Todos os Portugueses foram, durante os meses de Junho, Julho, Agosto e os primeiros dias de Setembro literalmente submersos nos mares de chamas que devastaram a floresta do país.
Não escapei à informação televisiva. Fui esmagado pelas imagens que nos deixaram um sabor a angústia e tristeza deste Verão que está no fim.
Há dias fiz o percurso de Lisboa a Braga pela auto-estrada. Fiquei estarrecido com o que fui vendo. A amostra é elucidativa. Para se ter uma noção clara do flagelo que se abateu sobre as populações, basta olhar com atenção daquela artéria que liga o Sul ao Norte.
Tentei encontrar justificações para este cataclismo. Repetir o que ouvimos nas televisões, nas rádios, nos fóruns, nos debates seria fastidioso, contudo, há uma explicação que não foi dada, porque já toda a gente se esqueceu de como se vivia há, pelo menos, quarenta, cinquenta anos atrás. Depois de vos dizer, todos vão bater com a palma da mão na testa e dizer: - Mas é uma evidência!
A modernidade faz-nos esquecer bem rapidamente os hábitos tradicionais; o «eléctrico», no começo do século xx, remeteu para o olvídio o coche, a caleche, o cabriolet, a carroça e, até, o típico «americano» que circulava nas ruas de Lisboa; a esferográfica fez cair em desuso a caneta de tinta permanente; o computador empurrou para fora das linhas de consumo as velhas máquinas de dactilografar. Pois é, e o forno eléctrico para cozer o pão arrumou para sempre a tradicional sabedoria de amassar a farinha e cozê-la no milenar forno de lenha!
Quantas padarias desapareceram por esse país fora? Quantos fornos caseiros ficaram desactivados e acabaram por ser destruídos? Mas, pior do que este panorama de salto na modernidade, foi o facto de se deixar de ir aos pinhais - próprios e alheios - colher a caruma e as pinhas, os pedaços de ramos velhos caídos no chão, para atear o fogo no lar do forno, empurrando, depois, as brasas bem lá para o meio de modo a que o tijolo guardasse o calor tão preciso para a cozedura do pão fresco. A par desta ausência, vieram, a preços acessíveis, os aquecimentos a óleo ou os chamados «infravermelhos» ou, para os mais afortunados, o ar condicionado. A velha lareira, ou fogo de chão, a par da braseira, desapareceram dos campos e das cidades. Hoje, nos modernos edifícios o «fogão de sala» é um luxo que se limita a consumir madeira de azinheira ou de sobreiro comprada em sacos de 15 ou 20 Kg nos hipermercados das grandes cidades.
Deixou de se «ir à lenha» das matas e das florestas. Aquilo que era uma limpeza «natural» desses espaços propícios aos grandes fogos, deixou de se fazer. Não compensa; compra-se o pão dito «de lenha» - cozido num forno de tijolo aquecido a jacto de gás - nas «padarias» que são, efectivamente, depósitos de pão (às vezes cozido há meses e congelado!), passou a ligar-se um interruptor eléctrico para conseguir a temperatura ideal em casa, nos dias ou nas noites mais frias dos Invernos mais frios. Entretanto, ardem as florestas, as matas, os pinheiros e os eucaliptos, envolvendo meios de ataque ao fogo cada vez mais sofisticados: aviões, hidroaviões, helicópteros. Reinventa-se a Natureza.