senhor ministro pretende, de uma forma despudorada, livrar-se da consequente revolta dos militares. Não queremos que se comece a ouvir «o baraulho do arrastar das espadas». Nada disso. Estamos no século XXI, na União Europeia, mas, exactamente por essas razões, o Senhor ministro e todo o Gabinete deve ponderar as medidas que pretende levar à prática.
Aqui fica o texto:

Lisboa, 16 de Agosto de 2005

Exmo. Senhor Ministro da Defesa Nacional

Como coronel da Força Aérea, na situação de Reserva, tenho a liberdade de me dirigir a V. Exa. directamente, sem as limitações da condição militar, visto estar fora da efectividade de serviço. Hoje e agora — se calhar, por enquanto — não se me aplicam as restrições impostas estatutariamente aos meus camaradas na situação de Activo.
No dia 10 de Agosto do corrente ano, foi levada a efeito, por dirigentes associativos militares, uma vigília à porta do palácio e residência oficial do Senhor Primeiro-Ministro, onde ele não estava. Durante a vigília, várias centenas de oficiais, sargentos e praças foram exprimir-lhes a sua solidariedade.
Nos dias que se seguiram, a comunicação social fez eco do desagrado, primeiro do senhor Secretário de Estado da Defesa e depois de V. Exa. pela atitude dos ditos militares, invocando para isso o desrespeito da condição castrense.
Não deixa de ser irónica a postura de V. Exas.! Então, para efeitos de redução de parcas regalias assistenciais que são dadas aos militares, estes vão ser equiparados a funcionários civis, remetendo-os para o âmbito da ADSE, mas, para que possam defender-se dessa desprezível medida, chamando a atenção pública para a iniquidade de tal princípio, já V. Exas. clamam pelo cumprimento da condição militar! Salvo errada interpretação da minha parte, V. Exas., praticando tais princípios, poderão ser tomados como claros adeptos da popular definição de Estado Novo, usada há mais de 31 anos atrás: «comer e calar». Estranha postura para quem integra um Governo socialista!
E é estranha esta postura, partindo de quem, como ministro da Defesa, deveria pugnar pelas boas condições de vida de todos aqueles que justificam o Ministério onde tem V. Exa. assento, mas não o faz! Em vez de os militares se reverem no «seu» ministro, afinal, têm de o olhar como alguém que os desqualifica e desprotege. E, tudo isto é feito em nome do saneamento da situação financeira do Estado a qual passa por afectar aqueles que juraram, tal como V. Exa., cumprir com zelo e lealdade, mas foram mais longe do que V. Exa., porque juraram, defender a Constituição da República Portuguesa e a integridade nacional, se preciso for, com sacrifício da própria vida. É a «funcionários» com esta disponibilidade e esta capacidade de sacrifício, coroadas por restrições reivindicativas, que V. Exa. entende, perante remunerações incapazes de pagar o compromisso que assumiram — porque nenhum dinheiro paga a livre disposição de entrega da vida —, privar de exíguas regalias sociais, quando pululam no aparelho do Estado e em Estabelecimentos públicos, indivíduos abrangidos por sinecuras inconfessáveis e às quais V. Exas., Governantes por vontade do voto do Povo soberano, não são capazes de pôr cobro. Mas, V. Exa. vai mais longe. Vai ao ponto de ameaçar com aplicação de sanções disciplinares aqueles que, vivendo de parcas remunerações, de uma forma em nada atentatória da ética militar, desejam recordar que pedir mais sacrifícios é condenar ao miserabilismo quem deve andar de cabeça bem erguida, fruto da digna missão que escolheu para servir a Pátria.
Senhor ministro da Defesa Nacional, numa democracia que aos militares se deve, num Estado que é obra de soldados, como lapidarmente disse Mouzinho de Albuquerque, «Os cavaleiros tende em muita estima» — como Camões aconselhou a D. Sebastião —, pois não encontra V. Exa. gente mais capaz de justos sacrifícios, mas, também, com mais apurado sentido de Justiça. Reveja, V. Exa., as suas posições e a dos seus colegas de Gabinete, encontrando o equilíbrio conveniente nas medidas a adoptar, porque Soberano é o Povo e só o Povo, em qualquer circunstância, legitima o exercício do Poder.

Ao dispor de V. Exa.

Luís Manuel Alves de Fraga
Coronel da Força Aérea, na Reserva
B. I. n.º 001003 A – EMFA

P. S. Não estranhará V. Exa. que, ao abrigo da livre expressão do pensamento, ponha a circular esta carta na Internet para que possa estar quase em igualdade de circunstâncias o meu desagrado com o desagrado de V. Exa., porque, afinal, ambos somos Servidores do Estado!